Antes de qualquer discussão jurídica a respeito do assunto, a divulgação de um vídeo pornográfico por Jair Bolsonaro durante o carnaval diz mais sobre o homem do que sobre o presidente. Fica claro que o cargo parece ser muito pesado para ele. Outro dia foi postada uma foto sua usando uma jaqueta surrada, chinelos de dedo e ar visivelmente desgrenhado. Claro que não faltam os que aplaudem tudo isso, alegando se tratar de homem simples, do povo, de hábitos espartanos. Também fica evidente que isso acaba sendo bem calculado e faz parte do marketing pessoal do político. É como aqueles artistas pop que assanham os cabelos cuidadosamente. Desde a campanha, quando os seus vídeos eram feitos numa salinha humilde, havia a intenção de mostrar a frugalidade da vida do candidato. Porém, como ensina o ex-presidente José Sarney, o cargo requer certa liturgia.
 
A postagem é, antes de tudo, grosseira, inapropriada e absolutamente de mau gosto. Ainda que não se tratasse do presidente da República, qualquer um detentor de mínimo bom senso evitaria divulgar aquela cena grotesca, onde se vê um homem urinando sobre outro num palco em plena rua. Ademais, a postagem foi totalmente desnecessária, independentemente do que pretendia dizer o presidente. Tratando-se de alguém que trouxe para o palanque a chamada “pauta de costumes”, foi até mesmo incoerente que tenha divulgado um vídeo contrário ao seu discurso, expondo a milhões de pessoas uma imagem que, como se sabe, ofende diretamente as “famílias cristãs”, de onde saiu a maioria dos seus eleitores. E o pior é que, com a divulgação feita por ele, o vídeo acabou sendo visto até mesmo por crianças, o que está causando discussão no meio jurídico no sentido de que o ato seria ofensa ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
 
O vídeo postado pelo presidente mostra que o homem Jair Bolsonaro ainda não está lapidado para o cargo que ocupa e tudo indica que veremos muitos episódios escatológicos, o que, sem dúvida, traz preocupação ao seu séquito, principalmente àquele formado por militares, que viu horrorizado a atitude do chefe em pleno Twitter. As redes sociais levaram Jair Bolsonaro ao poder, mas, igualmente, podem tirá-lo de lá. Essa é uma arena perigosa e que requer muito tato e bom senso para utilizá-la.
 
Pode parecer exagero, mas a atitude do presidente, segundo o jurista Miguel Reale Júnior, o mesmo que elaborou o pedido que resultou na saída da ex-presidente Dilma Rousseff, pode ser enquadrada como quebra de decoro, o que justificaria um processo de impeachment. Segundo ele, caberia a aplicação da Lei 1.079/1950, que trata dos crimes de responsabilidade do presidente da República, que tipifica como tal “proceder de modo incompatível com a dignidade, a honra e o decoro do cargo”.  Para o professor Reale, um auxiliar do presidente poderia ter feito o registro de ocorrência do ato obsceno mostrado na postagem, já que a intenção, tudo indica, seria essa. “Com a divulgação, o presidente deu exposição a um fato restrito, sem nenhuma necessidade: ou seja, ampliou o ato. Algo que seria visto por algumas pessoas foi visto pelo Brasil inteiro”, finalizou.
 
A repercussão do fato foi estrondosa e correu o mundo, tendo sido noticiado por grandes jornais em diversos países. A disseminação da notícia foi muito mais pelo inusitado de um presidente ter divulgado vídeo de tamanho mau gosto. E essa atitude poderá render muita dor de cabeça a Jair Bolsonaro. Ele tem mantido o hábito de postar sempre por meio do Twitter, como faz o seu colega americano, Donald Trump. Lá como cá as postagens dos governantes têm rendido muita polêmica e tanto o homem quanto o presidente entram em choque a todo instante. E, pelo jeito, vai continuar.