Servidora pública, 36 anos, solteira, independente, doutora em Antropologia Social pela Universidade de São Paulo (USP) e negra. O ano é 2021, mas a jornada de Ligia Rodrigues de Almeida até aqui tem sido repleta de dificuldades e de questionamentos levantados pelo simples fato dela ser mulher, ou, por ser uma mulher negra, em um país que privilegia pessoas brancas. 

Primeira pessoa da família a entrar numa universidade pública, em uma época que não havia políticas de ações afirmativas, Ligia Almeida viu o cenário familiar refletido no dia a dia da vida acadêmica. “Na minha sala, eu era a única mulher negra e convivia com mais um colega negro. Depois, no mestrado, eu também era a única mulher negra da sala. E no doutorado havia apenas dois outros colegas negros, em um ambiente com 30 pessoas”.

A antropóloga reforça a dificuldade de concluir mestrado ou doutorado, em um contexto de ausência de políticas afirmativas, por não haver representatividade nas salas. “Eu tive um único professor negro. Pra mim, também era difícil conviver com os questionamentos a respeito da minha capacidade. Então, eu tinha que fazer duas vezes melhor do que os outros colegas para provar que eu dava conta de estar ali.”

Moradora de Palmas, Ligia conquistou respeito em um ambiente comandado especialmente por homens e atualmente trabalha com povos indígenas no Tocantins. 

Educação como reflexo social: de 115 mil analfabetos no Tocantins, 98 mil são pretas ou pardas 

Um verso da cantora norte-americana Beyoncé na música “Brown skin girl” afirma que todas as garotas de pele escura são lindas e não podem ser trocadas por ninguém. A artista revela na canção uma verdadeira carta de amor e encoraja crianças e jovens negras a amarem suas cores e seus tons de pele. Não à toa, a canção se tornou um hino importante em uma sociedade que define padrões do que deve ser visto como bonito ou não, a partir de uma classificação racial. 

Neste sábado, 20, em que é celebrado o Dia Nacional da Consciência Negra, no Brasil, o Jornal do Tocantins ouviu pessoas negras que conseguiram ultrapassar o ensino superior, porém, enfrentaram preconceitos e dificuldades, algumas dessas adversidades, apenas por não terem a pele clara. 

Além do preconceito por causa da cor, dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam o patamar social e educacional discrepante para os negros, em um país onde 54% da população se declara preta. 

O Instituto aponta uma taxa de analfabetismo das pessoas de 15 anos ou mais de idade é 7,2% da cor branca e 10,3% preto ou pardo no Tocantins. O Estado também tem 115 mil pessoas de 15 anos ou mais analfabetas, 17 mil brancas e 98 mil pretas ou pardas. 

A mesma pesquisa mostra que no Estado há em torno de 64 mil pessoas com 14 anos ou mais de idade, brancas com ensino fundamental incompleto ou equivalente, enquanto a população preta ou parda é de 323 mil. Quanto ao ensino médio completo, 64 mil brancos e 258 mil pretos ou pardos possuem esse nível de instrução. Já 15 mil pessoas da cor branca e 36 mil pretos ou pardos estão com o ensino superior incompleto. Por outro lado, 52 mil brancos e 96 mil pretos ou pardos, concluíram a graduação.

Ensino superior para pobres e negros “é difícil, excludente e desigual”

A pirâmide da sociedade brasileira se constitui de homens brancos no topo, seguido por mulheres brancas, homens negros e, na base, mulheres negras. E mesmo com tantas discussões a respeito do assunto é difícil perceber os impactos sociais das poucas políticas públicas voltadas às pessoas negras, como analisa o historiador e mestrando Rafael Silva Cunha, 31 anos.

Cunha traz o relato mais comum a quem é negro: uma infância difícil. Na época, sua família dependia de um bar para sobreviver, o que ainda o possibilitou estudar alguns anos em escolas particulares, mas com má qualidade, porque era o que seus pais podiam pagar. 

“O ensino fraco e deficiente prejudicou um pouco no momento do vestibular porque eu não tinha uma base boa de ensino. Tentei o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) por dois anos e não consegui entrar. Então, após três anos tentando entrar numa faculdade, consegui cursar História, na Universidade Estadual do Maranhão”, conta.

O historiador relembra o percurso árduo até o ensino superior por questões financeiras. Precisava arcar com passagem, cópias de material de estudo e participação em eventos, e a escassez se refletia em sua aparência. "Minhas roupas eram velhas”.

Rafael Cunha depois tentou cursar Jornalismo na universidade pública, mas não passou no vestibular. A nova graduação saiu, mas por uma universidade particular com recursos do Fundo de Financiamento do Ensino Superior (FIES). “A dívida com o FIES continua e não tenho perspectiva de pagar neste momento, porque não tenho emprego e nem oportunidades”.

Para o mestrado, o historiador tentou por três vezes até conseguir passar, neste ano, na Universidade Federal do Tocantins (UFT). “Em resumo, o ensino, especialmente o superior, para as pessoas pobres, negras e outras minorias é difícil, excludente e desigual.”

Consciência negra é dia de rememorar Zumbi dos Palmares

Conforme o portal Brasil Escola, A data foi escolhida por coincidir com o dia atribuído à morte de Zumbi dos Palmares, em 1695, um dos maiores líderes negros do Brasil que lutou pela libertação do povo contra o sistema escravista. O portal Zumbi foi morto em 1695, na referida data, por bandeirantes liderados por Domingos Jorge Velho. Atualmente existe uma série de estudos que procuram reconstituir a biografia desse importante personagem da resistência à escravidão no Brasil.