O ministro das Relações Exteriores, José Serra, teve reentrada atribulada no ministério do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em 1998, conforme narra o ex-presidente no segundo volume de seus "Diários da Presidência (1997-1998)", que a editora Companhia das Letras vai lançar dia 23 de maio.

Serra havia sido ministro do Planejamento de FHC (1995-1996). Em meio a divergências com a equipe econômica, deixou o cargo para disputar a prefeitura de São Paulo. Perdeu para Celso Pitta e queria voltar para o governo. Tal como hoje, Serra queria algum cargo na área econômica.

Mas Fernando Henrique queria que Serra assumisse o Ministério da Saúde. Dentro da equipe econômica, havia forte oposição à indicação de Serra em algum ministério ligado à política econômica, principalmente por parte do então ministro da Fazenda, Pedro Malan. Serra era um dos principais críticos ao câmbio fixo e sobrevalorizado, que acabou agravando a crise financeira no país e sendo abandonado em janeiro de 1999.

A certa altura, FHC fala sobre o temperamento de Serra e dos embates dele com Malan. "Isso vai me dar trabalho, vou ter que botar o Serra e o Malan juntos, eles não são fáceis, ou melhor, o Serra não é fácil."

Tentando convencer Serra a assumir o Ministério da Saúde, FHC narra ter dito ao senador:

"Serra, você é o caso de maior perda líquida de vantagens comparativas que eu já vi na república. Poucos têm o seu talento, intelectualmente você pode se comparar com muito pouca gente, comigo e pouca gente mais na área política. Seu preparo intelectual é enorme. Você é determinado, honesto, tem sentido público, não obstante, está no ponto mais baixo da sua carreira....Acho que você tem que perceber que é um problema seu. Você sabe que eu o queria como ministro de algo na área social e não na área econômica, mas você quis o Planejamento, e deu no que deu. Não podia ser diferente (choques com a área econômica)."

Demandou bastante convencimento por parte de FHC para que Serra aceitasse a pasta da Saúde. Segundo FHC, "ele ia e voltava, queria uma pasta ligada ao Emprego ao trabalho, um superministério que incluísse o BNDES e a Caixa Econômica."

No livro, o ex-presidente descreve a dificuldade de convencer o senador. "Ficou de me telefonar e não telefonou, estava querendo condições e não sei o que, parece que está fazendo um grande favor em aceitar ser ministro da Saúde."

"Ele (Serra) é "rupturista" acha que com vontade se faz tudo de uma vez. Eu acho que é preciso ter capacidade de convencer e ir modificando gradualmente", conta o ex-presidente em seus diários.

Na época, Serra chegou a criticar o Itamaraty, dizendo que o ministério seria incapaz de "fazer comércio exterior". E então, o ex-presidente teria perguntado: "Bem, mas quem é competente? Quem discute na OMC, em Bruxelas?" e Serra teria dito, segundo o livro: "Do pessoal do Itamaraty, ninguém. Devíamos criar uma carreira de diplomatas economistas no (Instituto) Rio Branco."

Chegou a um ponto que FHC teria dito a Serra, taxativo: "Olha Serra, é a Saúde, e não é 'ou'. É a Saúde. Tenho minhas razões, pelo governo, pelo Brasil e pelo que eu penso ser melhor para você".

Depois de toda a incerteza, a gestão de Serra à frente do Ministério da Saúde, onde teve iniciativas bem-sucedidas como a dos medicamentos genéricos e a quebra de patentes de medicamentos de Aids, é alvo de muitos elogios de FHC.

"Ele está atuando com muita coragem e competência", diz, em um trecho. "O Zé Serra está fazendo um belo trabalho no Ministério da Saúde."

Mas, ainda assim, aponta para problemas de relacionamento. "Serra é uma pessoa que tem demonstrado na prática ser alguém excepcional, porém não consegue corrigir certos problemas de relacionamento. Mesmo alguém cordato como o Malan, mas também teimoso, obstinado e desconfiado, se sente inseguro com as manobras do Serra."