Em Cavalcante, no Nordeste Goiano, a decisão do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) de mudar o traçado de uma rodovia aguardada há mais de 50 anos preocupa a comunidade local. Em março deste ano, o órgão anunciou o início do processo licitatório para a contratação e elaboração do projeto básico e executivo de engenharia para implantar e pavimentar o trecho da BR-010 que liga Goiás ao Tocantins. O motivo do descontentamento é que a nova rodovia, que antes beneficiaria o município, contribuindo para que ele saia do isolamento econômico e social, agora vai passar a quilômetros de distância.

“Ninguém esperava por isso. Temos nessa região o pior Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), precisamos de ajuda para atrair desenvolvimento. A região é turística e a alteração do traçado original foge à nossa compreensão”, afirma Jurani Maia, ex-vereador de Cavalcante, município que fica ao norte do Parque Estadual da Chapada dos Veadeiros. Ele acredita que há algo por trás da decisão, como interesses de grandes empresários, porque a obra em sua opinião vai ficar muito mais onerosa. “Vão cortar a Serra da Contenda em Monte Alegre de Goiás.”

Prefeito de Cavalcante, Josemar Saraiva (PSDB) disse ao POPULAR que a notícia da alteração do traçado do trecho da BR-010 jogou um balde de água fria na expectativa de toda a comunidade. “Era um sonho porque iria tirar Cavalcante do isolamento. Só pode ter interesse político nisso.” Segundo ele foram várias reuniões com representantes do Dnit para mostrar a importância da preservação do traçado original. “Cavalcante é o sexto município goiano em extensão territorial, temos estrutura que atenderia aos viajantes. Nossos comerciantes aguardam há muito tempo por essa estrada.” O prefeito tenta agora marcar uma audiência com o titular do Ministério da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, para tratar do assunto.

A Associação do Quilombo Kalunga (AQK) que representa os moradores do Sítio Histórico e Patrimônio Cultural Kalunga, também reagiu à notícia da mudança. Representando 39 comunidades nos municípios de Cavalcante, Monte Alegre de Goiás e Teresina de Goiás, a AQK diz que pelo menos 20 mil pessoas deixarão de ser beneficiadas com a decisão do DNIT, 8 mil delas quilombolas. “Estamos no isolamento há mais de 300 anos. Precisamos de estrada para ter acesso ao desenvolvimento”, afirma a vice-presidente da AQK, Domingas Natália. No traçado anterior a BR-010 cortaria o território calunga em Cavalcante, que hoje atrai milhares de turistas que buscam as cachoeiras da região.

Com 1.959 quilômetros de extensão, a BR-010 começa em Brasília (DF) e vai até Belém (PA) passando por Goiás, Tocantins, Maranhão e vários municípios do Pará. A rodovia foi idealizada no governo de Juscelino Kubitschek, mas nunca concluída. O trecho ao qual o edital se refere, conforme o Dnit, são os segmentos km 0 ao km 93,8 , no Tocantins, e aos km 272,7 ao km 305, em Goiás. Entre Brasília (DF) e Palmas (TO) a BR-010 é complementada pelas rodovias GO-118 e TO-050, porque ainda não existe a rodovia federal. Há outros trechos sem abertura e/ou sem pavimentação.

Houve um momento no início dos anos 2000 que o Dnit e o governo do Tocantins se uniram para tocar um trecho de 310 km, mas como irregularidades foram encontradas por órgãos fiscalizadores, as obras foram paralisadas. Este foi o motivo que levou ao surgimento no Tocantins do Movimento Pró-BR-010 em prol da retomada das obras, o que até agora, apesar de inúmeras reuniões com parlamentares e órgãos federais, se mostrou infrutífero.

De Brasília a Cavalcante, um trecho de aproximadamente 330 km, a BR-010, que sobrepõe a GO-118, está em boas condições, com pavimentação asfáltica. A expectativa da comunidade de Cavalcante era de que os 90 km, entre o município e Paranã, na divisa com o Tocantins, fossem asfaltados agora. Entretanto, veio o anúncio da mudança do traçado original que passava dentro de Cavalcante. Na nova concepção a rodovia continua no curso da GO-118 que vai até Campos Belos, mas depois de Teresina, segue à esquerda após a ponte do Rio Paranã, cortando parte do território calunga em Monte Alegre de Goiás (veja mapa). Depois continua pela TO-50 entre Arraias e Paranã, ambas no Tocantins.

Brasília-Belém

Suplente do senador Vanderlan Cardoso, Pedro Chaves (MDB) foi um dos parlamentares que mais lutaram para que a rodovia fosse concluída com o traçado original. “A BR-010 é uma rodovia planejada na época da construção de Brasília, dentro do Plano Nacional de Viação, mas nunca foi implantada em sua totalidade. Fizeram a BR-153, que passou a se chamar Belém-Brasília, mas a BR-010 era a verdadeira Brasília-Belém.”

Pedro Chaves desconhece as razões da alteração do traçado, mas na opinião dele, agora a rodovia não irá beneficiar nem Cavalcante, nem Monte Alegre de Goiás e nem Campos Belos. “Ela sai da GO-118 e vai até a ponte do Rio Paranã, entre Teresina de Goiás e Monte Alegre de Goiás, ou seja, em tese não atende a nenhum município.”

 

Dnit diz que optou por alternativa menos impactante

Ao POPULAR o Dnit informou que foi realizado um Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental (EVTEA) no qual foram avaliadas duas alternativas de traçado para a BR-010. A Alternativa 1, com 277,10 km, e a Alternativa 2, que atende Cavalcante, com 272,32 km. O estudo, conforme o órgão, recomendou a Alternativa 1 porque, embora os dois traçados interceptem o território calunga, esta opção é menos impactante. No caso da Alternativa 1 a BR-010 vai ocupar uma extensão de 35 km, com grande parte do trecho já asfaltado. Na Alternativa 2 a interceptação é menor, mas em contrapartida a intervenção seria maior porque o leito é natural e o terreno virgem.
 
O Dnit enfatiza que a opção pela Alternativa 1 também implica em menos intervenção em Áreas de Preservação Permanente (APPs) porque os corpos hídricos identificados são em menor quantidade do que na Alternativa 2. Ainda na Alternativa 1, conforme o Dnit, o relevo é mais favorável, o que vai exigir um volume menor de terraplanagem. Outra vantagem apresentada pelo órgão é que a extensão a implantar de novos trechos na Alternativa 1 é inferior em cerca de 25% à Alternativa 2. 

Com a conclusão do EVTEA, o Dnit já contratou a empresa responsável pelo desenvolvimento dos projetos. “A previsão de conclusão dos mesmos é para o segundo semestre do próximo ano”, informou o órgão federal.