Manifestantes realizaram um protesto no domingo (7) no qual quebraram pedras colocadas sob o novo viaduto da entrada de Santos, no litoral paulista. Eles se inspiraram no padre Júlio Lancellotti, de São Paulo, que quebrou a marretadas pedras que haviam sido instaladas em um viaduto com o objetivo de evitar a presença de moradores de rua.

Cerca de dez pedras foram retiradas pelo grupo. Por causa da ação, cinco dos dez manifestantes no local foram conduzidos pela Polícia Militar e pela Guarda Municipal à delegacia, onde foi registrado um boletim de ocorrência de natureza não criminal. Uma perícia foi realizada no local.

O elevado Paulo Gomes Barbosa, nome do prefeito da cidade entre 1980 e 1984, foi entregue em 14 de agosto de 2020 e teve a colocação das pedras concluída em outubro.

A prefeitura, agora sob gestão de Rogério Santos (PSDB), afirma que a instalação das pedras não teve motivação ligada à população de rua. Argumenta que os obstáculos foram colocados para evitar a permanência e o trânsito de pedestres, sejam eles pessoas em situação de rua, transeuntes e motoristas, e que se trata de um trecho de intenso fluxo de veículos, com risco de acidentes. Ainda diz que antes da instalação do viaduto o trecho era ocupado somente por via de trânsito, sem pedestres.

A ação de Lancellotti ocorreu sob o viaduto Dom Luciano Mendes de Almeida, no Tatuapé, na zona leste de São Paulo. Depois que a gestão Bruno Covas (PSDB) retirou os paralelepípedos, o padre participou de uma manifestação no dia 6 e colocou flores no lugar das pedras.

Procurado para comentar o caso de Santos, o padre afirmou à reportagem que a prefeitura "faria muito bem se ao invés de pedras encontrasse um caminho de maior humanização da vida dessas pessoas [em situação de rua]".

Lancellotti sugeriu que haja um debate aberto que envolva a população. "O que é importante é diminuir a arquitetura hostil." O padre ainda disse que ficou preocupado com a situação dos manifestantes, temendo que pudessem ser indiciados. "A perícia vai ver o quê? Qual foi o patrimônio público que foi depredado? Foi depredada uma sala de aula? Uma sala de vacinação?", questionou.

Héric Moura, 31, um dos organizadores do movimento, disse que a ação foi organizada no boca a boca e não teve ampla divulgação prévia para não correr o risco de ser reprimida.

No ato, além da quebra de pedras, uma faixa foi pintada com a mensagem "Higienismo não!" e um vídeo foi gravado. Nele, Moura diz: "Foi feita uma instalação de pedras para expulsar as pessoas em situação de rua que não têm para onde ir e onde se abrigar nos dias de chuva, nos dias de frio. Isso é uma política absurda, ainda mais em um momento onde estamos tendo uma agudização da pobreza, uma pandemia".

Coordenadora na Baixada Santista do MNLDPR (Movimento Nacional de Luta em Defesa da População em Situação de Rua), Laureci Elias Dias, 50, também presente no ato, afirma que mesmo sendo um viaduto recente, sem histórico de moradores de rua sob a estrutura, a estrutura poderia ser um refúgio tanto para moradores de rua locais como os que vêm de fora.

"Tem muitos andarilhos que chegam a vir de São Paulo a pé para a nossa cidade. Pelo menos seria um descanso ali até ele chegar ao centro da cidade ou no destino que ele queira chegar", afirma Laureci.

Sobre a justificativa da prefeitura de que as pedras foram instaladas "para evitar a permanência e trânsito de pedestres", Laureci afirma que há uma "higienização". "O pedestre vai fazer o quê embaixo do viaduto? Eu não creio que o turista vai parar ali."

Após o ato na manhã de domingo, Héric, Laureci e mais três manifestantes foram abordados por PMs e guardas quando deixavam o local de carro, já na avenida Nossa Senhora de Fátima, segundo eles.

A prefeitura afirmou também que as pedras foram colocadas para evitar infrações de trânsito, como parada proibida e estacionamento irregular e outras ocorrências que podem oferecer risco, como eventuais incêndios. Disse ainda que a medida visa a segurança da população e da estrutura do elevado, que eliminou semáforos antes existentes na entrada de Santos. "O município mantém serviços de abordagem social e acolhimento para as demandas da população de rua."

Também afirmou que, segundo a Guarda Municipal, em nenhum momento houve agressão verbal ou física aos envolvidos.

Em nota, a SSP (Secretaria da Segurança Pública) diz que os laudos periciais foram solicitados e serão anexados ao inquérito que tramita pelo 5° DP, assim que finalizados. "Diligências estão em andamento para o esclarecimento de autoria dos fatos."

Sobre as críticas dos manifestantes à abordagem da PM e relatos de ausência de uso de máscaras, a SSP diz que "não houve formalização de denúncias sobre a abordagem dos policiais".