Lailton Costa
O procurador da república Álvaro Lotufo Manzano defende que os indígenas da Ilha do Bananal, que abriga o Parque Indígena do Araguaia onde moram as comunidades dos povos Karajá e Javaé, têm autonomia para celebrarem contratos de criação de gado com fazendeiros não indígenas.
“Entendo que as associações representativas das comunidades indígenas são partes legítimas para celebrarem contratos para criação de rebanho bovino com a concorrência de esforços de produtores não indígenas”, atesta Manzano, em um despacho emitido no dia 27 de janeiro.
Álvaro Manzano é o atual procurador-chefe substituto da Procuradoria da República no Tocantins e titular do 2º Ofício do Núlcleo de Tutela Coletiva do órgão no Estado. É o setor que atua na defesa do meio ambiente, do patrimônio cultural, indígenas e comunidades tradicionais
O texto representa uma resposta do Ministério Público Federal (MPF) no Tocantins para manter um projeto de bovinocultura na Ilha do Bananal, após o fim de um TAC (Termo de Compromisso) firmado em 2009, válido por 10 anos, que permitiu a criação de gado nas terras indígenas até 31 de dezembro do ano passado.
Esse TAC nasceu após uma decisão de 2008 da Justiça Federal que determinou a retirada de todo o rebanho bovino então criado dentro da Ilha do Bananal por fazendeiros não indígenas no regime de “aluguel de pastos”. A retirada de todo o rebanho teve um custo aproximado de R$ 2 milhões para a União.
Sem soluções econômicas para substituir a renda que os indígenas tinham com o arrendamento dos pastos, o TAC permitiu, à época, o retorno de 20 mil cabeças de gado à ilha. O acordo era endossado pelo Conjaba (Conselho das Organizações Indígenas do Povo Javaé da Ilha do Bananal), organização fundada em 2002, que agrega aldeias Wari-Wari, Boa Esperança, Imotxi, Txuiri, São João e Canoanã, entre outras, pela Associação d Aldeia Barreira Branca e pela Associação Inÿ Mahadu, do povo Karajá.
O acordo chegou a ser alvo de um procedimento (de nº 1.00.000.001017/2010-17) da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão da Procuradoria-Geral da República, relatado pela procuradora Deborah Duprat. O órgão declarou nulo o termo, por entender que o retorno do gado à ilha não era lícito.
“O Termo de Compromisso firmado é incompatível com a política de proteção dos territórios indígenas e com os elevados dispêndios de dinheiro público realizados pela União Federal e suas autarquias para a proteção da Ilha do Bananal ao longo dos últimos dez anos. Assim ficam invalidados todos os efeitos presentes e futuros do termo”, diz a decisão.
O TAC acabou sendo prorrogado sucessivas vezes até 31 de dezembro de 2021. Embora tenha sido discutido entre as partes, acabou não prorrogado por mais dez anos nem houve a aprovação de outro instrumento, para regularizar a criação de gado a partir deste ano.
A atividade só cresce no parque indígena. Na origem do TAC, a proposta era para 20 mil cabeças de gado. Dados obtidos via Lei de Acesso à Infomração (LAI) na Agência de Defesa Agropecuária (Adapec) mostram que o número cresceu, pelo menos, cinco vezes. No ano passado, havia 292 retiros (fazendas improvisadas) de 274 produtores e total de 111.418 bovinos.
O dado é só do gado vacinado contra aftosa pela agência, que se recusou, mesmo sob recursos da LAI, a fornecer a relação dos beneficiados com a vacinação, responsáveis pelo gado. Os retiros estão nos municípios de Formoso do Araguaia (160) com 60.590 cabeças de gado; Lagoa da Confusão (43 retiros) e 21.411 cabeças e Sandolândia, com 89 retiros e 29.417 cabeças, conforme dados do governo.
Proposta dá autonomia para as comunidades indígenas
Esta lacuna e o apelo dos indígenas para que a agropecuária continue na ilha provocou o despacho de Manzano. “Não há dúvidas de que a criação de gado pelos próprios indígenas é atividade lícita, desde que realizada de forma consensuada pela comunidade. Ou seja, qualquer atividade produtiva a ser realizada dentro de uma terra indígena tem que ter a concordância da comunidade”, defende o procurador, no documento do dia 27, ao ressaltar que a terra indígena é de propriedade coletiva, pertence ao povo indígena como um todo, e não a algum indígena individualmente.
O procurador aponta o desinteresse da Funai em não aderir à ideia, mesmo participando das discussões, como responsável pelo desvirtuamento do projeto, que ficou “sem controle da arrecadação financeira e destinação dos recursos” obtidos com o aluguel dos pastos.
A proposta de Manzano propõe algumas condições como concordância da comunidade, ter um plano anual aprovado pela comunidade, coordenação da atividade pelos indígenas, manutenção de registros confiáveis da movimentação financeira e transparência para a comunidade, controle de ingresso de não indígenas, entre outras.
De acordo com o procurador, a primeira providência das comunidades é promover reuniões em cada aldeia, para obter o consentimento da parceria e aprovar o plano de trabalho. “Eu entendo que os indígenas têm autonomia para criar gado, desde que respeitada as condições do despacho”, reforça.
Indígenas aprovam novo modelo do projeto
Presidente do Conjaba, José Tehybi Javaé (lê-se terrambí) disse que as comunidades da ilha estavam preocupadas com o fim da validade do acordo e já tinham pedido ao MPF nova prorrogação do acordo ou um novo instrumento. Na semana passada, voltaram a se reunir para reforçar ao MPF o pedido de uma solução, porque, e acordo com o líder, a criação de bovinos é fundamental para a autonomia das aldeias.
“O que mantém nossas comunidades é a parceria com os fazendeiros e nós esperamos pela Funai, esperamos a Funai trazer uma solução, aí estivemos reunidos com o procurador, porque a gente precisa dessa parceria, precisa do projeto para ter dinheiro para as aldeias”, atesta.
De acordo com a liderança, nesta segunda-feira, 31, ele participou de uma reunião preliminar com alguns caciques e afirma que estão conscientes da importância das parcerias. “A conversa da comunidade é essa, que o projeto está nas nossas mãos, e que é preciso organizar as associações das aldeias, a comunidade que não tiver associação, o Conjaba vai assinar o contrato até organizar a associação”.
A bovinocultura é de suma importância por gerar renda para as comunidades, mas, na versão anterior causou problemas, atesta Wagner Maireá Javaé, cacique da Aldeia Javaé. "Com o projeto a gente tinha uma renda, mas houve muita divergência na hora da divisão (dos ganhos), intrigas, separação de aldeia, muita aldeia surgindo. Esse foi o ponto negativo do projeto, né”.
A liderança defende união para esta nova fase. “Agora todo mundo é adulto, e todo mundo deve se aliar, é importante se unir, nessa parte da divisão e desenvolver um projeto e que todos tenham os seus benefícios."
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