O jornalista, radialista, escritor e compositor dá início ao seu novo projeto artístico denominado “Tião Pinheiro – De amor e de afeto” com uma live recheada de atrações nesta sexta-feira, dia 25, às 20h, quando lança seu sexto livro de poemas “Amorosamente”, contemplado pelo Edital Promic 2019 da Fundação Cultural de Palmas.

Entre as participações especiais estão “A Barraca Cia de Artes”, as atrizes Luciana Assunção e Ana Kamila Castaño, os músicos Genésio Tocantins (presencial), Léo Pinheiro, Maria Eugênia, Dorivã, Nacha Moretto, Jorge Menares, Écio Duarte – que estarão também no disco “Tempo ao Tempo” a ser lançado brevemente por Tião -, além de gente da área acadêmica, familiares e amigos, muitos deles integrantes do Abacateiro, coletivo à sombra do qual criadores se juntam para compor, ouvir, mostrar canções e celebrar o afeto.

O livro - Com um total de 214 poemas divididos em cinco blocos aborda os mais distintos sentimentos sempre de uma forma leve e mereceu uma crítica das pesquisadoras Roseli Bodnar e Márcia Regina Schwertner. Confira.

Eu, leitora de Tião Pinheiro 

Roseli Bodnar (Observatório das Artes/UFT) 
Márcia Regina Schwertner (Observatório das Artes/UFT)

 

Vou começar esse texto citando um outro poeta latinomericano, Octavio Paz (1984, p. 47), que diz: “O poema é uma criação original e única, mas também é leitura e recitação – participação. O poeta cria; o povo ao recitá-lo, recria-o. Poeta e leitor são dois momentos de uma mesma realidade”. E é a partir dessa ótica que vou abordar a experiência de leitura e de recepção crítica de Tião Pinheiro, poeta do deslimite e da desmedida, de amores e desilusões, de partidas e de chegadas. 

amorosamente é um acalento, um afago na alma. A leitura da obra constitui-se em um exercício prazeroso, um embrenhar por caminhos, ora ensolarados, ora nebulosos. São trilhas construídas meticulosamente pelas mãos habilidosas de um artesão das palavras. Tião Pinheiro é um flaneur, em suas andanças, quase incógnito, testemunha fatos, observa e escreve, seus poemas elaboram-se em uma espécie de álbum de recortes, fragmentos fotográficos que nos falam sobre a vida. Tece imagens, tece a palavra, liga uma a outra por um fio invisível que contém um emaranhado de memórias e significados.

Esse livro é daqueles que precisamos ler sem pressa, de tempos em tempos parar a leitura, abraçar o livro (sim, eu abraço), olhar o horizonte e refletir sobre a vida, os amores, chegadas e desencontros. 

O bloco I, nasceres e sonhares, concebe-se em reminiscências, em um constante deslocamento na busca de si, dos seus sonhos e do amor. O nascer aqui não é apenas o biológico, constitui-se em uma metáfora do (trans)formar-se como ser humano. No poema a que viemos, essa simbologia sintetiza-se na beleza do verso final, “o amor nos alinhavando”, remetendo ao tecer e desfazer. Nunca estamos prontos, somos apenas alinhavados ou rascunhados, podendo a qualquer momento ser desfeitos e refeitos, em um eterno devir. Em passos depois de tanto, o eu-lírico revê e repensa sua vida, confronta aquilo que é seu de fato (sonho, desejos, projetos) com o que lhe foi imposto ou atribuído. É comovente como vai se desconstruindo e se (re)construindo à medida que percebe sermos “aprendizes de lições/mal assimiladas”, porém “ainda assim crédulos”, nossa humanidade jorrando na busca por “desfazer equívocos”, “praticar o perdão”, “reajustar a bússola” e “viver no amor”. São poemas que transpiram esperança. Já livre e não fuga é um canto de amor à liberdade, professada desde os primeiros versos: “minha alma é livre/e exige/que eu também o seja,/sem dor ou rancor/e mesmo que isso/custe o preço/de qualquer solidão”. Se há um preço a ser pago, o eu-lírico o acata, compreendendo, além do remorso, da dor ou da culpa, a possibilidade da leveza, o coração a ordenar que ele também voe. 

