Como todos sabemos, carne virou no Brasil um produto caríssimo e, portanto, para poucos. Ainda assim o ministro Gilmar Mendes, do STF, aplicou, em recente decisão, o princípio da insignificância em favor de um homem que, sorrateiramente, se agarrou a uma peça de picanha como Bellini à taça de 58 e, quando saía de fininho do estabelecimento, foi surpreendido com a carne debaixo das roupas pelo fiscal de prevenção. Isso ocorreu em maio de 2018 no Distrito Federal, mais especificamente na cidade satélite do Guará. O valor da pérola era de R$ 52 reais. 

 
O homem havia sido condenado em primeira instância e a decisão foi mantida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. O caso chegou ao Superior Tribunal de Justiça, que negou o pedido por entender que tal princípio não se aplica em casos de réus reincidentes. Por meio de recurso ordinário em habeas corpus o troço chegou à Suprema Corte e foi parar nas mãos sempre benévolas de Mendes, que acatou o argumento da Defensoria Pública, no sentido de que o valor da picanha representava 5,45% do salário-mínimo à época. Talvez se o furto tivesse acontecido hoje a insignificância não teria sido reconhecida, afinal carne virou ouro. 

Gilmar disse que embora o STJ venha se posicionando pela não aplicação da insignificância aos reincidentes, o caso em questão tem nuances que justificariam a absolvição do réu. Para liberar o “homem da picanha” o ministro levou em conta a ofensividade mínima da conduta, ausência de periculosidade social da ação, reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e inexpressividade da lesão jurídica causada. 

E o relator chamou a atenção pela “absoluta irrazoabilidade” do caso que movimentou toda a máquina judiciária, desde a primeira até a última instância, sem contar a passagem na polícia, para condenar alguém que não teve forças para controlar os instintos mais primitivos que um pedaço de picanha pode vir a causar num Sapiens. 

O réu foi absolvido, mas espera-se que isso não venha a estimular outros ilícitos, provocando um ataque coletivo a açougues e casas de carnes em geral. Como se disse, a picanha, nesses dias difíceis em que vivemos, se tornou produto de extrema valia, inclusive assistimos recentemente as chocantes e significantes cenas de pessoas disputando pedaços de ossos, num país onde a proteína bovina virou artigo de luxo. (RHC 210.198).