O resgate de 34 brasileiros isolados em Wuhan, na China, pelo surto inicial do novo coronavírus custou cerca de R$ 4,6 milhões aos cofres públicos. O valor foi calculado pelo Estado com base em documentos do Comando da Aeronáutica. Coordenada pelo Ministério da Defesa, a Operação Regresso à Pátria Amada Brasil ocorreu entre 5 e 9 de fevereiro, fase do envio e retorno dos aviões, e seguiu com mais 14 dias de confinamento dos resgatados na Base Aérea de Anápolis (GO).

Nenhum dos repatriados ou servidores envolvidos na missão foi infectado pela covid-19.

Dias antes, o presidente Jair Bolsonaro chegou a hesitar em dar aval à operação. Bolsonaro argumentou que a Força Aérea Brasileira (FAB) estava “arrebentada” e estimou em U$ 500 mil (R$ 2,5 milhões) o custo para fretar um avião até a China. Na data da decolagem, o ministro da Defesa, general Fernando Azevedo e Silva, disse que a FAB não possuía um avião adequado pronto para cumprir a missão — segundo ele, um KC-390, em testes. 

Quarentena
Somente para o isolamento realizado na ALA-2 de Anápolis, a Aeronáutica desembolsou R$ 727 mil com reformas, compra de equipamentos, mantimentos e insumos médicos para receber as famílias, além de 24 servidores civis e militares envolvidos na Operação Regresso. A maior parte do valor, R$ 479 mil, foi destinada para garantir o conforto e segurança dos repatriados, por meio da compra de medicamentos, mobiliário, televisores, material esportivo, máquinas de lavar e secar, frigobar, enxoval de cama, mesa e banho, travesseiros, entre outros.

A FAB reformou a estrutura do Hotel de Trânsito na ALA-2 usado por sargentos e oficiais, abriu saídas de emergência e acesso para ambulâncias. O lixo recebeu tratamento de resíduo hospitalar. A compra de alimentos consumiu R$ 82 mil. As diárias dos envolvidos na missão custaram mais R$ 153 mil.

Jatinhos
A Aeronáutica mantém sigilo sobre o custo mais alto da operação, a despesa com as aeronaves empregadas no resgate, cerca de R$ 3,8 milhões. Foram dois aviões presidenciais Embraer 190 (VC-2) que trouxeram 17 repatriados cada e dois jatinhos de apoio para troca de tripulação Embraer 135 Legacy 600 (VC-99B), da frota do Grupo de Transporte Especial (GTE) - usados por ministros e presidentes do Legislativo e do Judiciário.

“Custos operacionais das missões em aeronaves da Força Aérea Brasileira encontram-se classificados, no grau de sigilo 'Reservado', posto se tratar de tema de acesso restrito para os planos e operações estratégicos das Forças Armadas', respondeu a Aeronáutica, em pedido da Lei de Acesso à Informação.    

O Estado usou outro documento oficial da FAB com dados sobre a frota presidencial e do GTE para estimar a despesa com o deslocamento aéreo. Trata-se de um ofício timbrado que informa a "hora voo", custo logístico com combustível, manutenção e lubrificantes. Um VC-2 custa U$ 5.693,59 por hora de voo. Um VC-99, U$ 3.849,91. Os dados operacionais foram confirmados à reportagem pelo engenheiro aeronáutico Fernando Catalano, professor titular da Universidade de São Paulo.

Os aviões presidenciais que trouxeram 30 pessoas cada gastam, somados até R$ 2,7 milhões, no câmbio atual, para cumprir ida e volta entre Brasília, Fortaleza, Las Palmas, Varsóvia, Urumqi e Wuhan. A reportagem considerou 23h no ar.

Já os Legacys que levaram uma tripulação alternativa e ficaram no meio do caminho (Brasília, Fortaleza, Ilha do Sal, Lisboa e Varsóvia) gastam até R$ 1,1 milhão nesse trajeto. O tempo de voo estimado foi de 14h.

O cálculo é conservador, leva em conta apenas o tempo médio de voo entre as cidades na rota e despreza atrasos no ar e tempo parado em aeroportos. Os tempos de voo previstos foram arredondados para baixo. A missão teve contratempos. Prevista para durar 62 horas ao todo, acabou demorando mais. A volta por exemplo, se estendeu por cerca de 36 horas.

Missão Cusco
O Itamaraty estima que pelo menos 12 mil brasileiros já enfrentaram algum tipo de dificuldade para retornar ao País nos últimos dias, em razão do fechamento de fronteiras como medida de contenção ao avanço do novo coronavírus. Desses, mais de 5 mil já conseguiram embarcar. O restante, quase 7 mil, ainda aguarda repatriação.

A primeira opção são os voos comerciais ou fretados por operadores de turismo. Diferentemente dos repatriados de Wuhan, em sua maioria residentes na cidade chinesa que foi o epicentro do novo coronavírus, os repatriados de agora são majoritariamente turistas surpreendidos pelas restrições de circulação impostas ao longo das últimas semanas por governos estrangeiros, como forma de retardar a expansão da pandemia. Por isso, eles em geral possuem bilhetes comprados em companhias aéreas nacionais e estrangeiras, que vêm sendo acionadas pelas autoridades para tentar reativar voos suspensos e encaixar os passageiros que têm passagens pagas.

No entanto, dificuldades enfrentadas nas negociações com as empresas e países para abertura de espaço aéreo no exterior levou o governo a acionar mais uma vez as Forças Armadas, algo que já estava no radar desde a semana passada. Nesta terça-feira, dia 24, dois aviões cargueiros Hercules C-130 decolaram do Rio de Janeiro (RJ) e de Belém (PA) para buscar brasileiros em Cusco, no Peru, onde a situação dos turistas era dramática há dias. Havia 3.770 brasileiros visitando o país andino quando as fronteiras foram fechadas e os voos bloqueados.

Antes, os ministérios do Turismo e das Relações Exteriores, além da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), conseguiram articular com autoridades de alguns países e companhias aéreas comerciais a autorização para voos excepcionais com objetivo de trazer de volta os cidadãos. Já decolaram voos de cidades como Cancún, no México, Lisboa, em Portugal, Lima, no Peru e Marrakesh, no Marrocos, além de alguns retornando de cruzeiros marítimos no Caribe.