A União gastou, em quase duas décadas, pelo menos R$ 7 bilhões com salários acima do recebido por um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) – ou seja, do teto constitucional para a remuneração de servidores públicos.

Os pesquisadores José Teles, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada  (Ipea), e Wellington Nunes, da Universidade Federal do Paraná (UFPR) calcularam os valores extras pagos de 2000 a 2018 nos três Poderes.

O levantamento considerou os dados da Relação Anual de Informações Sociais  (Rais) de 2018 e os valores foram corrigidos pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de dezembro de 2019.

Os resultados são apresentados no artigo “A Elite Salarial do Funcionalismo Público Federal: Sugestões para uma Reforma Administrativa mais Eficiente”, publicado no Cadernos Gestão Pública e Cidadania, edição de maio a agosto deste ano, da FGV (Fundação Getúlio Vargas).

A estimativa total dos gastos não consta no artigo, mas foi obtida junto aos pesquisadores pela Folha de S. Paulo.

O estudo não contemplou servidores estaduais, municípios e Forças Armadas. Por isso, o impacto dos supersalários pode ser ainda maior.

Teles e Nunes consideraram no levantamento vínculos cuja média de remuneração por mês foi, no ano analisado, maior que a média mensal do subsídio mais alto recebido por um ministro do STF em 2018: R$ 40.500, já deflacionado. Para obter a média, o valor anual foi dividido por 13, por conta da gratificação natalina.

Segundo o levantamento, o ano com maior custo médio acima do salário de um magistrado da Corte foi 2006: R$ 828,5 milhões excedentes, em 9.225 vínculos. A partir de 2010, o valor foi diminuindo até atingir, em 2018, R$ 234,8 milhões –pagos em 1.248 vínculos. Essa redução, no entanto, não significa que os supersalários estão menores, mas que hoje existem menos vínculos.

Os pesquisadores localizaram pagamento de supersalários no Judiciário, MP (Ministério Público), Congresso, TCU (Tribunal de Contas da União) e Itamaraty.

“Em outros termos, a elite salarial do funcionalismo público federal é composta, fundamentalmente, por procuradores, desembargadores, juízes, ministros de tribunais, parlamentares e diplomatas. Essas categorias, no entanto, não estão incluídas no projeto de reforma administrativa enviado ao Congresso Nacional”, lê-se no artigo.

“Sob a narrativa de combater privilégios, a PEC [proposta de emenda à Constituição] 32/2020 propõe ajustes profundos para a grande maioria das carreiras do serviço público nacional, mas exclui aquelas nas quais os privilégios se concentram”, continuam.

“Consequentemente, essa proposta de reforma administrativa, se aprovada da forma como está, não apenas vai manter os privilégios da elite salarial do funcionalismo analisada neste trabalho, como corre o risco de comprometer a oferta de bens públicos à população –ao atingir professores de ensino básico e médio, enfermeiros, médicos e demais profissionais da rede pública de saúde (SUS), assistentes sociais, bombeiros, policiais civis e militares, guardas municipais etc.”

Resposta

Procurados pela Folha, Justiça do Trabalho, Justiça Federal, PGR (Procuradoria-Geral da República), Senado e Câmara negaram que haja pagamentos acima do teto.

“O que pode explicar a compreensão de que haveria extrapolação do teto seria a situação pontual que pode ocorrer do magistrado receber em determinado período valores a título de férias antecipadas ou atrasadas, com o adicional de um terço correspondente”, disse, em nota, o CSJT (Conselho Superior da Justiça do Trabalho).

A Câmara afirmou que “cumpre integralmente as determinações legais relativas ao teto salarial dos seus servidores”. O Senado disse que não “efetua pagamentos em dissonância aos preceitos legais”.

A PGR declarou que “todos os pagamentos feitos pelo Ministério Público Federal a título remuneratório a membros e servidores seguem critérios e previsões legais ou atendem a decisões judiciais” e que “eventuais pagamentos que extrapolem o teto são decorrentes da natureza dessas verbas”.

O TCU disse que o assunto é tratado em processo de relatoria do ministro Jorge Oliveira. O TSE (Tribunal Superior Eleitoral) disse não ter dados consolidados dos TREs (Tribunais Regionais Eleitorais).

O Ministério da Economia declarou não ter tido acesso ao estudo. Afirmou que, de forma geral, o salário dos servidores públicos federais civis do Executivo está condicionado ao teto constitucional.