Iniciativas populares engendradas nesta semana na capital do Tocantins sinalizam buscas por mudanças no perfil conservador dos ocupantes da Câmara Municipal de Palmas. São as primeiras manifestações da sociedade no sentido de tentar escapar do debate político que prioriza a eleição do executivo para deslocar a mobilização para o Legislativo, na primeira eleição após a reforma eleitoral que mudou a regra para disputa ao legislativo, não mais por coligação proporcionais.
 
Pela primeira vez na capital, surge a proposta de um mandato compartilhado e um coletivo feminista iniciou um movimento de mulheres para tentar eleger mais vereadoras para a Casa. A atual composição do Legislativo conta com apenas uma vereadora entre os 19 vereadores e nenhum homossexual.  
 
O sociólogo Marcelo Brice, professor da UFT, analista o fenômeno em texto no final da matéria.
 
Com 19 vagas e orçamento acima de R$ 38 milhões, a atual legislatura é uma das mais caras da história da capital. A maior parte do dinheiro é gasta com a folha de pagamento dos mais de 200 servidores comissionados e mais de 100 efetivos. Também está marcada por polêmicas sociais, como declarações de apologia à pedofilia, classificada como deboche pelo Ministério Público; proibição da discussão sobre diversidade sexual (ideologia de gênero), falas machistas em relação à prefeita Cinthia Ribeiro (PSDB), e até a mudança no nome de um centro infantil municipal com o nome de arco-íris, visto como apologia à homossexualidade. 
 
 
 
A proposta de mandato coletivo é a face mais concreta dessas iniciativas até aqui e recebeu o nome do “Movimento Somos”, com lançamento na quarta-feira, 29.  O nome está ligado à ideia de mudar o “sou” candidato para “somos”, para indicar pluralidade do gabinete, mas é, principalmente, uma referência histórica a um dos primeiros movimentos LGBT no Brasil, durante o período da ditadura. 
 
“Uma homenagem ao resgate histórico de nossa luta”, explica a administradora, pesquisadora e mestranda em Comunicação e Sociedade, Thamires Lima, 30 anos, que compõe o movimento ao lado dos também pré-candidatos ao Legislativo o servidor público Alexandre Peara (PSB), 37 anos, e o outro “covereador”, o estudante de arquitetura e urbanismo Augusto Brito, 26 anos. Os três são homossexuais.
 
 
Nessa modalidade, Alexandre Peara será registrado na urna e, se eleito, irá dividir a reponsabilidade do mandato com os outros dois nomes.  Integrante de uma união homo afetiva com o jornalista Eduardo Azevedo, Peara explica que a ideia do mandato compartilhado é propiciar mais inclusão e pluralidade na atuação do Legislativo.  “Diferente do mandato tradicional, o SOMOS tem como principal proposta pensar Palmas de uma forma mais inclusiva, plural e democrática, onde uma coletividade composta pelo vereador, covereadoras (es) e núcleos temáticos irão compartilhar as tomadas de decisão”, afirma. 
 
Segundo Peara, o mandato coletivo vai proporcionar mais transparência nas decisões e ampliar o poder do gabinete como, “cumprir com seu papel legislativo no levantamento de demandas, na elaboração de soluções e construção de projetos que sejam de fato relevantes para a nossa sociedade”. “Não será uma só cabeça, uma só vivência e interesses particulares direcionando a postura do gabinete, mas várias experiências e visões, representando uma maior parcela da comunidade palmense”, conclui.
 
“Eu enxergo o mandato Coletivo como uma nova de se fazer democracia. Neste formato, as decisões e a gestão do Gabinete passam a ser tomadas de forma compartilhada. Tudo isso fortalece a representatividade e a transparência, hoje tão em falta no parlamento municipal”, complementa Thamires, ao lembrar que há uma perpetuação dos mesmos nomes e famílias no poder. 
 
“Temos vereador que está lá há 24 anos. É preciso mais do que nunca diversificar o parlamento”, completa. 
 

Indique mulheres estreia em live neste sábado, às 16 horas

 
No sábado, às 16 horas, em live no YouTube, será a vez de um coletivo feminista reunir pré-candidatas à Câmara de Palmas para encabeçar um movimento que busca incluir mais mulheres nas urnas. Segundo a organização, pré-candidatas de nove partidos políticos estão confirmanda para um debate virtual no canal “Indique uma pré-candidata”.
 
