Constam na lista suja do trabalho escravo do governo federal quatro imóveis do Tocantins, localizados nos municípios de Dois Irmãos do Tocantins, Sandolândia, Porto Nacional e Jaú do Tocantins. Foram resgatados nessas quatro fazendas 30 pessoas em situação análoga à escravidão. Um número bem diferente do divulgado pela ONG Repórter Brasil em março deste ano, que informou 21 propriedades, deixando o Tocantins em 4º lugar no ranking nacional do trabalho escravo.

A lista suja com imóveis no Tocantins, mais os dados dos outros estados, foi divulgada pelo Fantástico, programa da Rede Globo/TV Anhanguera, no último domingo. Já a lista de março foi obtida pela Repórter Brasil via a Lei de Acesso à Informação do Ministério do Trabalho e Emprego, com uma relação de 171 trabalhadores resgatados.

Membro da Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo e coordenador nacional da Campanha Nacional de Prevenção e Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Frei Xavier Plassat, avaliou que os números divulgados agora estão muito longe da realidade do Tocantins. Ele ponderou que as ações de combate ao trabalho escravo, com mais intensidade no período de 2003 a 2009, tiveram seu efeito no Estado e o número de trabalhadores escravos caiu. Porém, a lista suja com quatro imóveis para ele é irreal e um reflexo dos novos entendimentos do governo federal.

“No ano passado, o governo federal redefiniu as regras da divulgação dos imóveis na lista suja e muitos ficam de foram em razão dos recursos que apresentam, desvirtuando a ferramenta de combate ao trabalho escravo”, considerou Plassat.

Sobre a Portaria nº 1.129 do Ministério do Trabalho, divulgada no último dia 13, Plassat disse que a medida é ilegal e fere a legislação reduzindo o entendimento de trabalho escravo ao de cárcere privado. “Agora tanto faz se você come comida podre, bebe água suja, não tem local para dormir, se não tiver uma pessoa com uma arma impedindo você de ir embora não é trabalho escravo”, disse Plassat, que classificou a medida como escandalosa e contrária a Constituição da República e as convenções internacionais das quais o Brasil é signatário. Plassat também alertou que o governo federal vem reduzindo o orçamento para o grupo móvel e com isso as fiscalizações tem ocorrido cada vez menos. “Em âmbito nacional existe um déficit de 1.200 fiscais no Ministério do Trabalho”, frisou o frei.

 

Quatro perguntas para Pedro Alexandre Aires Gonçalves, coordenador da Defensoria Pública Agrária no Tocantins

1 - Qual é a avaliação do senhor sobre a portaria do Ministério Trabalho que trata da questão do trabalho escravo no Brasil?
A Defensoria Pública no Tocantins vê com grande preocupação essa mudança feita pelo governo federal, pois vemos no nosso Estado ainda muitos flagrantes de trabalho escravo. Em algumas atividades, como carvoarias e desmates. E a medida do governo federal enfraquece as regras do combate e fiscalização a esse problema, que ainda é comum no Tocantins. Isso causa grande preocupação.

2 - A definição do que é trabalho escravo é polêmica. Para o senhor o que é trabalho escravo?
Na verdade temos que entender o conceito de escravagismo contemporâneo. Não podemos tratar o tema do trabalho escravo pensando no escravagismo do século XVI ou XVII, que é o escravo era um bem do senhor, uma propriedade. Atualmente o trabalho escravo é visto tanto por essa forma de cerceamento de liberdade, mas também com a submissão do trabalhador a condições extremamente degradantes. Ainda vislumbramos no Tocantins trabalhadores que não têm acesso à água, à alimentação adequada, submetidos a alojamentos precários. Esse trabalhador tem uma posição de vulnerabilidade muito grande. Geralmente está distante de grandes centros urbanos e de órgãos de fiscalização e acaba sendo submetido a esse escravagismo moderno, tratados como verdadeiros bichos. E que não necessariamente vão ter sua liberdade tirada, mas sujeitos a condições indignas da condição humana, condições análogas à escravidão.

3 - Também existem os casos em que o trabalhador sempre está em dívida com seu empregado e fica preso ao trabalho?
Isso ainda é muito comum. O gato arregimenta pessoas para empreitadas e contratações, é cobrado do trabalhador o transporte até o local do trabalho, a alimentação, o abrigo e ao final do trabalho, em razão de um jogo contábil digamos assim, o trabalhador que se deslocou e trabalhou durante um período está devendo o seu empregador.

4 - O que essa medida significa na prática no avanço da reforma agrária?
Antes é preciso deixar claro que a portaria fere as leis brasileiras e está em desacordo com a Constituição Federal, como também, as convenções internacionais que tratam do trabalho escravo. Em razão da reforma agrária, em 2014 tivemos um avanço de que as propriedades flagradas com trabalho escravo deveriam ser desapropriadas e destinadas, quando rural, para a reforma agrária. Uma propriedade pode até cumprir com sua função social, mas não pode descumprir a legislação trabalhista. Com essa flexibilidade do entendimento, teremos uma mudança nessa disputa.