Em cinco meses como integrante do STF (Supremo Tribunal Federal), o ministro Kassio Nunes Marques acumula polêmicas e passa por cima da jurisprudência da corte para dar decisões que agradam a aliados do presidente Jair Bolsonaro.Na última semana, ele contrariou o próprio voto para declarar a Anajure (Associação Nacional de Juristas Evangélicos) apta a acionar o Supremo e para permitir a realização de missas e cultos na pandemia. Em fevereiro, por 11 a 0, o Supremo havia decidido que a entidade não tinha legitimidade para apresentar ações.Em dezembro, Kassio ignorou decisões dos ministros Celso de Mello (a quem ele substituiu) e Rosa Weber e liberou a pesca de arrasto no litoral do Rio Grande do Sul.A ordem judicial foi dada em uma ação do PL articulada pelo senador Jorginho Mello (PL-SC), aliado de Bolsonaro, e foi comemorada nas redes sociais pelo congressista e pelo presidente.Kassio também foi na contramão do tribunal ao restringir o alcance da Lei da Ficha Limpa, no fim de dezembro.A atuação do mais novo ministro do STF tem sido alvo de críticas internas e estremecido sua relação com os colegas. A reportagem questionou-o se as decisões que deu desde que chegou à corte o desgastaram, mas não obteve resposta até a publicação deste texto.Ministros avaliam como natural o indicado pelo governo em curso fazer gestos em direção ao Palácio do Planalto. No entanto, dizem acreditar que Kassio tem exagerado nesse sentido e, com isso, exposto publicamente o Supremo em situações consideradas desnecessárias.A nomeação de Kassio para o STF pegou de surpresa a maior parte do mundo político e jurídico. Ele estava cotado para o STJ (Superior Tribunal de Justiça).Após a indicação, Bolsonaro ainda sofreu pressão para mudar a escolha por causa de inconsistências no currículo do ministro. Ao final, porém, Kassio foi aprovado pelo Senado.Já no Supremo, na questão da liberação de celebrações religiosas em meio à pandemia da Covid, a decisão do ministro incomodou.A avaliação interna é que, mesmo o tribunal tendo uma extensa jurisprudência em favor da liberdade religiosa, o entendimento de Kassio obrigou a corte a contrariar a vontade de boa parte dos fiéis e da bancada evangélica no Congresso, que é próxima de Bolsonaro.A decisão fez com que Kassio fosse criticado pelo ministro Gilmar Mendes, um dos padrinhos de sua indicação. O ministro afirmou que apenas uma "postura negacionista" declararia inconstitucionais decretos que proíbem missas e cultos como forma de conter o avanço da Covid.O decano do tribunal, ministro Marco Aurélio Mello, seguiu a mesma linha. Ele questionou por que Kassio não remeteu o caso ao plenário: "Que pressa foi essa?".As decisões de Kassio, por outro lado, agradam a Bolsonaro e o fazem ganhar influência junto ao presidente na escolha, por exemplo, do sucessor de Marco Aurélio, que irá se aposentar em julho.A aposta é que Kassio tem se cacifado com Bolsonaro também para influenciar outras indicações, como as três cadeiras vagas no STJ e o assento que deixou aberto no TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) ao ir para o STF.As decisões e votos que satisfizeram Bolsonaro foram dados logo que chegou ao STF.No julgamento no início de dezembro sobre a possibilidade de reeleição dos presidentes da Câmara e do Senado, por exemplo, ele se posicionou conforme os interesses do Planalto.Kassio defendeu que Davi Alcolumbre (DEM-AP), aliado do governo, poderia ser reconduzido ao comando do Senado, mas que Rodrigo Maia (DEM-RJ), adversário do Executivo, não poderia continuar à frente da Câmara.Na discussão sobre a possibilidade de imposição de vacina obrigatória contra a Covid, Kassio também deu o voto que mais agradou ao Planalto.Na ocasião, o STF decidiu que o Estado não pode imunizar as pessoas à força, mas tem poder para aprovar legislação que estabeleça restrições, como impedimento de frequentar determinados lugares, a quem não se vacinar.A maioria votou para que estados e municípios tenham autonomia para aprovar leis nesse sentido. Kassio, por sua vez, foi o único a defender que a medida só poderia ser adotada se houvesse prévia oitiva do Ministério da Saúde.Ainda em 2020, o ministro também ajudou, de maneira indireta, a defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), denunciado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro por lavagem de dinheiro e organização criminosa. Esse é o ponto fraco da família do presidente, que tenta abafar as investigações.Em dezembro, o ministro interrompeu o julgamento da ação penal contra o deputado Silas Câmara (Republicanos-AM) que serviria de baliza para a análise do caso de Flávio. O deputado é acusado de recolher parte dos salários de seus servidores, como no caso em que Flávio é investigado. A análise do tema indicaria a posição do STF sobre a prática.O voto de Kassio no julgamento sobre a parcialidade do ex-juiz Sergio Moro no processo do tríplex que levou à prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) também foi visto internamente como uma sinalização a Bolsonaro.Desde que havia chegado à corte, o magistrado só tinha dado votos contrários à Lava Jato, operação com quem o chefe do Executivo passou a antagonizar após o pedido de demissão de Moro do Ministério da Justiça.No julgamento que poderia beneficiar o petista e deixá-lo mais próximo de disputar as eleições de 2022 contra Bolsonaro, porém, Kassio mudou de posição --e acabou derrotado. A Segunda Turma declarou a suspeição de Moro, o que pode ter aberto o caminho para Bolsonaro ter um concorrente de peso na eleição presidencial do ano que vem.Bolsonaro já elogiou publicamente decisões de Kassio. Na decisão tomada pelo Supremo com um placar de 6 a 5 contrário à possibilidade de amante dividir a pensão com viúva, por exemplo, o presidente enalteceu apenas o voto do ministro que indicou."Você sabe como foi o voto do Kassio? Procura saber. Se tivesse lá o Celso de Mello [que se aposentou em outubro passado], teria sido aprovado o direito da amante", disse Bolsonaro.Na manhã da última sexta-feira (9), a reportagem questionou Kassio por que ele votou em fevereiro contra a legitimidade da Anajure para acionar o STF e, agora, decidiu no sentido contrário no caso dos decretos das igrejas.Kassio também preferiu não opinar sobre a decisão do ministro Luís Roberto Barroso de determinar ao Senado a instalação da CPI da Covid e sobre as mudanças feitas por Bolsonaro no Ministério da Defesa e no comando das Forças Armadas.Além disso, o ministro não respondeu ao questionamento relativo às afirmações de Gilmar em relação ao seu voto no julgamento que declarou a parcialidade de Moro.