Thamires é uma das participantes. “Eu defendo que nós mulheres ocupemos os espaços de poder, principalmente um tão importante como o legislativo. Veja só, temos apenas uma vereadora na Câmara, somente cinco deputadas estaduais e três no Congresso Nacional”, contabiliza. 
 
A pré-candidata lembra que o Tocantins tem mais 1 milhão de eleitores e a maioria é mulher, com vantagem numérica também na capital. “É inconcebível que a gente permaneça com uma desigualdade de representatividade tão grande”.
 
Uma das organizadoras do debate virtual, a advogada Emilleny Lázaro, destaca que a iniciativa quer construir possibilidade de as mulheres também poderem pensar a política para ampliar a quantidade de vereadoras. “Neste primeiro momento a pretensão é visibilizar a intenção das mulheres de participar da disputa, mostrando que as mulheres pensam e se importam com a política.” 
 
Outra ponta do movimento vai atuar na campanha, com engajamento para eleição de candidatas com pauta específica. “Para um segundo momento, o coletivo pretende contribuir para a eleição de candidaturas feministas, comprometidas com uma agenda de enfrentamento ao racismo, ao machismo estrutural, às desigualdades sociais e conectadas com as pautas históricas dos movimentos feministas”, conclui.
 
O canal “Indique uma pré-candidata” está na plataforma YouTube
 

Vem aí os “mandatos coletivos”! Superação ou retrocesso?

Marcelo Brice,
doutor em sociologia e professor da UFT.

No geral, tenho uma percepção alvissareira sobre a ideia! A sensação de “boas novas” se dá em função do desgaste da representação, não só da nossa cidade, do Brasil como um todo, mas também especificamente no Tocantins e em Palmas. Pois aqui sofremos com um perfil muito recorrente de representantes que se repetem indefinidamente, quando não com os mesmos, são os seus herdeiros, familiarmente, financeiramente, politicamente e, por consequência, ideologicamente. Isso garante uma pobreza de posições, de soluções, de ideias e que tendem a reprodução, pura e simplesmente. Com isso, nossa Câmara gasta muito, produz pouco e não se conecta com a vida das pessoas, não trabalha para o que é importante e perpetua disposições moralistas e deseducam a população, que devia ver na política um espaço de vivência formadora da consciência decisória, portanto educativo. 

Como a reprodução é a ordem do dia, a sociedade busca uma fresta pra agir e assim nascem as candidaturas a mandatos coletivos. É uma iniciativa que tenta “furar a bolha”, por isso muitos movimentos se sentem motivados ao pleito, por ser uma novidade que oxigena o campo político. Todo mandato devia e é por essência cooperativo, na medida em que há uma colaboração de vários entes envolvidos nele, a não ser que seja de posse de um indivíduo ou de uma família, como a nossa representação política faz parecer, infelizmente. Então, em resumo: o mandato coletivo quer disputar o espaço, a narrativa, e os postos institucionais contra formas e forças políticas muito consolidadas. 

Os problemas envolvidos na proposta? Por ser muito incipiente, ainda não é entendida e instruída de modo claro, o que causa uma confusão no eleitor e em quem debate sobre o tema. Pode servir como um esvaziamento dos partidos políticos, o que imediatamente pode parecer uma boa alternativa (porque a política brasileira está muito mal), mas talvez não seja, já que sem partidos fortes perdemos a referência aos programas partidários e a uma linha de entendimento acerca de posicionamentos políticos, e ficamos, aí sim, em “frangalhos”. Qual o regulamento interno que regerá os mandatos? Como vai ser construída a equipe de trabalho? Todos trabalharão juntos ou por temporadas? O salário vai ser dividido por quem encampou a frente coletiva? Também penso estrategicamente: uma campanha de candidatura coletiva, nesse caso, vai agregar mais ou vai dividir mais? Já que as simpatias e antipatias são muito consolidadas e numa candidatura ao legislativo, sabemos, as antipatias e o imobilismo fazem muito mais diferença...

Enfim, são questões que, particularmente, espero, sejam superadas por essas iniciativas, se fortalecendo em torno de ideias mínimas operatórias e bandeiras máximas, o que em última instância deveria significar o programa partidário; o que une o diagnóstico e devemos ressaltar é: serão sempre coletivo e construído por pessoas.