Presidente no Congresso da Comissão Mista de Controle e Inteligência, o senador Nelson Trad (PSD-MS) é responsável por coordenar a análise do relatório produzido pelo Ministério da Justiça sobre opositores políticos.

Em seu primeiro mandato como senador, ele defende que o grupo cobre explicações do governo. Na análise de Trad, o Estado democrático ficaria ameaçado caso sejam permitidas investigações políticas contra opositores.

O Ministério da Justiça encaminhou há alguns dias ao Congresso o relatório produzido pelo governo Jair Bolsonaro sobre a atuação de 579 policiais e professores identificados como antifascistas.

No dia 7, o ministro André Mendonça admitiu a existência do documento em sessão virtual fechada da comissão comandada por Trad, ocasião em que entregou o documento ao senador. “O relatório existe. O que não existe é um dossiê”, disse aos congressistas presentes.

Na semana passada, por 9 a 1, o STF (Supremo Tribunal Federal) determinou que o Ministério da Justiça suspenda a produção de relatórios contra integrantes do movimento antifascista ou contra qualquer outro opositor político que aja dentro da lei.

Para Trad, a comissão no Congressou conseguiu dar "holofote" à questão de monitoramento de opositores. "Pode ter certeza absoluta que depois de tudo isso vão pensar duas vezes para poder voltar a fazer o que, porventura, não deveria ter sido feito."

Trad também preside a Comissão de Relações Exteriores, responsável para aprovação de novos embaixadores, o que tem sido uma das principais lacunas da política externa brasileira. Desde junho do ano passado, o Brasil está sem titular na Embaixada dos Estados Unidos e, segundo o senador, deve entrar o próximo ano sem que o novo embaixador assuma:

"Isso me deixa constrangido. Já levei várias vezes a questão ao presidente Davi [Alcolumbre], mas ele sempre coloca a situação dos servidores em jogo. Não temos como fazer", diz o senador, que, por ser médico, defende que as sessões presenciais do Senado só sejam retomadas quando a pandemia causada pelo novo coronavírus estiver controlada.

Eleitor de Davi Alcolumbre (DEM-AP) para a presidência do Senado, Trad integra o grupo que defende a reeleição do presidente da Casa, mesmo que para isso seja preciso um enfrentamento jurídico. Para o senador, embora o regimento não permita dois mandatos seguidos dentro da mesma legislatura, “tudo é questão de interpretação".

Como os parlamentares receberam esse relatório feito pelo governo?
Essa é uma comissão mista que todo governo tem e terá. É uma comissão muito sensível porque ela é formada pelos titulares da Comissão de Defesa Nacional do Senado e da Câmara, líder da maioria e minoria do Senado e da Câmara e por três outros parlamentares indicados também por esses blocos. Tem um aspecto diferente das demais. Ela precisa que todos se comprometam em um grau de confidenciabilidade, para que assuntos de grau de caráter reservado e sigiloso possam ser reportados com sigilo e bom senso.

Se o governo alega que não há irregularidade no relatório produzido, por que sigilo?
As questões oriundas deste serviço de inteligência já têm pelo próprio rito da tramitação um caráter de confidencialidade. Desde que foi esclarecido, do ponto de vista regimental, não houve um parlamentar que discordasse dessa questão.

A gente conseguiu reunir duas vezes, com 90% da presença dos pares, onde todo mundo constatou que era um chamamento para podermos passar essa história a limpo. Era preciso para que não haja mais dúvida, para que o Estado democrático de Direito não venha a ser ameaçado. A gente conseguiu se reunir e dar holofote a essa questão.

De que serviu toda essa questão?
Se é que fizeram ou iriam fazer qualquer medida no sentido de acompanhar a atividade deste ou daquele que pensa diferente do governo, pode ter certeza absoluta que depois de tudo isso vão pensar duas vezes para poder voltar a fazer o que, por ventura, não deveria ter sido feito.

Houve a intenção de investigar?
Não vou entrar no aspecto da intenção, mas houve sim a averiguação de determinadas pessoas em seu ambiente. Agora, qual a intenção disso? Aí tem de ser questionado a quem mandou fazer esse tipo de atitude.

E isso será questionado pela comissão?
A comissão está funcionando sem ter um embasamento legal das comissões. Tanto que, se surge uma polêmica lá e a gente não consegue resolver em consenso, nem deliberar ela pode.

