Em nova medida provisória publicada na madrugada desta quinta-feira, 14, no Diário Oficial da União, o presidente Jair Bolsonaro isenta agentes públicos de serem responsabilizados “nas esferas civil ou administrativa” por erros no combate ao novo coronavírus. As medidas de “enfrentamento da emergência de saúde pública” e do “combate aos efeitos econômicos e sociais” provocados pela covid-19 só serão atribuídos aos agentes se eles “agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro”, ou seja, quando há intenção clara de dano.

“O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público”, diz a MP 966. O texto é assinado por Bolsonaro, pelo ministro da Economia Paulo Guedes e por Wagner de Campos Rosário, responsável pelo comando da Controladoria Geral da União (CGU).

A medida é uma espécie de "vacina" para que agentes públicos - o que inclui o próprio presidente e ministros - não possam ser futuramente responsabilizados por irregularidades tanto em contratações quanto em medidas econômicas que eventualmente descumpram leis. Na justificativa do que será considerado "erro grosseiro", a MP diz que será preciso analisar "o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia dacovid-19 e das suas consequências, inclusive as econômicas".

No caso do auxílio emergencial de R$ 600 destinado a trabalhadores informais, por exemplo, houve dúvidas por parte da equipe econômica do governo se o benefício poderia ser pago sem a indicação de fontes da receita no Orçamento, um pré-requisito formal na hora de prever um gasto.  O temor era, justamente, que o repasse do dinheiro pudesse resultar em crime de responsabilidade futuramente. 

Eventuais danos causados por uma opinião técnica de agentes públicos só serão atribuídos a eles se houver “elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro”, ou conluio (combinação entre dois ou mais agentes com o objetivo de prejudicar uma terceira parte). O texto define como “grosseiro” o erro “manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia”.

Ainda assim, o texto prevê que antes da responsabilização de qualquer agente público sejam analisados “os obstáculos e as dificuldades reais”, a “complexidade da matéria e das atribuições” e a “circunstância de incompletude de informações”, entre outros fatores. A MP já está em vigor desde a quarta-feira, 13, com prazo de 60 dias, podendo ser renovado por outros dois meses.

Questionado sobre a MP pela manhã em frente ao Palácio do Alvorada, Bolsonaro não deu explicações: "Vou ver isso quando chegar lá agora", respondeu. Contestado com a informação que a medida já estava publicada, Bolsonaro respondeu: "Não, mais alguma pergunta, pessoal?"

Confira abaixo a MP 966 na íntegra:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 62 da Constituição, adota a seguinte Medida Provisória, com força de lei:

Art. 1º Os agentes públicos somente poderão ser responsabilizados nas esferas civil e administrativa se agirem ou se omitirem com dolo ou erro grosseiro pela prática de atos relacionados, direta ou indiretamente, com as medidas de:

I - enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente da pandemia dacovid-19; e

II - combate aos efeitos econômicos e sociais decorrentes da pandemia dacovid-19.

§ 1º A responsabilização pela opinião técnica não se estenderá de forma automática ao decisor que a houver adotado como fundamento de decidir e somente se configurará:

I - se estiverem presentes elementos suficientes para o decisor aferir o dolo ou o erro grosseiro da opinião técnica; ou

II - se houver conluio entre os agentes.

§ 2º O mero nexo de causalidade entre a conduta e o resultado danoso não implica responsabilização do agente público.

Art. 2º Para fins do disposto nesta Medida Provisória, considera-se erro grosseiro o erro manifesto, evidente e inescusável praticado com culpa grave, caracterizado por ação ou omissão com elevado grau de negligência, imprudência ou imperícia.

Art. 3º Na aferição da ocorrência do erro grosseiro serão considerados:

I - os obstáculos e as dificuldades reais do agente público;

II - a complexidade da matéria e das atribuições exercidas pelo agente público;

III - a circunstância de incompletude de informações na situação de urgência ou emergência;

IV - as circunstâncias práticas que houverem imposto, limitado ou condicionado a ação ou a omissão do agente público; e

V - o contexto de incerteza acerca das medidas mais adequadas para enfrentamento da pandemia dacovid-19e das suas consequências, inclusive as econômicas.

Art. 4º Esta Medida Provisória entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 13 de maio de 2020; 199º da Independência e 132º da República.