A Procuradoria-Geral da República (PGR) arquivou uma investigação e um trecho de uma delação premiada a respeito de supostas propinas pagas pelo doleiro Dario Messer ao procurador regional da República Januário Paludo, integrante da operação Lava Jato do Paraná.

A reportagem teve acesso ao trecho desconsiderado da delação, em que o doleiro fala sobre Paludo e relata pagamentos destinados ao procurador como uma "taxa de proteção mensal". Messer firmou o acordo em agosto com a força-tarefa do Rio.

Conhecido como o "doleiro dos doleiros", Messer declarou ter destinado US$ 50 mil por mês entre 2005 e 2013 a Paludo para que fosse protegido pelo Ministério Público Federal do Paraná (MPF-PR).

O repasse mensal durante esses oito anos teria o objetivo de evitar que o MPF investigasse atos de lavagem de dinheiro e evasão ilegal de divisas que envolvessem o doleiro. Na delação, não está claro a forma de como os pagamentos supostamente eram feitos. Messer apenas aponta seus operadores como intermediários.

Em nota do MPF-PR à reportagem, Paludo nega ter recebido qualquer quantia de Messer ou de qualquer investigado, ou mesmo ter se encontrado com o doleiro. O procurador afirma que "supostos fatos [delatados pelo doleiro] foram avaliados por uma instância independente do Ministério Público, com controle do Poder Judiciário, e foram arquivados por se entender que não há mínimas provas do envolvimento do procurador em ilícitos".

A PGR também havia arquivado em junho uma investigação iniciada no órgão meses antes da delação de Messer, sobre a mesma suspeita de propina. A apuração começou depois que a PF (Polícia Federal) interceptou uma mensagem do doleiro falando sobre pagamentos a Paludo. A existência da mensagem foi revelada pelo portal UOL em novembro de 2019.

Procurada, a PGR informou que não se pronuncia sobre acordos de delação premiada pois eles são sigilosos. O órgão também não se manifestou sobre a investigação acerca de supostas propinas a Paludo.

No depoimento arquivado, Messer contou que a suposta propina era paga pelos operadores Claudio Fernando Barbosa de Souza, o Tony, e Vinicius Claret Vieira Barreto, o Juca. Ambos trabalharam com o doleiro em operações de lavagem de dinheiro investigadas pela Lava Jato do Rio. Depois que foram presos, viraram delatores. O doleiro afirmou ainda que os pagamentos eram feitos por recomendação de seu advogado da época, Antonio Figueiredo Basto, e de seu ex-sócio Enrico Machado.

Doleiro afirmou nunca ter sido "incomodado" Messer reconheceu na delação que nunca esteve com Paludo. Disse, porém, acreditar na efetividade da compra da tal proteção "já que nunca foi incomodado pelas autoridades de Curitiba", as quais o investigaram no caso Banestado, a partir de 2005.

Segundo o MPF-PR, a atuação do procurador no caso "foi revisada por diferentes instâncias do Judiciário, sem que se tenha apontado qualquer irregularidade. [Após o caso Banestado] Paludo jamais atuou em casos envolvendo o doleiro e nem teria atribuição para fazê-lo, de modo que também por isso não se sustentaria qualquer suposição de proteção indevida. Ou seja, a suposição de venda de proteção também não se sustenta porque não havia qualquer proteção que pudesse ser vendida".

O doleiro também relatou que seu outro sócio, Clark Setton, chegou a fechar uma delação premiada durante o caso. Um imóvel da família Messer foi apresentado como garantia do acordo. Apesar disso, ninguém da família foi do doleiro foi mencionado.

Conforme o portal UOL revelou em fevereiro, o próprio MPF-PR encontrou indícios de que a delação de Setton teria omitido crimes atribuídos ao "doleiro dos doleiros". O doleiro acrescentou ainda que confiava na proteção do procurador, que testemunhou a seu favor em 2011.

O MPF-PR afirma que "Messer não foi acusado no caso Banestado porque não surgiram provas suficientes para uma acusação. Se Clark Setton mentiu em sua delação, ocultando o envolvimento de Messer nos crimes, aquele deve ser plenamente responsabilizado por isso pelos agentes públicos que trabalham no caso, dentre os quais não está o procurador Januário Paludo".

OPERADORES JÁ TINHAM RELATADO PAGAMENTOS POR PROTEÇÃO

Segundo a reportagem apurou, durante as negociações de seu acordo de colaboração premiada, Messer chegou a ser ouvido em videoconferência pela subprocuradora Lindora Araújo, chefe da Lava Jato na Procuradoria-Geral da República. Manteve seu relato, que foi arquivado.

Dario Messer, aliás, não foi o primeiro doleiro a falar da tal "taxa de proteção". Em delações premiadas fechadas em 2018, Juca e Tony já tinham revelado terem pagado US$ 50 mil por mês a Figueiredo Basto por proteção da polícia e do MPF.

As declarações motivaram a abertura de uma investigação na Lava Jato do Rio de Janeiro sobre o assunto. Provas obtidas na apuração indicaram que Figueiredo Basto realmente recebeu recursos em valores e período muito semelhantes aos narrados pelos operadores. O advogado negou em depoimentos que os pagamentos tivessem relação com uma suposta taxa de proteção.

Em julho de 2019, Messer foi preso. Em seu celular, foram encontradas mensagens que ele trocou com sua namorada, Myra Athayde, enquanto escondia-se de autoridades brasileiras no Paraguai. Numa conversa, ele diz: "Sendo que esse Paludo é destinatário de pelo menos parte da propina paga pelos meninos todo mês." Segundo a PF, os "meninos", no caso, seriam justamente Tony e Juca.

MESSER ESTARIA SENDO MANIPULADO, AFIRMA PALUDO

O procurador Januário Paludo afirmou que a mensagem em que é citado leva crer que Messer estaria sendo enganado por outros doleiros. "A leitura da mensagem de Messer leva a crer que nem ele sabia a quem estava se referindo e que a conversa estava inserida em um contexto de obtenção de vantagens entre doleiros em detrimento do próprio grupo que faziam parte."

Antonio Figueiredo Basto disse que nunca recebeu pagamentos para providenciar a proteção de Messer. Informou também já ter prestado os devidos esclarecimentos às autoridades sobre o assunto. O advogado de Dario Messer, Átila Machado, não se manifestou. "Por se tratar de procedimentos sigilosos, a defesa não se pronunciará", disse.

"FILHOS DE JANUÁRIO"

Januário Paludo é um dos procuradores mais antigos da Lava Jato. Integra a força-tarefa de combate à corrupção desde sua criação, no ano de 2014. Membro do MPF desde 1992, Paludo sempre foi tido como uma referência para os membros da força-tarefa, devido ao fato de ser o mais experiente entre eles.

Um dos grupos criados no aplicativo Telegram para que os procuradores trocassem mensagens, cujo conteúdo foi revelado por uma série de reportagens do site The Intercept Brasil, se chamava "Filhos de Januário."