O Conselho Nacional de Saúde (CNS) elaborou uma carta aberta em que afirma que o Orçamento destinado ao financiamento do SUS (Sistema Único de Saúde) para o ano de 2021 é incompatível com os seus custos mínimos, principalmente no contexto da crise da Covid-19.

O documento tem como destinatários o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

A carta ainda afirma que o Congresso chancelou um financiamento para a saúde semelhante ao piso de 2017, ano em que o país não enfrentava os desafios do coronavírus.

"É pesaroso verificar que os chefes dos poderes da República, Legislativo e Executivo, optaram por apostar no ajuste fiscal, no teto de gastos, ao invés de a vida dos filhos dessa Nação, deixando intocável mais da metade do orçamento da União para o pagamento dos juros e encargos da dívida pública, indo na contramão do que vem sendo praticado pelos países que melhor estão lidando com a pandemia", diz o documento.

"Tudo isso está sendo feito em nome do ajuste fiscal, demonstrando que entre a vida do cidadão e a austeridade fiscal, prevaleceria o corte geral de gastos públicos 'custe o que custar'", segue o CNS.

O projeto de Orçamento para 2021, aprovado pelo Congresso em 25 de março, prevê o direcionamento de R$ 135 bilhões para o Ministério da Saúde.

Enquanto alguns parlamentares afirmaram que o Orçamento elevou os recursos para saúde em relação à proposta do Executivo, considerando as emendas parlamentares nessas áreas, outros afirmaram que houve cortes nos gastos da saúde em relação a 2020. Os próprios líderes do governo prometeram ajustar o Orçamento ao longo do ano para recompor essas perdas.

"Como admitir que a emergência sanitária acabou? Que falseamento é esse em nome do teto de gastos, que custará vidas?", questiona o conselho.

Leia, abaixo, a íntegra da carta aberta do Conselho Nacional de Saúde:

Brasília, 31 de março de 2021.

Senhores Jair Messias Bolsonaro, presidente do Brasil; Rodrigo Pacheco, presidente do Senado Federal; Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados; e ministro da Saúde, Marcelo Queiroga,

O Conselho Nacional de Saúde (CNS) vem, respeitosamente, recorrer a esta carta aberta para dizer que o orçamento destinado ao financiamento das ações e serviços de saúde para o ano de 2021, aprovado em março, é incompatível com os seus custos mínimos, ainda mais ao se considerar o crescimento exponencial da pandemia da Covid-19.

O orçamento da saúde foi aprovado com valores equivalentes ao do piso federal do SUS do ano de 2017 (atualizados pela inflação do período). Isto significa a retirada de cerca de R$ 60 bilhões em comparação ao valor do orçamento de 2020, acrescido dos créditos extraordinários para suprir necessidades da Covid-19. Trata-se usar a mesma lógica que permitiu encerrar o estado de calamidade pública em 31 de dezembro de 2020, ou seja, de que não há mais necessidade de recursos para Covid-19 em 2021.

A proposta orçamentária elaborada pelo Governo Federal em agosto de 2020, em plena pandemia da Covid-19, na época com mais de 115 mil mortes, desconsiderou, de modo irreal e irresponsável, as necessidades de aquisição de vacinas, kits diagnósticos e insumos; de sustentabilidade e manutenção dos serviços prestados pelo SUS, como leitos clínicos e de UTI, equipamentos médicos, atendimento de sequelas da Covid-19, demanda reprimida de procedimentos ambulatoriais e hospitalares. Ignorou, pois, todas as ações de garantia da vida das pessoas –direito constitucional fundamental, inalienável, que não pode ser violado– em nome do teto de gastos da EC 95.

Mais grave ainda foi o Congresso Nacional, representante da sociedade, ter votado o orçamento, em 25 de março deste ano, assentindo com o gravíssimo erro do Governo Federal, mantendo de modo fictício e irresponsável o financiamento federal do SUS no nível semelhante ao piso de 2017, ano em que o país não amargava o luto pela morte de mais de 320 mil cidadãos e tinha uma população menor que a atual. Tudo isso está sendo feito em nome do ajuste fiscal, demonstrando que entre a vida do cidadão e a austeridade fiscal, prevaleceria o corte geral de gastos públicos “custe o que custar” .

É pesaroso verificar que os chefes dos Poderes da República, Legislativo e Executivo, optaram por apostar no ajuste fiscal, no teto de gastos, ao invés de a vida dos filhos dessa Nação, deixando intocável mais da metade do orçamento da União para o pagamento dos juros e encargos da dívida pública, indo na contramão do que vem sendo praticado pelos países que melhor estão lidando com a pandemia e obtendo melhores respostas ao reconhecerem que a austeridade fiscal mata.

Por outro lado, em momento de gravíssimo risco à saúde das pessoas, optou-se por considerar que a emergência sanitária nacional teria acabado em 31 de dezembro de 2020, quando no país crescia o número de pessoas infectadas e de óbitos. No estágio atual da pandemia, a taxa de ocupação de leitos acima de 95% em quase todo o país, gerando um colapso no sistema assistencial à saúde da população, demonstrando que a emergência sanitária ainda persiste e que a pandemia irá se arrastar no ano em exercício e seus reflexos serão sentidos ainda nos próximos anos.

Importante alertar que não se poderá admitir, por absolutamente inconstitucional, a emissão de créditos extraordinários para financiar as ações de enfrentamento a Covi-19, por não mais se tratar de uma das situações imprevisíveis, conforme disposto na Constituição Federal. Se isso ocorrer, certamente se cometerá o que se denomina de “pedalada fiscal”.

A pergunta que este Conselho faz as Vossas Excelências é quem responderá pelas doenças e mortes evitáveis em decorrência da emergência sanitária internacional, ainda mantida pela Organização Mundial de Saúde (OMS), com mais de 3 mil pessoas (em média) morrendo diariamente no país, somando mais de 320 mil mortes, dor e luto?

Como admitir que a emergência sanitária acabou? Que falseamento é esse em nome do teto de gastos, que custará vidas? Se acabou formalmente a emergência sanitária como admitir a emissão de novos créditos extraordinários? Como garantir os recursos que o SUS precisará para não ver à mingua a sua sustentabilidade numa situação de extrema gravidade sanitária?
Quem responderá por tudo isso?

Respeitosamente,

Conselho Nacional de Saúde.