O bloco II, chegadas e acolhidas, tematiza o amor em suas várias formas, descrevendo-o como um turbilhão que nos retira da zona de conforto. Sua chegada, às vezes inesperada e abrupta, reflete-se como acolhida, não apenas do outro que se ama, mas também um acolher do amor. Nos versos finais de o amor que mora, concebe-se como uma decisão e um abrigo, reiterando que “apenas aqui quer ficar/apenas assim quer adormecer/e apenas nele quer viver...”. Essa sensação de acolhimento é reforçada em a sem pressa do amor, cujos versos reverberam sensibilidade na descrição de um sentimento tão singular: “o amor não se molda/à pressa da intenção/e nem à do desejo,/o amor é surpresa /e balanço do coração,/é chuva mansa /a espraiar leveza/e cantiga boa/a espantar tristeza/ por isso talvez/os atropelos e descaminhos/de toda pressa /e de qualquer ânsia...”.

Faz-se interessante observar que as palavras ou expressões aqui utilizadas na simbologia do sentimento amoroso não são as já desgastadas pela frequência do seu uso, ao contrário, os vocábulos remetem à calmaria, à leveza, criando um universo de júbilo e de regozijo que se reproduz na intimidade do encontro.

Por sua vez, o afeto que me faz elo estrutura-se por meio da repetição de palavras, promove um eco de sonoridades que se torna elemento fundamental para a construção de sentidos: “o apego do apego/a que me faço presa”, “o afeto do afeto/no que me faço elo”, “o afeto do apego/a que me faço ninho”. Um jogo entre sons, ritmos e imagens que potencializa a beleza poética, em um crescendo que se condensa nos últimos versos do poema: “o apego ao afeto/a que me torno presa/e me faço elo,/a que me sinto leve/e me faço asas”.

Referências musicais, seja em termos de conteúdo, simbologias ou estruturas, mostram-se presentes em toda a obra, mas assumem agora especial destaque, chegadas e acolhidas carrega-se de expressões como “cantiga boa”, “canção a tocar suave”, “ouça essa canção”, “na sinfonia do cerrado”, “onde a tristeza é canto”. Tião Pinheiro demonstra nesse bloco a relação umbilical que possui com a musicalidade, adquirida em seus trabalhos como compositor, com três discos próprios lançados e músicas gravadas por artistas locais, nacionais e internacionais. 

O bloco III, partidas e desmantelos, fala de separações, físicas, emocionais e amorosas. O desmantelo é o ponto final do relacionamento, da paixão, do amor ou da vida. No poema o melhor de nós, o eu-lírico discorre sobre o partir, a escolha de caminhos, o buscar algo novo, frisando que nunca se vai só, já que sempre levamos um pouco do que para nós foi o outro. Exemplificativos são os versos “não levarei a sua mágoa,/levo a magia de entregas/e os sons daquela canção;/e esse jardim não regarei/com suas lágrimas,/levo o calor do desejo/e a brisa do amanhecer...”. De modo similar, em quando o amor não mais servido, é da dor da separação que se extrai uma forma de resiliência, encontram-se forças para a despedida, desfazem-se ninhos, desatam-se nós, é pela quebra de antigos elos que se constroem novas possibilidades. 

O bloco IV, renasceres e viveres, apresenta metalinguagem, traçando considerações sobre o fazer poético. No poema pra que eu duvide até das boas intenções, há poesia acerca da poesia. Em momentos como “de que meus versos/são meus/e de quem mais quiser,/sem que eu precise/sobre eles explicar/sobre eles justificar/sobre eles pedir licença/” observam-se abordagens do processo criativo e das relações existentes entre a inspiração e o trabalho artístico, este desenvolvido não apenas pelo autor da palavra, mas pelo leitor que escolhe e reproduz o poema.

