Servidora efetiva como digitadora da Assembleia Legislativa desde 1990 e formada em Ciências Biológicas (UFT, 1998), com mestrado (2001) e doutorado (2005) em Farmacologia, pela USP, Michella Soares Coelho Araújo está condenada a perder o cargo na Assembleia e a devolver salários e bolsa recebidas durante seu segundo pós-doutorado, cursado em Brasília, entre 2013 e 2017.A sentença é do juiz José Maria Lima proferida na terça-feira, 23, às 11h05 em ação civil de improbidade ajuizada pelo promotor Miguel Batista em março de 2018. Além do ressarcimento integral aos cofres públicos de todo o valor recebido entre 1º de fevereiro de 2015 a 1º de fevereiro de 2017 como salários, décimo terceiro, férias, auxílios e gratificações, estimado à época pelo MP em R$ 397 mil, o juiz impõe a perda do cargo público de Auxiliar Legislativo Especializado – Digitação. “A servidora demonstrou que não possui qualquer apreço pelo cargo público que exerce. Utilizou-o, ao menos por dois anos, para receber apenas os vencimentos; fraudou a folha de ponto mês a mês a fim de atestar que estava presencialmente no local de trabalho, quando, na verdade, estava cursando Pós-Graduação em outra Unidade da Federação sem qualquer anuência da Administração. A servidora, portanto, não é digna do cargo que exerce”, escreve.A sentença alcança também o servidor José Silva Neves e o pai da servidora, o servidor aposentado da Assembleia, José de Arimateia Rocha Coelho. A dupla deve ressarcir de forma solidária os valores recebidos pela servidora e está proibida, por 8 anos, de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou de créditos, direta ou indiretamente, ainda que por meio de empresas de que sejam sócios.Também decreta a perda, em favor da União, de todo o valor recebido por Michella como bolsa auxílio, no valor mensal de R$ 4,2 mil da CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) no período de 1º de fevereiro de 2015 a 1º de fevereiro de 2017. Michella também está proibida por 10 anos de contratar com o poder público ou de receber benefícios ou incentivos fiscais ou de créditos, direta ou indiretamente, ainda que por meio de empresas de que seja sócia.Sem autorização oficial, servidora se mudou para outro estadoSegundo o juiz, a servidora não tinha autorização da administração para ter cursado o programa de Pós-Graduação da Universidade de Brasília e permaneceu morando em Brasília e recebendo o salário, à época de R$ 13 mil, regularmente. Para isso, mandava a frequência assinada e o pai entregava os envelopes no departamento chefiado por Neves. O cargo tem o salário mensal bruto de R$ 24 mil.De acordo com a sentença, a UnB (Universidade de Brasília) confirmou que Michella era pesquisadora colaboradora de 24 de setembro de 2013 a 24 de setembro de 2017 além de realizar estágio pós-doutorado de 11 de novembro de 2013 a 8 de março de 2017 em Brasília. O repositório da UnB mostra pelo menos duas teses de doutorado com o nome dela como coorientadora.Assim que o Ministério Público instauração investigação do caso, a servidora pediu licença para interesses particulares no dia 1º de fevereiro de 2017, com prazo de 36 meses. “À exaustão consigno que a requerida Michella tinha plena consciência de que estava violando os seus deveres de servidora pública; de que estava lesando o erário ao receber vencimentos sem prestar o serviço público; mas mesmo assim persistiu na conduta e permaneceu assinando a folha de ponto, atestando a sua frequência, recebendo os vencimentos do cargo, tudo isso sem prestar o serviço público por cerca de dois anos”, afirma o juiz, com base nas provas documentais e no depoimento de testemunhas, servidores do mesmo setor de lotação da servidora, que sequer a conheciam.Antes da sentença, em junho deste ano, as partes tiveram uma audiência para oitivas das testemunhas Lívia Sousa Lima, José Valdemir de Carvalho Veras, pelo Ministério Público; Núbia Martins Frazão Santos, Mary Marques de Lima, Vaina Freire da Silva e Regina Chaves dos Reis, indicadas por José Silva Neves. Da parte da diretora legislativa da Assembleia, Lucilene Montelo Maranhão Monteiro, também alvo da ação, as testemunhas eram Humberto Mascarenhas de Moraes e Isaureth Nunes Parente. O juiz absolveu a diretora, a única não condenada na ação. Para o juiz Lima, ela não tinha conhecimento do esquema em torno da servidora.O outro ladoO JTo procurou pela servidora na Assembleia Legislativa e confirmou que ela está de licença médica. O Jto acionou e enviou e-mail para o advogado da servidora e seu, mas não obteve resposta. Caso haja manifestação, a matéria será atualizada.A defesa de José Neves disse ver "com estranheza" receber a notícia "através de órgão da imprensa, sobre decisão em processo judicial onde nem mesmo as partes foram cientificadas". Segundo o advogado Rafael Ferrarezi, o cliente só se manifestará "oportunamente e, pela via judicial."Nas alegações finais à Justiça, José Neves negou ter cometido improbidade e afirma que ele não beneficiou nem prejudicou ninguém e ressaltou que à época o controle de frequência era falho e feito à mão por todos os servidores.Michella é considerada inapta para o trabalho. Uma publicação no Diário da Assembleia, em outubro, mostra que após manifestação da Junta Médica Oficial do Estado, por despacho de nº 11365/2021, o diretor-geral da Assembleia, Manoel Diamantino de Souza Júnior, prorrogou a licença para tratamento de saúde da servidora, a partir de 28 de setembro deste ano, “até a data de publicação da aposentadoria por Invalidez da servidora”. Nos memorais finais à Justiça, após a audiência, Michella reafirmou ter "conduta proba, íntegra, honesta e justa" ao desempenhar suas funções e defene que não há "prova nenhuma" de lesão aos princípios da administração. Sua defesa também afirma que o Ministério Público sequer descreveu qualquer conduta ilegal da servidora que, por ser efetiva, se afastou para especialização, medida que é "exigência do sistema permanente de capacitação" da Assembleia.José de Arimateia, por meio da defesa, alegou que simplesmente entregava o envelope que lhe era encaminhado para a Assembléia Legislativa e que o gesto não representava "estratagema" algum para driblar o controle de pontos. Para a defesa do servidor aposentado, não há justa causa para ser processado>