A pandemia da Covid-19 alterou a dinâmica das unidades de ensino, que atravessaram mais de ano com atividades à distância. A mudança exigiu muitos dos estudantes e, mais ainda, dos educadores. Os professores precisaram adaptar suas rotinas à nova forma de trabalho e investirem em recursos didáticos que auxiliassem a aprendizagem e mantivessem os estudantes atentos nas aulas remotas. 

Em muitas escolas, para evitar prejuízo aos alunos, professores implementaram plataformas e estratégias de ensino a distância. Era um momento de reinventar a forma de dar aula e lidar com a tecnologia e, até mesmo, o convívio familiar durante o expediente.  

Com a volta da maioria dos alunos às aulas presenciais, em outubro, a novidade é a aplicação das ações criadas durante as aulas remotas também nas aulas ao vivo, na vida real da sala de aula física. O Jornal do Tocantins buscou algumas dessas iniciativas que viraram destaque para comemorar o Dia dos Professores, lembrado nesta sexta-feira, 15. A constatação dos professores é de evolução na aprendizagem dos alunos que tiveram o estímulo de ações criativas na pandemia.

Uma dessas histórias é da professora Sebastiana Neta Carvalho Santos Carneiro, que atua na rede municipal de ensino de Palmas. Com o início das aulas remotas, Sebastiana montou dentro de sua própria casa uma sala para as aulas online. E desenvolveu o “Mercadinho das Letras”, com o uso de embalagens de produtos do cotidiano, para incentivar a prática da leitura e o ensino da matemática.

“Utilizava materiais alimentícios e de higiene em gincanas com os alunos. Pedia para eles verificarem as embalagens em casa. Busquei deixar as aulas mais divertidas. A gente sabe que alfabetizar online é bem difícil”, relata a professora, que é responsável por uma turma do segundo ano do ensino fundamental, com alunos de 8 anos.

“O resultado foi muito satisfatório. Percebi que meus alunos, inclusive, estavam indo ao supermercado e ajudando os pais nas compras”, conta. Com a volta das aulas presenciais na Capital, Sebastiana quer manter o “Mercadinho das Letras” até, pelo menos, o final do ano. “Vejo que meus alunos começaram a despertar. Até mesmo para a matemática, com o dinheiro de mentira, fazíamos compras no cantinho que montamos na sala de aula”, conta.   

Sebastiana Neta montou uma sala em casa para ajudar nas aulas remotas

Professora Sebastiana Neta montou uma sala em casa para ajudar nas aulas remotas (Foto: Kenneron Carneiro dos Santos/Divulgação)

Reforço com teoria e prática no retorno

Envolta às aulas em formato semipresencial, a professora Elen Shery Silva Duarte, da rede municipal de ensino de Araguaína, percebeu uma grande dificuldade dos alunos do primeiro ano. Ela conta que as crianças, entre 6 e 7 anos, chegaram às salas de aula e não sabiam contar ou nem as letras conheciam direito. “Durante a pandemia eu trabalhava com vídeos e enviava para os alunos e pais pelo whatsapp, sempre fantasiada para manter as crianças mais atentas”, relata.

Apesar disso, a educação percebeu que os alunos retornaram a escolas ainda ‘crus’, com dificuldades no conteúdo e até mesmo na oralidade e interação. A Elen Shery, então, optou pela tática de desenvolver atividades multidisciplinares aliando a teoria com a prática. Um dos exemplos elaborados pela professora foi a construção de casas (foto) com palitos e jujubas e massinha de modelar, trabalhando a questão matemática (formas geométricas), artes (com as cores), geografia, história e social (identificando os tipos e casa e seus moradores).

Segundo a educadora, muitos dos alunos não participavam das aulas de forma retoma, não faziam as apostilas, não assistiam aos vídeos. “Muitos não estavam sendo assistidos, os pais só buscavam as apostilas ou nem mesmo isso. Cada um tem sua história”, conta.  Para Elen Shery, os estudantes do primeiro ano já precisam de alguns tipos de habilidades, que, por causa da pandemia, não foram desenvolvidas ou mal estimuladas.

“Chegaram com a bagagem de vida, mas não a escolar. Então pensei em um trabalho de recuperação de forma rápida e prazerosa e estimulante. A teoria e a prática juntas auxiliam as crianças e adolescentes a avançar”, explica. A ideia da professora deu certo e o resultado é que os alunos estão evoluindo em conteúdo e interação social, “claro que nem todo mundo tem o mesmo avanço porque cada um tem a sua forma e tempo de aprendizado”, finaliza..

