A chegada do novo coronavírus no Tocantins representou um desafio ainda maior para uma população de mais de 12,5 mil indígenas distribuídos em mais de 200 aldeias no Estado e instiga os povos indígenas e autoridades, após a infecção de 492 indígenas aldeados. 
 
O povo Krahô, a segunda etnia mais numerosa sob a jurisdição do Distrito Sanitário Especial Indígena do Tocantins (DSEI-TO), com 4 confirmações, é a segunda menor em infectados, graças às estratégias adotadas para isolamento das aldeias, avalia o técnico de enfermagem Magayve Xôxôô Krahô, da Aldeia Manoel Alves. 
 
Os 492 casos oficiais de Covid-19 em indígenas estão na região de Formoso do Araguaia (351 Javaés confirmados), Tocantínia (130 Xerentes), Santa Fé (5 Karajá),  Itacajá (4 Krahôs) e Tocantinópolis (2 Apinajés), segundo boletim do DSEI-TO de quarta-feira, 5.
 
 
O número pode não parecer elevado, mas se estivesse reunido em uma só aldeia, teria dizimado as 400 pessoas que vivem na aldeia Manoel Alves, onde mora o técnico Magayve. Ele é considerado um exemplo entre as comunidades, por estar na linha de frente do enfrentamento à doença entre a etnia, e ajudar não apenas a sua aldeia, que tem cerca 400 habitantes, mas todas as demais. 
 
Um dos papeis do agente é estudar sobre essa doença e levar as informações para 25 aldeias que concentram quase 3.7 mil habitantes que vivem em uma área de 302 mil hectares, entre Itacajá e Goiatins. “Essa pandemia chega muito rápido e depois dos 4 casos, a gente fica assustado e preocupado”, afirma, Magayve, em entrevista concedida por videoconferência junto com o antropólogo e professor Vitor de Aratanha Maia Araujo. 
 
Magayve afirma que seu povo enfrenta dificuldades para conseguir recursos e materiais necessários para barrar o avanço da Covid-19, agora que fase mais crítica da doença alcança o Tocantins.
 
As dificuldades são muitas, aliadas à situação atual da pandemia que afeta os próprios órgãos da União encarregados de atuar com os povos indígenas, como a Funai, Ministério Público Federal, Secretaria da Saúde Indígena (Sesai) ligadas ao Polo Base de Saúde Indígena de Itacajá. 
 
O polo possui apenas 2 médicos e 1 enfermeiro. A equipe visita as aldeias uma vez por mês, como rodízio em cada aldeia.  A condição das estradas entre as cidades e aldeias dificulta também o acesso ao polo que é responsável pelos suprimentos para saúde indígena.
 
Barreiras de controle: desejo antigo
 
Para enfrentar a doença, uma das medidas foi montar barreiras físicas que funcionam como controle sanitário e de acesso. “No primeiro mês da barreira sanitária, funcionou muito bem,
ninguém entrava, ninguém ia pra cidade, evitou a doença, e de gente que nem vai fazer para compra, vai só para tomar bebida alcóolica, mas depois de junho, houve muita pressão contra, a barreira diminuiu, o povo cansou” diz Magayve. 
 
Agora, segundo o agente, falta recurso para não só reativar a barreira, mas mantê-la após o fim da pandemia, porque é controle sobre quem entra e quem sai da aldeia para a cidade. “É um sonho antigo de lideranças”, avalia o indígena. ” 
Os gastos incluem alimentação para os guerreiros Krahô que fiscalizam dia e noite a entrada e saída da barreira, com anotação de dados de quem entra e deixa as aldeias, inclusive serve para mapear os indígenas que vão à cidade o que favorecerá mapear casos suspeitos. 
 
O antropólogo Vitor Aratanha Araújo concorda. “Controlar a entrada e a saída sem dúvida é um grande legado, a gente quer que a barreira, com uma guarita continuem. Evitou o contágio e impediu a retirada de madeira e diminuíram as invasões. ”
 
Compra coletiva organizada por aplicativo
 
Outra medida adotada foi a criação de grupos de whatsapp nas aldeias, que permitiu encomendar produtos da cidade que são entregues pelos comerciantes, desde o maior supermercado, principal fornecedor das aldeias, aos mercados menores.
 
Em uma das aldeias, que possui internet, cada família nomeou um “procurador”, pessoa encarregada de passar a lista de compras e conferir e receber a entrega na barreira sanitária e repassar para as famílias. “Toda segunda-feira a lista dos pedidos é enviada no whats, depois os comerciantes deixam as compras na guarita e cada procurador faz a entrega”. 
 
Em outra aldeia, com internet fixada na escola, são quatro grupos e contam com apoio da associação dos professores. Há grupo para o maior supermercado, outro para comércio menores, um terceiro para conversas e demandas pessoais e um grupo de trabalho da associação indígena que controla o serviço da barreira, entre outros. Toda informação é compartilhada no grupo. Antes das compras entrarem na aldeia, guerreiros fazem um trabalho de desinfecção dos pacotes nas barreiras.

Campanha Salve Krahô mobiliza doações para o enfrentamento

A montagem das barreiras foi possível por uma fonte de apoio, a campanha “Salve Krahô’ baseada na internet e redes sociais como facebook e instagram, explica o antropólogo Vitor de Aratanha Araújo. A ação surgiu no início da pandemia e conta com incentivo dos “ibantu”, expressão usada para quem é batizado com um nome krahô por sua ligação com o povo. 
 
A atriz e diretora Letícia Sabatella, que filmou “Hotxuá” e a cineasta Renee Nader, que codirigiu o premiado “Chuva é Cantoria na aldeia dos Mortos”, longa gravado com o povo Krahô estão entre os aliados da campanha.
 
 “A Salve Krahô conseguiu reunir alguns doadores, pessoas, pesquisadores, e conseguiu fazer algum tipo de mobilização para um enfrentamento e o plano, com as barreiras da terra indígena, organização para alimentação, limpeza e desinfecção antes de entrar, foi razoavelmente bem executado, mas é um grupo que tá preocupado para tentar conter o avanço da doença”, afirma a cineasta Renee Nader.
 
O professor Vitor Aratanha Araújo afirma que a campanha ainda precisa de doações para captar recursos para custear a barreira, compra de alimentação, combustível e material de construção. Também busca custear a produção de material mais específico sobre a doença na língua dos Krahôs. 
 
No início da pandemia, explica Araújo, houve a produção de vídeo, mas é preciso mais informação em língua nativa e para ampliar o isolamento.  Ele também diz que é preciso articular a questão da transparência de dados, para que seja divulgado melhor donde estão os casos suspeitos.
 
Faz parte da Salve Krahô a venda do e-book bilingue “Hartãt jarẽn xà - A história do Hartãt”. O livro conta a história desse “herói mitológico que guia o povo Krahô até a machadinha Kàjre, enquanto os ensina a ouvir os sons da mata e dos bichos”.
 
Para obter a obra, basta contribuir com pelo menos R$ 10,00 depositado na conta bancária da Associação Hotxwa e enviar o comprovante para o e-mail krahosalve@gmail.com  para receber o livro digital. 
 
Toda a articulação pode ser acompanhada no Instagram e Facebook da campanha.
 
Outras doações podem ser feitas na mesma conta da associação. 
Associação Hôtxwa Cia HIKEN
CNPJ: 16.849.941/0001 -34
BANCO BRADESCO
* Agência: 1725-6
*Conta Corrente: 0086375-0
código IBAN: BR71 6074 6948 0172 5000 0863 750C