Essa ação criativa enfatiza-se em vou quebrar a banca se não for amor, afirmando-se parte do cotidiano daquele que tem como arte ser poeta, “vou dobrar a esquina/em um outro andar/e retomar a rima/pra me fazer canção,/pra mudar a sina/se não for paixão,/pra trocar a onda/se não for fervor,/pra me tornar miragem/se não for verdade”. Em no enredo da vida... as vozes feminina e masculina, inicialmente diferenciadas, mesclam-se somando contornos, assumindo novos passos, trilhas e teias.

Por sua vez, de qualquer jeito revela o desassossego e, em meio ao desassossego, a esperança de renascer como uma fênix, “da esperança que me anima/pois ainda sou todo esperança:/se me dizem pra não seguir,/que o fim é aqui, a que fim chegou –/por bem, de qualquer jeito,/insisto que o fim é só o começo”. 

O bloco V, marcas e saudades, aborda o poder e os limites do tempo. Nesse bloco presentificam-se, em forma de lembranças e homenagens, as marcas físicas e afetivas que a vida nos deixa. São referências à família, às mães, a mulheres, anônimas ou famosas, a lugares, sentimentos e amigos, aqueles que aqui estão e aqueles que já partiram, eternizados na memória. Alguns poemas remetem a um tempo cronológico não real, contudo, quantitativo e mensurável, em que o eu-lírico mede sua passagem em segundos, minutos, horas, dias, semanas, meses e anos; em outros, o tempo define o compasso da vida, ciclos, períodos e etapas, em reminiscências que dialogam com o vivido.

Também, percebe-se o tempo psicológico, ditado pelas emoções, demarcado por situações e vivências do cotidiano, um tempo que se alonga, se comprime ou se dilui, conforme a situação vivenciada, se amena ou desafiadora. No poema tempo ao tempo, trechos como “senhor de tudo/e de todos,/o tempo nos mostra/o que era/e o que não deveria ser” e “senhor de tudo/e de todos,/o tempo nos cristaliza” condensam reflexões que transformam a passagem do tempo em subjetividades nem sempre positivas e que exigem constantemente ser revistas, porque, como se destaca em seus versos finais, “à margem de medos/e de incertezas,/a vida flui”.

Uma fluidez que se prolonga em inserções no poema seguinte, tantas que já me disseram, construído a partir de um intrincado jogo entre a permanência da oralidade de ditos populares e a escrita consciente e elaborada do autor. Como resultado, revelam-se contraposições ora irônicas, ora divertidas ou inusitadas, como nos versos “já me disseram/que o inferno e paraíso/são mesmo aqui/e o que aqui se planta/é aqui mesmo que se colhe” e “o sol nasce e se põe/a lua chega e parte/a vida revela e surpreende”. No poema a poesia tudo pode, o autor retoma um tema recorrente, o fazer poético e a amplitude da poesia.

Contudo, a imensidão propalada no título é agora contestada no corpo do texto, delimitando artista e arte pelo acréscimo de pequenas partículas, como “não” e “quase”: “o poeta não,/ mas a poesia/quase tudo alcança/quase tudo pode...”. Um novo entrelaçar do tempo e da memória surge em do que se deixa e do que se leva, confirmando a relação metafórica do ato de tecer com a vivência e a escritura, tornadas possibilidade de voz e de resposta ao anseio humano por permanência: “no tear da construção/ninguém deixa/inconsequentemente/a memória de alguém,/por presença que tenha sido/ou até mesmo por ausência,/somos fagulhas/e deixamos imagens/em quem/por nossa trilha desfila”. 

Para terminar, afirmo que amorosamente é um livro de muitas nuances e olhares, as trilhas que percorre cumprem e excedem as expectativas que o título carrega. O amor, por vezes, aparece quase próximo do amor cortês, inebriado e extasiado pelos primeiros encontros, ou, em outros momentos, mostra-se estilhaçado, fragmentando-se em meio a desamores ou como efeito da passagem do tempo. No livro, cada bloco de poemas é um universo que se completa; ao mesmo tempo, são blocos que surgem como elos de uma mesma corrente, tematizando as várias formas que assume a nossa capacidade de ainda amar. Ao falar do sentimento amoroso, amorosamente é uma obra que nos humaniza.