Na tentativa de blindar a sua gestão, o presidente Jair Bolsonaro deu uma guinada em seu estilo de governar ao priorizar uma relação harmônica com o Legislativo e o Judiciário em oposição às críticas de sua base eleitoral.O jantar no último final de semana na casa do ministro Dias Toffoli, do STF (Supremo Tribunal Federal), evidenciou o esforço do presidente de mudar sua relação com autoridades que são estratégicas para o êxito de seu mandato e que, no passado, sofreram críticas do chefe do Executivo.Para assessores palacianos, o encontro demonstra que o presidente adotou um novo método de fazer política, baseado no diálogo em contraposição ao embate. Ele contou com as presenças do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), e do indicado para a vaga do decano Celso de Mello no STF, Kassio Nunes Marques.O movimento, no entanto, preteriu o presidente do STF, Luiz Fux, e deixou evidente que, quando coloca na balança, Bolsonaro opta por privilegiar o núcleo garantista do Supremo, que costuma impor derrotas à Operação Lava Jato e que trata de investigações que têm a família do presidente como alvo.A prova da aproximação é o fato de Bolsonaro ter escolhido ao Supremo um nome indicado por seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), e por ter definido a escolha em jantar na casa do ministro Gilmar Mendes, do STF, com as presenças de Toffoli e Alcolumbre, que chancelaram o nome de Kassio.Gilmar relata o caso que questiona o foro especial concedido a Flávio na investigação sobre a existência de um esquema de "rachadinha", em que os funcionários repassariam parte do salário, quando ele era deputado estadual pelo Rio de Janeiro.Já Kassio Nunes poderá herdar o acervo de processos de Celso de Mello, que inclui apuração contra Bolsonaro por suposta interferência na Polícia Federal, baseado em acusações do ex-ministro Sergio Moro (Justiça).Preterido, e para dar o direito ao decano de participar de julgamento fundamental do qual ele é relator, Fux marcou para a próxima quinta-feira (8) o julgamento do recurso em que o presidente requer a revogação da decisão que o obrigou a depor presencialmente à Polícia Federal.O decano do tribunal irá se aposentar no dia 13 de outubro e esta será a última semana com a presença dele nas sessões no plenário da corte. Nesta segunda-feira (5), ele prorrogou por 30 dias o inquérito que apura se o presidente violou a autonomia da Polícia Federal.Reservadamente, a maioria dos ministros se diz favorável a conceder ao presidente a prerrogativa de ser ouvido pelos investigadores por escrito. Mas, segundo auxiliares palacianos, o movimento do presidente tem como objetivo evitar surpresas de última hora.Em outra frente, Bolsonaro zela pela relação que tem com Alcolumbre, desde o início do governo tratado como um aliado no Congresso. Além de ditar a pauta e ajudar a articular a aprovação de reformas essenciais ao Planalto, o senador também evita derrotas a Bolsonaro.O presidente do Senado, por exemplo, tem adiado o quanto pode a votação de vetos caros ao presidente e à equipe econômica, como o que barrou a desoneração da folha de pagamento de 17 setores. Hoje, o clima no Congresso é pela derrubada do veto. Enquanto o governo não chega a um acordo com os parlamentares, Alcolumbre adia a votação.Em troca, o senador tem o apoio do presidente na sua estratégia de buscar a reeleição ao comando do Senado —hoje é proibida a recondução na mesma legislatura.Alcolumbre inclusive foi beneficiado por um parecer da AGU (Advocacia Geral da União), enviado ao Supremo em ação que questiona a tentativa de reeleição do parlamentar, que pode beneficiá-lo.A Advocacia entende que a recondução é uma questão interna corporis do Legislativo, que cabe ao Senado e à Câmara decidir se libera ou não o presidente do Congresso a buscar mais um biênio no comando.Já os ministros do Supremo falam em prezar pela harmonia entre os Poderes e veem, do ponto de vista prático, a redução de críticas do próprio presidente que gerava um bombardeio de ataques da base do mandatário aos integrantes do STF.As críticas dos apoiadores de Bolsonaro e de procuradores —evidenciadas já no ano passado, e explícitas quando aliados do presidente fizeram manifestações contra o Supremo e o Congresso— levaram a corte a abrir o chamado inquérito das fake news.Neste ano, a pedido de Augusto Aras, procurador-geral da República, com quem o presidente também busca se manter próximo, foi aberta outra investigação, desta vez para apurar atos antidemocráticos, que mira aliados de primeira hora de Bolsonaro.O pragmatismo de Bolsonaro inclui inclusive um café que o presidente tomou nesta segunda (5) com o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de quem costuma ser crítico.O presidente decidiu pôr acima de seus conflitos pessoais a necessidade de aprovar medidas que podem capitaneá-lo nas eleições de 2022. É o caso da criação do Renda Cidadã, programa que substituirá o Bolsa Família no momento em que o auxílio emergencial de R$ 300 deixará de ser pago.Os encontros e decisões da última semana do presidente foram todos questionados por apoiadores. Cobrado nas redes sociais sobre o encontro na casa de Toffoli, Bolsonaro foi sucinto: “Preciso governar. Converso com todos em Brasília. Um abraço”.Nesta segunda, em frente ao Palácio da Alvorada, apoiadores questionaram o presidente sobre se era difícil “governar com o STF”."Não entro no detalhe, não entro no detalhe. É um Poder que respeito", respondeu o presidente. "Com quem eu tomei café agora, alguém sabe? Rodrigo Maia. E daí? Estou errado? Quem é que faz a pauta na Câmara?", continuou o presidente.A escolha por Kassio também tem sido bombardeada. Um dos mais fervorosos críticos é o pastor Silas Malafaia, da Igreja Assembleia de Deus em Cristo, que dispara desde a semana passada uma série de vídeos e mensagens críticas à escolha de Kassio Nunes.No domingo (4), Bolsonaro foi às redes sociais defender Kassio e argumentou que o voto favorável à permanência do terrorista italiano Cesare Battisti não teria existido.“O desembargador Kassio participou de julgamento que tratou exclusivamente de matéria processual e não emitiu nenhuma opinião ou voto sobre a extradição”, disse.