“Nesses dias de quarentena, nosso sentimento mais forte, além dos sintomas físicos constantes, é o abandono e o preconceito, inclusive de quem amamos e de quem disse que estaria sempre com a gente”. Essas são palavras de duas mulheres da mesma família que tiveram testes positivos para Covid-19 (novo coronavírus) em Palmas e estão em isoladas em casa desde meados de março, com dores na cabeça, nos olhos, no corpo, cansaço físico, desinteria e outros problemas que parecem maiores com a constante sensação de abandono, preconceito e discriminação por terem sido diagnosticadas com a doença, questões ainda pouco abordadas em meio a tantos números, estatísticas e estimativas.

As duas mulheres, que preferiram não ter a identidade revelada, têm menos de 40 anos e sem nenhuma comorbidade. O primeiro sintoma que uma delas sentiu foi há quase um mês, em 15 de março, quando uma dor de cabeça ficou frequente, seguida da desinteria no dia seguinte e outros sintomas. Com a evolução rápida, ela e outra mulher da mesma família que mora na mesma casa, foram à Unidade de Pronto Atendimento (UPA), onde passaram por avaliação médica, notificação de isolamento e coleta de material para realização do teste.

O que parecia somente físico logo se somou ao emocional quando o teste deu positivo para as duas. “Enquanto éramos suspeitas, as pessoas do nosso convívio profissional e pessoal que direcionam a nós uma declaração de afeto, todas se dispuseram [a ajudar] se precisássemos de algo, como fazer compras no mercado ou remédios na farmácia, mas depois do teste a maioria voltou atrás, umas sutilmente e outras sumiram mesmo”, conta.

“Nós passamos a nos sentir abandonadas, inclusive pelas pessoas que tinham um afeto. Quando pedimos ajuda a algumas, para ir ao supermercado pra nós, elas se declinaram, diziam que tal mercado fazia delivery, mas é difícil ficar dependendo de delivery quando se está com a renda comprometida por não estar trabalhando, tudo fica mais caro. Tudo isso nos feriu muito emocionalmente porque nós nunca colocaríamos ninguém em risco, estamos cumprindo todos os protocolos”, destacou a paciente.

Discriminação

Conforme a assessora médica da Secretaria Municipal de Saúde (Semus), Katarina Fonseca Ferreira, os relatos de preconceito e discriminação ocorrem também nos pacientes confirmados que já tiveram alta e nos últimos dias profissionais da Vigilância Epidemiológica do município receberam muitas queixas neste sentido. “Apesar de termos uma amostragem pequena, o relato da maioria dos casos é que em algum momento foram vítimas de preconceito e discriminação. Segundo estes pacientes, isso tem sido evidenciado nos serviços de saúde, nos locais de trabalho, nas vizinhanças dos locais onde residem, nos grupos de whatsapp dos quais fazem parte. E este preconceito se estende, em alguns casos, aos seus familiares”, explica.

No caso dos pacientes que já tiveram alta, a médica destaca que eles não transmitem mais a doença e podem retornar às suas atividades habituais. Além disso, quando se pensa também naqueles que ainda estão em isolamento e não tiveram alta, Katarina ressalta que é preciso ter solidariedade e se colocar no lugar do paciente que precisa de apoio.

Emocional fragilizado

Com mais de 20 dias isoladas em casa e ainda com sintomas físicos, as pacientes contam que estão se recuperando a passos lentos e a fragilidade emocional pode ser um fator importante. “Nós estamos melhorando aos poucos, mas a sensação de abandono permanece e achamos que o emocional faz com que nossa recuperação seja muito lenta, pois ficamos feridas com essa falta de afeto e apoio. Lutamos contra isso conversando com nossa família que está longe, também uma prima aqui que não deixou de auxiliar, e pouquíssimos amigos que tem sido gentis, mas é muito raro”, ressalta a mulher.

“Outro ponto é que nós temos sido monitoradas todos os dias pelo Município, a médica está sempre entrando em contato e orientando e vejo que mesmo com limitações, a Prefeitura tem feito algo, o que não tenho visto ser feito pelo Estado. Até agora não vi fazerem nada, penso que eu tive sorte em estar isolada com uma familiar, mas e as pessoas que não têm ninguém, como podem se cuidar? Deveria ter um hospital de campanha, o que é obrigação do governo estadual que deveria estar mais atuante porque isso também gera uma sensação de abandono dos pacientes”, completa.

“As pessoas não precisam abandonar se um amigo ou familiar foi diagnosticado com a doença, seguindo o protocolo ninguém vai ser contaminado. É um vírus forte, mas seguindo os protocolos todos ficamos protegidos. Ninguém corre risco colocando a sacola de compras na porta, por exemplo. Atos simples e seguros ajudam muito”, lembra a paciente.

A psicóloga Isabela de oliveira Feitosa afirma que o período de pandemia suscita muitos sentimentos e emoções. “O medo, a ansiedade e a desesperança são muito comuns. As pessoas que ainda estão em tratamento pelo covid-19, podem experimentar preconceito e estigma, intensificando ainda mais os impactos psicológicos oriundos do diagnóstico. O apoio social é de extrema importância para o bem estar geral da pessoa e para tornar este momento mais suave”, afirma a especialista.

O fortalecimento dos vínculos familiares e sociais, com os devidos cuidados, é recomendado também pela Organização Mundial da Saúde. “Fortalecer demonstrando afetividade por meio de métodos digitais, como as redes sociais. Além disso, dialogar sobre como se está sentindo é um método simples e seguro de cuidar das emoções”, frisa a psicóloga.

Afeto com segurança

A médica Katarina cita evidências científicas e nas recomendações do Ministério da Saúde são adotadas pela Semus para saber se o paciente diagnosticado com Covid-19 já pode retornar ao convívio social, ou seja, ter alta. Também é avaliada a realidade locorregional, para definir os critérios clínicos para alta dos casos confirmados. “A pessoa que recebe alta e está apta para retornar ao convívio social e às suas atividades habituais é aquela que permanece em isolamento por 14 dias após o desaparecimento dos sintomas. Uma das limitações para utilizarmos critérios laboratoriais é que os mesmos são caros, tem estoque limitado e resultados negativos não definiriam cura da doença”, frisa.

Tendo a alta, Katarina faz recomendações para evitar a discriminação, o distanciamento afetivo e ao mesmo tempo se proteger. “A recomendação principal e mais eficiente é a lavagem das mãos com água e sabão por 20 segundos para garantir que os vírus e bactérias sejam eliminados. Também evitar locais com aglomerações e manter distância mínima entre as pessoas de um metro. Evitar tocar a boca, o nariz ou olhos sem antes ter antes lavado as mãos ou ter as higienizado com álcool”, explica a médica.

Katarina também destaca a importância de desinfetar as superfícies da casa, os móveis e o celular. “O vírus é transmitido não só por via aérea, mas também pelo contato. É por isso que é de suma importância desinfectar as superfícies da casa, móveis e o telefone celular, por exemplo. Não menos importante é uso de máscaras que podem ser de pano e devem ter pelo menos duas camadas de pano, ser de uso individual, serem feitas de algodão, tricoline ou TNT, ser bem higienizadas e serem confeccionadas na medida correta”, completa.