Se a comissão está informal, como o ministro foi ouvido?
A questão está circunscrita dentro de uma transparência. O ministro foi convidado a participar de uma reunião informal e ele se dispôs a ir. Se quisesse ganhar tempo, esperar voltar as comissões, ele teria embasamento para fazer isso, mas ele não quis. De uma forma ou outra cumprimos com nosso dever.

Os próximos passos ficam prejudicados?
Todos os membros que tiverem acesso ao relatório e quiserem chamar uma reunião, vamos chamar. Agora, se tiver algum desdobramento, um outro convite, e com certeza ele terá, porque esse assunto se politizou e faz parte do jogo democrático, na hora que a comissão voltar a funcionar vamos ser demandados a decidir determinadas coisas. Eu, na qualidade de presidente, sou um magistrado e tenho de agir de forma imparcial.

Qual o prejuízo para a política externa brasileira não termos ainda titular na embaixada dos Estados Unidos?
Isso tem me incomodado muito. Não só pela Embaixada dos EUA, mas também das mais de 40 movimentações que estão na comissão e precisam ser feitas. Isso me deixa constrangido. Já tentei levar esse assunto ao presidente Davi [Alcolumbre] várias vezes, mas ele coloca a questão de segurança dos servidores.

Não teria como fazer de forma virtual?
Não se desenvolveu ainda uma logística dentro da internet de lá [Senado] para se garantir o voto secreto. Não avançou nesta questão. Se fosse só a reunião com sabatina era possível, mas é preciso ir à cabine votar e isso ainda iria ao plenário. E não temos como.

Reeleição no Senado, o senhor defende?
Eu quero dizer que o Davi foi uma grata e excelente surpresa para o Congresso. Muita gente questionou sua experiência, mas ele acabou dominando toda essa questão. Ele se saiu um presidente moderado, equilibrado, e nos grandes debates fez uma travessia sensível. Soube lidar com o equilíbrio que tem de se ter com os Poderes de forma mais dinâmica. Na minha avaliação um novo mandato será muito benéfico para a sociedade.

Mesmo que seja preciso "pedalar" a legislação?
Sim. Essa é uma questão de interpretação. Parece que já teve um precedente disso. Se vier uma decisão da própria Justiça, de que isso é possível, eu penso que devemos dar um segundo mandato ao presidente Davi.

Um novo mandato de Davi Alcolumbre é o que o governo sonha?
O presidente de um Poder tem de manter uma relação de equilíbrio para navegar com tranquilidade. Já ouvi dizer que o Davi é mais para situação que oposição, e vice-versa. Eu entendo que o Davi se saiu muito bem nos debates que o Brasil precisa, como a reforma tributária e a reforma política.

O senhor considera que o governo federal está funcionando?
Eu penso que sim, em função da situação que estamos vivendo. Não se pode deixar de observar os auxílios que foram dados. Isso reflete nas pesquisas de opinião, com o crescimento da avaliação do governo. Agora, temos muita coisa ainda a fazer. Não sei se teremos tempo.

O senhor defende a manutenção do auxílio emergencial de R$ 600?
Eu defendo, até o final do ano, sim.

E de onde sairia o dinheiro?
A gente sempre questiona isso. Mas a gente sabe que o recurso aparece e o dinheiro tem. É uma questão de se organizar e planejar.

O ministro Paulo Guedes precisa ser mais flexível para não perder batalhas com o Congresso?
É preciso achar um ponto de equilíbrio para saber o que pensa o Congresso. Todo mundo entrou ali pela porta da frente e isso tem de ser respeito, avaliado, inserido. Não adianta [Guedes] achar que é o sabe tudo, que só sua ideia vai prevalecer. Há que se calçar a sandália da humanidade. Ouvir mais do que falar.

O senhor acredita que centrão possa ter força no Senado tanto quanto na Câmara?
Se jogar no meio popular já vão achar que são parlamentares que não prestam, que votam com seu interesse, o que não é bem assim. Não adianta querer passar trator em cima do Senado ou da Câmara que não vai conseguir. No Senado é o entendimento que prevalece.

NELSON TRAD, 59 ANOS
Natural de Campo Grande (MS), é médico, com especialização em cirurgia-geral, urologia, medicina do trabalho e saúde pública. Iniciou na carreira política em 1992, como vereador em Campo Grande. Foi prefeito da cidade reeleito e deputado estadual. Eleito senador em 2018​.