Aos 31 anos de idade o Tocantins tem para chamar de seu o título nada honorífico de ser o primeiro e único estado do país com o mesmo político cassado duas vezes no mesmo cargo por fraudar eleições. Também ostenta a estatística de duas eleições indiretas no Legislativo e uma suplementar direta para o Executivo decorrentes dessas cassações.

Esse conjunto faz com que o antigo norte goiano, que há mais de três décadas conquistava a independência para se tornar referência de sonhos e oportunidades para diversas pessoas, também tenha se tornado celeiro de inúmeros escândalos políticos envolvendo corrupção, lavagem de dinheiro e desvio de bens públicos.

A duas semanas do aniversário do Tocantins, o protagonista dessas cassações, o ex-governador Marcelo Miranda (MDB), seu pai, o ex-secretário da Infraestrutura, Brito Miranda, e seu irmão, o empresário Júnior Miranda foram presos pela Polícia Federal (PF), a suspeita da investigação é que eles estejam envolvidos em um esquema de corrupção com desvio mais de R$ 300 milhões de dinheiro que seria para construção de hospitais, pontes, escolas e estradas que poderia tornar o Estado uma referência de desenvolvimento.

Outros dois ex-governadores, Siqueira Campos (DEM), um dos criadores do Estado e Sandoval Cardoso (SD), também figuram em dezenas de ações de improbidade e criminal, na Justiça Estadual e Federal, acusados de fraudes em licitações milionárias, desvio de recursos públicos e outras irregularidades no período em que comandaram o Estado.

É verdade que o Estado se desenvolveu e melhorou as condições econômicas e sociais a partir das políticas públicas implantadas por esses mandatários em relação ao que era o antigo norte goiano, mas, diante de tantos episódios envolvendo o descaso do bem público e a desonestidade na Administração, como o eleitor pode acreditar que o Tocantins será a terra ideal para se viver nos próximos anos?

Para responder esta pergunta, o Jornal do Tocantins entrevistou autoridades públicas e especialistas no assunto.

Modelos de gestão

Na opinião do procurador-geral de Justiça do Ministério Público Estadual (MPE), José Omar de Almeida Júnior, o Tocantins vivenciou um processo de amadurecimento nestes 31 anos desde sua criação, com sete diferentes modelos de gestão. O que para ele, demonstra que cada um trouxe um jeito de governar, que, de uma forma ou de outra, contribuiu para a consolidação do Estado.

Por outro lado, o procurador observa que as constantes alternâncias, em razão de inesperadas interrupções, impediram o Estado de ocupar papel protagonista no cenário nacional, propiciado pela condição de novo ente federativo.

“Porém, é inegável que, assim como o Brasil, o Tocantins foi palco de práticas lamentáveis evidenciadas por irregularidades perpetradas por detentores de cargos públicos, incidindo, assim, diretamente na qualidade de vida de sua população”.

José Omar ainda aposta que o momento é de reavaliação, principalmente diante dos fatos, que em sua opinião, trazem uma visão negativa para a história política do Estado. “Também é preciso reaproveitar os bons exemplos daqueles que verdadeiramente cumpriam com o papel de cuidar da coisa pública”.

“O castigo dos bons que não fazem política é serem governados pelos maus”. Para o procurador, a frase de Platão revela a importância da participação do cidadão no contexto político, que não se resume à mera escolha de representantes, mas a outras formas de engajamento. “Seja por meio de mecanismos de fiscalização e acompanhamento das ações do poder público, seja pelo envolvimento em articulações que visam o interesse coletivo. Acompanhar a atuação destes agentes políticos, fiscalizar seus atos, avaliar suas condutas e reivindicar assuntos de interesse da sociedade são ferramentas essenciais para uma efetiva participação política do cidadão”, argumenta.

Escolher bem o gestor

Para o procurador regional eleitoral do Ministério Público Federal (MPF), Álvaro Manzano, o fundamental é o eleitor observar a história de vida desse político, bem como as propostas e o grupo que ele apoia, na hora de escolher o candidato. “A gente sabe que isso diz muito de um candidato. É comum vermos a troca do voto favores ou benefícios diretos para o eleitor ou até mesmo a compra do voto em dinheiro. Infelizmente aqui no Tocantins as pessoas ainda dependem muito do poder público porque é o maior empregador, tanto nível municipal e estadual e, por isso, ainda há essa dependência grande dos governos, o que às vezes, leva as pessoas a trocarem seu voto por um emprego. Vamos deixar isso de lado e pensar apenas o que é melhor para nosso Estado, País ou Município de forma coletiva, não o que é melhor para mim pessoalmente, mas para a comunidade como um todo”, orienta.

