Nos primeiros sete meses deste ano, a Justiça do Tocantins concedeu 2.284 medidas protetivas de urgência em casos de violência contra a mulher, mas, no mesmo período, o número de descumprimentos é de 302. Os dados são das comarcas do Tribunal de Justiça (TJ) e da Secretaria da Segurança Pública (SSP) cedidos a pedido do JTo.

Na comarca de Araguaína, as medidas concedidas aumentaram 550%, de 18 para 117 neste ano. Na comarca de Paranã, de quatro concedidas em 2021 o número passou para 25, um aumento de 525%. Outra comarca, Dianópolis, teve alta 138,7% ao passar de 31 para 74. Na Capital o aumento é de 23,3% ao subir de 895 para 1.104.

“Fazia eu me sentir a mulher mais horrível do mundo”, disse a estudante e analista jurídica Regiane da Conceição, 26 anos, ao relatar o sofrimento diante das agressões físicas e psicológicas do ex-companheiro, no qual mantinha um relacionamento há dois anos. 

Regiane é uma das 2,2 mil mulheres que solicitaram proteção judicial. “Fui ameaçada de morte caso eu entrasse com o boletim, mas entrei, pois tudo me afetava, percebi as agressões e resolvi "acabar" com tanta coisa ruim que ele fez comigo. O medo dele ser preso pelos crimes que se encaixou, foi maior ainda”.

Crime semelhante ocorreu com uma empresária de 29 anos, que prefere não se identificar. Ela relata ter vivido momentos de pânico para pôr fim ao relacionamento. “Houve muitas brigas, discussões e manipulações emocionais para que eu não terminasse, que sentisse que estava errada. Me fez acreditar que todo o sofrimento meu e dele foi por culpa minha, e como eu o “amava”, internalizei a culpa”.

A empresária conta que em uma das brigas houve agressão física por parte do ex-companheiro. O homem bateu o carro no portão de sua casa e tentou forçá-la a entrar no veículo. 

“Escapei, ele correu atrás de mim e me agrediu. Mesmo com pedidos da família dele para não ir à delegacia e apesar do medo de morrer que estava, eu fui”. A empresária também relata que na época do fato não obteve apoio emocional. "Precisava de suporte e orientação psicológica, porque a condição que eu estava era muito pior; deixei de ir trabalhar inúmeras vezes pelo abalo emocional”.

Em fevereiro deste ano, o Ministério Público (MP) instituiu o Núcleo de Atendimento às Vítimas de Crimes e Atos Infracionais Violentos (Navit) com o objetivo de proteger, amparar, acolher e oferecer assistência jurídica e psicológica às vítimas de crimes e atos infracionais violentos.

A promotora de Justiça e coordenadora do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça da Cidadania, do Consumidor, dos Direitos Humanos e da Mulher (Caoccid) Isabelle Figueiredo, afirma que “na maioria das vezes, o principal aspecto é o psicológico, que é destruído pelo autor e que a necessidade de retomada da sua dignidade, de empoderamento e na capacidade de buscar a autonomia da sua própria vida, o órgão apoiará por meio do núcleo”.

Conforme publicado no Anuário do Ministério Público Brasil 2021-2022, com base nos inquéritos policiais remetidos pela polícia ao MP-TO, a violência contra a mulher ocupa o segundo lugar no quadro de maiores demandas em matéria criminal, com 18% dos casos.

Quanto à atuação do MP em casos de violência doméstica, o anuário menciona cerca de 1.100 ações ajuizadas entre 2019 e 2020 em todo o estado. O órgão também promoveu 9.162 manifestações em inquéritos policiais e 9.116 manifestações em medidas protetivas”.

Cresce o número de medidas concedidas e de descumprimentos 

A concessão de medidas protetivas não garante a integridade de todas as beneficiadas. É que cresceu também o número de descumprimentos dessas ordens judiciais em 43,8% de janeiro a julho deste ano. No mesmo período do ano passado, a estatística registra 210 descumprimentos ante os 302 deste ano.

No mês de maio houve maior incidência, com 56 descumprimentos registrados no mês. Araguaína e Palmas lideram a ocorrência e grande parte dos descumprimentos ocorrem aos finais de semana. Os números são da estatística da SSP.

A promotora Isabelle Figueiredo também analisa que esses aumentos podem estar ligados a dois fatores. “O primeiro é que essas mulheres estão noticiando mais, então chega mais informação. Nós temos também a descrença na efetividade da lei de punição, é preciso que os homens criem consciência de que esse descumprimento agora é um crime autônomo, com previsão legal e com previsão inclusive do ensejamento da prisão preventiva”.

Para a promotora, “a efetiva punição desses agentes é que vai levar também a uma redução no descumprimento dessas medidas'' e reforça que é preciso “coragem de romper o silêncio”. Saiba em quais canais denunciar clicando aqui.

Dados anuais trazem aumento de 5,2%

Em todo o ano de 2020 houve o registro de 384 boletins por descumprimento da medida protetiva de urgência. No ano seguinte, em 2021, o número subiu para 404, um aumento anual de 5,2%.

É possível analisar que os números por descumprimentos tendem a aumentar em 2022, pois, nos primeiros sete meses deste ano, a estatística beira o total de descumprimentos nos últimos dois anos, com 302 boletins apenas em sete meses.

A delegada-titular da 3ª Delegacia Especializada em Atendimento à Mulher (DEAM) de Araguaína Ana Maria Varjal afirma que a Polícia Civil (PC) atua de forma preventiva, repressiva e investigativa no combate a violência doméstica e familiar contra a mulher. 

“Neste ano, apenas na 3ª Deam de Araguaína, foram registrados 427 boletins de ocorrência, solicitadas 368 medidas protetivas de urgência, instaurados 369 inquéritos policiais e finalizadas 331 investigações policiais com encaminhamento ao MP e judiciário”.

Para a delegada, ainda que a mulher tenha acesso aos seus direitos inerentes à lei Maria da Penha, e reconheça quando está em uma situação de violência doméstica, o homem continua a praticar atos de violência contra a mulher. “Geralmente por repetição de padrões antes vivenciados em suas vidas dentro de uma sociedade estruturalmente patriarcal e introduzidos ao longo de sua existência”.

Varjal afirma ainda uma das formas de conseguir romper os padrões de comportamento e evitar a reincidência com a finalização do ciclo de violência contra a mulher, seria a participação dos agressores em grupos reflexivos, com previsão legal no artigo 22, Inciso VI e VII da lei 11.340/06.

A delegada explica que esses grupos tratariam de forma multidisciplinar a conscientização da gravidade e consequências dos atos de violência, com a discussão da lei Maria da Penha.