Ex-titular da delegacia que investigou suspeita de corrupção em obras da reforma em 8 prédios públicos do governo do Estado, em 2019, até ser removido para a 5ª Delegacia de Polícia de Palmas, o delegado da Polícia Civil Guilherme Rocha Martins virou alvo de um novo processo da Corregedoria Geral da Polícia Civil para puni-lo com a perda de salário por até 30 dias. A sanção está prevista nos artigos usados pela Corregedoria Geral da Justiça para embasar uma sindicância decisória, de nº 11/2020, aberta na sexta-feira, 5. Esta nova sindicância é um desdobramento de outra, aberta em janeiro (nº 02/2020), contra o delegado por conta da entrevista concedida por ele no final do ano passado ao programa Fantástico, da TV Globo, sobre a Via Avaritia, uma das operações da Polícia Civil que ele comandava contra atos de corrupção no Estado. O inquérito dessa operação aponta fraudes em obras de oito prédios públicos, inclusive a Residência Oficial do Governador, conhecida como Casa Branca, reformados em um contrato de R$ R$ 29.259.562,44 da Secretaria da Infraestrutura, Cidades e Habitação com a empresa Prime Construções. Este contrato está suspenso pelo Tribunal de Contas (TCE) que constatou superfaturamento, por serviços extra planilhas que não foram executados, e superfaturamento de serviços com sobrepreço, que causaram danos de R$ 1.372.709,29 aos cofres públicos.A nova sindicância enquadra a entrevista como transgressão disciplinar prevista no artigo 98, inciso IV, alínea “c”, do Estatuto dos Servidores da Policia Civil. Este artigo trata das transgressões puníveis com suspensão entre 21 e 30 dias, com perda de salário, quem “conceder entrevista a qualquer órgão de comunicação quando houver superior hierárquico autorizado a fazer, ou em desacordo com o regulamento próprio”.Ao G1/Tocantins, o delegado demonstrou preocupação com o processo e possível sanção. “"É preocupante quando o combate à corrupção, ao invés de ser condecorado, passa a ser punido. Os Delegados são servidores públicos, temos a obrigação de tratar a publicidade como regra e o sigilo como exceção. Sigilo somente quando o interesse público e a eficiência investigativa exigir". O delegado também reclamou da conversão da sindicância investigativa, preliminar, instaurada pra esclarecer os fatos, em decisória, que é definitiva e pode resultar em punição, sem o contraditório. “A conversão ocorreu sem me ouvir em declarações, sequer enviaram e-mail ou outro meio de comunicação remota para que eu esclarecesse os fatos; o que certamente poderia ter evitado esse constrangimento de passar por uma sindicância decisória onde a punição, pela suposta transgressão disciplinar imputada, é de suspensão de 21 a 30 dias com o consequente corte do salário.”A acusaçãoA suposta transgressão do delegado é apontada pela Diretora de Comunicação da Secretaria da Segurança Pública, Shirley Cruz, que pediu a abertura de apuração sobre a conduta do delegado. Provocada pela corregedoria, para saber se havia autorização para o delegado falar na matéria "No Tocantins corruptos mantinham caderno com orações em busca de perdão divino", a jornalista assina um ofício afirmando que Rocha Martins não pediu autorização.A polêmica está instalada porque essa previsão de autorização prévia da Diretoria da Comunicação para entrevista não está prevista em nenhum lugar. O próprio corregedor-geral, Ronan Almeida Souza, assinala no pedido de informações endereçado à Shirley, o artigo 15 do regimento interno da SSP. O trecho assinala caber à Diretoria o "agendamento, junto à imprensa, de entrevista com dirigentes de unidades operacionais e de gestão institucional". Ou seja, ela tem a função de assessorar, não de autorizar previamente as entrevistas.Mesmo o Manual de Procedimento de Polícia Judiciária, imposto pelo chamado “Decreto da Mordaça” em 2019 não prevê autorização para entrevista, a partir do artigo 205, que trata das condutas nas divulgações de informações sobre investigações policiais. O inciso I deste artigo prevê o dever de informar à Dicom “toda e qualquer operação” que possa gera repercussão, mas não entrevistas. Outro inciso, VIII, prevê exclusividade do setor para difusão de releases (informações divulgadas para a imprensa) e o inciso V prevê que o setor irá “convocar entrevistas coletivas” e também veda que um delegado “convoque coletiva” sem anuência do delegado-geral. Comunicado à diretoria de PolíciaDois ofícios que o JTo teve acesso mostram que o delegado avisou a chefia imediata sobre a entrevista, pelo menos cinco dias antes da reportagem ir ao ar. Um deles é do Sindicato dos Delegados (Sindepol), no dia 12, assinado pelo então presidente Mozart Félix, avisando ao delegado ter sido procurado para falar sobre a operação e a entidade indicou Rocha Martins por ter atuado na operação, para entrevista no dia 17 de dezembro.Do mesmo dia 17, é o ofício enviado pelo delegado para a diretora de Polícia da Capital, Lucélia Maria Marques Bento. Nele, Rocha Martins comunica à chefia imediata a concessão da entrevista. A diretora, por sua vez, escreve, de punho, estar ciente, manda arquivar e anota ter comunicado à Diretoria de Comunicação, no dia 20 de dezembro.A versão da SSPO Jto enviou questionamento para a SSP se houve deliberação final ou se houve audiência para oitiva ou pedido de esclarecimentos do delegado na sindicância 002/2020 ou da 011, aberta na sexta-feira. Também pediu para a SSP responder porque a diretora de Comunicação Shirley Helena Cruz escreveu para a corregedoria dizendo não ter autorização entrevista se essa não é uma competência da DICOM, conforme regimento interno da SSP. Também pediu para o órgão comentar o possível crime de falsidade ideológica por parte da titular da Dicom ao afirmar não ter recebido a comunicação da diretora de polícia sobre a entrevista, diante do expediente da delegada Lucélia para a Dicom.A Diretoria de Comunicação enviou nota informando desconhecer o expediente que teria sido enviado para a Comunicação na “antevéspera da exibição da matéria”.A nota também traz trecho no qual a Corregedoria-Geral defende que a nova sindicância está se em fase inicial e vai iniciar a instrução, com a produção de informações e prova. Também afirma que a outra sindicância investigativa, que virou decisória, é preliminar não é imprescindível. “Assim, oitivas, pedidos de esclarecimento e todas as demais diligências são posteriores a instauração da sindicância decisória”, quando irá observar “os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório”.Quanto à participação da diretora de Comunicação, a Corregedoria-Geral afirma, na nota, que oficiou a Dicom compete “centralizar a divulgação de matérias jornalísticas da Secretaria da Segurança Pública e promover o agendamento, junto à imprensa, de entrevistas com dirigentes de unidades operacionais e de gestão institucional. ”Segundo a nota, a Diretoria “limitou-se a informar que não houve registro de solicitação de entrevista pela Rede Globo/Fantástico endereçada ao email institucional da Comunicação ou por mensagem de aplicativo ou contato telefônico e que o Delegado em questão não contatou a Diretoria de Comunicação para intermediar a entrevista ora em foco”.-Imagem (1.2066137)-Imagem (1.2066138)