Toca-nos fundo o coração quando nos deparamos com decisão que prima pelo princípio da dignidade da pessoa humana, previsto no art. 1º, inciso III, da Constituição Federal, mas que, se olhado de fora, quase sempre está ali a título de adorno. É uma espécie de embargos declaratórios, que de nada servem a não ser para o julgador ter o prazer de confirmar sua decisão e jogar na cara do advogado que não há omissão, contradição ou obscuridade, e nem mesmo erro material e que, ao fim e ao cabo, sua decisão é perfeita. É o primeiro passo para se enfrentar – com 99% de certeza de insucesso – a famigerada Súmula 7, do STJ. Os entendedores entenderão. 

Bem, mas falando sobre a decisão que nos toca o coração: o ministro Ricardo Lewandowski, do STF, garantiu que um homem não seja despejado de seu imóvel até o final de março de 2022 por constatar potencial e irreparável dano em caso de abandono do lar em meio à crise de Covid-19. A insensível prefeitura de Londrina (PR) moveu ação executiva fiscal contra um pobre idoso portador de inúmeras comorbidades, que reside na casa com sua filha. 
Mas vamos aos fatos. Lewandowski não foi bonzinho assim num primeiro momento, tanto que em novembro indeferiu o pedido liminar do pobre idoso, argumentando que não havia informações sobre a alegada vulnerabilidade. Quando os advogados esfregaram na cara do processo alguns documentos comprovando tudo o que já haviam comprovado é que o douto ministro voltou atrás, agora de coração amolecido.

O ministro mudou o discurso para dizer que as comorbidades colocam o idoso em situação de extrema vulnerabilidade em meio à crise sanitária e lembrou que o cumprimento do mandado contra ele afrontaria a decisão anterior do próprio STF, vejam só. Num surto de justiça quase tardia o julgador disse que a Corte da qual faz parte entende que há necessidade de se proteger pessoas vulneráveis contra despejos, mesmo em situação de inadimplência, com base – soem os tambores! – no belíssimo, honorável, imprescindível, monumental e triunfal princípio da dignidade da pessoa humana. Para fechar com chave de ouro, o ministro  Ricardo advertiu que o município de Londrina (PR) possui uma das maiores rendas per capita, sendo um dos que mais arrecadam tributos e, portanto, “não sofrerá prejuízo de grande monta com a postergação da imissão da posse do imóvel até março de 2022”. Ufa! (Rcl. 50.357).