Professora Elen optou por unir a prática a teoria para auxiliar os alunos

Professora Elen optou por unir a prática a teoria para auxiliar os alunos (Foto: Marcos Sandes/Ascom Araguaína)

União de conteúdo e diversão na reeducação

Devido às dificuldades de ensinar matemática durante a pandemia, o professor José Haito de Moura Filho, que atua em uma escola da rede estadual em Sítio Novo do Tocantins, adaptou um projeto já existente para o período de aulas remotas. O professor desenvolveu uma plataforma virtual de games com conteúdos matemáticos diversos.O próprio José Haito desenvolve os games.

Antes da pandemia, o educador elaborava o projeto de gamificação a partir da experiência no mestrado. “Eu já fazia gincanas e conheci essa metodologia, fiz um curso e comecei a desenvolver os jogos”, conta. Entretanto, inicialmente a iniciativa visava um conteúdo mais denso e complexo para estudantes que fariam provas de avaliação nacional, com o Saeb. “ Com as aulas remotas ficou difícil trabalhar os simulados, sem aulas e correção presencial, então, criei atividades de aritmética básica – que vai de soma, multiplicação e divisão a simplificação de frações”, explica.

Essa adaptação no projeto deixou mais fácil para os estudantes aprenderem essas operações fundamentais. "A dificuldade que percebo é que muitos alunos não chegam ao ensino fundamental sem o letramento matemático”, relata. Com a metodologia, durante as aulas remotas o professor ressalta que não tinha precisão do resultado da iniciativa. Quando as aulas semipresenciais voltaram, ele percebeu a melhora. “Não conseguimos atingir todos os alunos, alguns não tinham os meios como celular e internet, mas muitos conseguem simplificar uma fração rapidinha e antes não tinham noção, até a tabuada estudaram" comemora. Um empolgado professor explica um próximo passo, que é premiar a energia dos alunos. "Voltaram entusiasmados com a vontade de participar e o incentivo, ainda, da gincana de games, que terá premiação no fim do ano”, finaliza.

Alunos do professor José Haito apresentaram avanços com os games

De porta em porta

Outra iniciativa que visava manter os estudantes na escola e, ainda, dar aquela ajudinha para as famílias mais carentes e necessitadas é da orientadora educacional da rede de Palmas, Brigida Alves Batista Barbosa.  Antes da pandemia, já existia o contato por telefone e, às vezes, presencial, entretanto com o modelo remoto a atuação de Brígida aumentaria, com a professora indo de casa em casa. 

“Essas ações foram intensificadas devido ao modelo de ensino, como os pais não estavam acostumados, víamos que havia uma ausência muito grande”, comenta. Pela falta de recursos, a orientadora utilizava o próprio veículo para ir até a casa dos alunos, inclusive na zona rural. “Dependendo da situação realizamos ações pontuais. Tem famílias que precisam de necessidades básicas com a alimentação, outras, às vezes, não tem nem calçados”, relata.

Gestão de emoções na pandemia

Envolvendo toda a comunidade escolar, a professora e diretora Elizabete Gama da Silveria pensou em uma iniciativa para ajudar os estudantes de uma unidade da rede estadual de Gurupi, a lidar melhor com os desafios e diferenças provocadas pela pandemia, ainda em março do ano passado. Apesar de sair da escola para a direção regional, o legado de Elizabete seguiu em construção na unidade escolar e trouxe bons resultados, conforme lembra o professor Matheus Barbosa de Oliveira. 

“O 'Gestão de Emoções' é bem abrangente. É um projeto desenvolvido desde o início da pandemia e trabalha a questão socioemocional. De como lidar com as diferenças, com as advertências que foram surgindo ao longo desse período. O autocuidado, o relacionamento com a família e amigos, a fé, a esperança”, explica o educador. A iniciativa ocorria por meio de encontros online, abertos a toda a comunidade escolar e também a não escolar. 

Segundo Oliveira, a iniciativa buscou ajudar os alunos a lidar com as diferenças de pandemia, ter paciência e saber esperar. “A ideia era trazer um momento de reflexão para que não desanimassem, não desistissem dos seus sonhos e de estudarem. Foi também uma estratégia da escola para manter um vínculo com os alunos”. O professor diz que na volta das aulas presenciais, os alunos, em um primeiro encontro do "Gestão de Emoções", pediram para um momento diário com uma mensagem de caminho, fé e reflexão.