O procurador ressalta que não é possível prever se o político irá se corromper enquanto cumpre um mandato, porém, o histórico dele deve ser levado em consideração nas urnas.  “O eleitor precisa avaliar se as promessas que ele está colocando na campanha eleitoral são condizentes com a história de vida dele. Por exemplo, às vezes ele tem compromisso com um segmento da sociedade e depois do processo eleitoral ele vai defender a classe menos favorecida e como ele sabe que precisa do voto de todos, esconde um pouco seu passado para falar o que eleitor quer. É importante ver qual o perfil do candidato ao longo de toda sua vida”, aconselha.

Em resumo, nesses 31 anos de Estado, o MPF avalia que a política do Tocantins tem utilizado favores como moeda de troca. “O que tem levado às cassações e isso é muito ruim para o Estado que tenhamos essa cultural eleitoral de fazer campanhas baseadas no abuso de poder político ou econômico e não com um debate mais democrático. Isso foi uma prática que infelizmente temos visto nesses últimos anos”.

Representatividade e eleições

Para o antropólogo Márcio Santos, um aspecto importante para considerar em um candidato é a representatividade em relação ao povo. O especialista questiona até que ponto tal político se mostra representativo e empático diante das demandas da sociedade. Para ele, a maioria dos políticos não condiz com a realidade social e econômica do Estado.

Além disso, Santos acredita que é necessário que o eleitor observe as regras eleitorais, tais como os financiamentos de campanha e até mesmo a maneira que os candidatos se apresentam nas eleições.

 “Também entende que o primeiro passo para elegermos pessoas melhores é tentarmos ser mais participativos. Apesar da imagem negativa que muitos temos da política, temos que tentar levar o debate em nossa comunidade e grupos de convivência para construirmos uma lógica nas esferas políticas, ou seja, a melhor maneira de escolher políticos mais éticos e ligados ao interessa da população, é mudar os candidatos, em meu entendimento”.

Como pesquisador das comunidades indígenas e quilombolas, o antropólogo observa que o empoderamento das lideranças, que atuam na defesa de seus direitos, traz conquistas, ainda que pequenas, mas importantes para essas pessoas. “Muitos deles têm começado a trabalhar de alguma forma para ingressar em cargos eletivos e isso é importante. Uma palavra chave que usamos bastante é representatividade. Então considero fundamental buscar candidatos que representem grupos específicos e a partir de uma construção, de baixo para cima. Precisamos buscar o interesse da população. Temos que pensar mais em criar outros quadros do que nos limitarmos às escolhas atuais”, finaliza.

Tocantins ainda precisa de voto mais consciente

Na análise do cientista político Evandro Borges Arantes, idealmente a ética e a política são elementos complementares e essenciais na configuração da sociedade civil em tempos democráticos.

“No entanto, a partir do momento que o tema é colocado sob a ótica da realidade local, (que nos revela inúmeros escândalos de corrupção político-eleitoral, cassações de mandatos e todo tipo de malversação de recursos públicos) vê-se que, em algum momento, os conceitos de ética e de política parecem ter se divorciado, de modo que atualmente nos parecem ser antagônicos”.

Por este motivo, o especialista acredita que a tarefa confiada ao eleitor de escolher “políticos éticos” é fundamental, apesar de complexa. “Considerando que, na prática, o marketing eleitoral se encarrega de vestir todos os lobos em alva pele de cordeiro, promovendo a padronização comportamental e o engessamento dos candidatos, justamente para que suas piores características (e eventuais passados controversos) sejam ocultados”.  

Desta forma, Arantes acredita que é necessário que o eleitor vá além das campanhas eleitorais na TV e no rádio  para se informar sobre o histórico dos candidatos, procurando saber os cargos que eles já ocuparam, os eventuais problemas judiciais que enfrentaram e verificando o seu comportamento social fora do período eleitoral. “Porém, nesses 31 anos de criação do Tocantins, em que pesem os inegáveis avanços sociais e econômicos experimentados por esse pedaço de chão até então esquecido no norte goiano, o que se vê é que a política tem sido utilizada como instrumento das oligarquias familiares e como ringue de disputas eleitorais desleais travadas no vale-tudo do poder pelo poder”.