A retirada de Wilson Witzel (PSC) do Governo do Rio de Janeiro e as investigações que atingem outros seis governadores reativaram o debate sobre as regras para afastamento de gestores estaduais pela via judicial.Especialistas apontam que decisões recentes do STF (Supremo Tribunal Federal) criaram um desarranjo na atuação da Justiça em relação a políticos com mandato eletivo e que é preciso consertá-lo.Na avaliação desses especialistas e de integrantes do Supremo, os entendimentos firmados pela corte nos últimos anos desequilibraram o sistema, uma vez que o tribunal, em um curto intervalo de tempo, enfraqueceu o mandato de governadores e fortaleceu o de parlamentares.Esse cenário aliado ao fato de Witzel ter sido afastado inicialmente do cargo por uma decisão monocrática do ministro Benedito Gonçalves, do STJ (Superior Tribunal de Justiça), preocupou governadores e levou ao aumento da pressão para o Supremo rediscutir o tema.A tendência hoje é que o Supremo mantenha o poder do STJ de afastar governadores, mas crie requisitos mais rígidos para decisões desta natureza, como a exigência de julgamento colegiado.Em 2017, o tribunal já se debruçou sobre o tema ao julgar diversas ações contra constituições estaduais que tinham replicado no âmbito local a regra para presidente da República, que só pode responder a uma ação penal com autorização do Congresso.Na ocasião, a corte declarou inconstitucional as normas regionais e empoderou o STJ ao determinar que o recebimento de denúncia não exigia aval da Assembleia Legislativa local.Sobre a retirada de governadores do cargo, o Supremo afirmou que o STJ também poderia fazê-lo, mas decidiu que não seria uma consequência automática do ato de recebimento da denúncia, como é o caso do chefe do Executivo nacional.O STF, assim, ampliou os poderes do tribunal superior ao permitir a remoção do mandato, desde que fosse por decisão fundamentada. O que os ministros do Supremo não esperavam, segundo relatos, é que esse afastamento se daria por despacho individual.No último dia 28, o ministro Benedito Gonçalves autorizou uma operação policial contra um suposto esquema de desvios da verba da saúde que seria liderado por Witzel, o afastou do cargo e rejeitou um pedido da PGR (Procuradoria-Geral da República) para que ele fosse preso.Dias depois a corte especial do STJ referendou a liminar de Benedito por 14 votos a 1, mas diversos integrantes da corte demonstraram insatisfação com o fato de o afastamento ter ocorrido por despacho individual.Ao removê-lo do posto, Benedito afirmou que há um grupo criminoso instalado no Governo do Rio que "continua agindo, desviando e lavando recursos em plena pandemia, sacrificando a saúde e mesmo a vida de milhares de pessoas".No julgamento na corte especial do STJ, os ministros do STJ Maria Thereza e Mauro Campbell, por exemplo, votaram para manter o despacho do colega, mas ressaltaram que esse tipo de decisão deveria ter sido tomada pelo colegiado.Em 2017, quando o STF julgou o tema, o ministro Marco Aurélio deu uma declaração nesse sentido, mas na oportunidade a corte não entrou nesse mérito e decidiu apenas pela dispensa do aval das assembleias.“Em se tratando do chefe do Poder Executivo estadual, eleito pelo povo, há de colar-se ao afastamento segurança maior, não cabendo a atuação individual do relator”, disse Marco Aurélio.Outro governador que também é investigado e está com o caso nas mãos de Benedito é o de Santa Catarina, Carlos Moisés (PSL). Assim como Witzel, ele se candidatou sem favoritismo, foi eleito na onda que deu a vitória a Bolsonaro e, no cargo, se afastou do presidente da República.Agora, ele é alvo de apuração da Polícia Federal, determinada pelo ministro do STJ, que investiga a compra de 200 respiradores pelo governo local.A aquisição dos equipamentos custou R$ 33 milhões e, no início de agosto, o Ministério Público Federal pediu a instauração de inquérito sobre o caso. Moisés responde a dois processos de impeachment na Assembleia local.Para o professor Ademar Borges, doutor em direito constitucional, o ideal seria o Supremo fixar que o afastamento de governador só pode ocorrer no momento do recebimento da denúncia apresentada pela PGR ou depois.“Este seria o momento mais adequado para verificar a necessidade de retirá-lo do cargo, pois permitiria o contraditório e a ampla defesa e seria uma decisão colegiada, que sempre é mais segura”, dizPara Borges, o STF permitiu que governadores fossem processados criminalmente, mas não adotou “nenhum tipo de cautela institucional para evitar a banalização desse tipo de decisão”.Ele afirma que a discussão se relaciona com duas diretrizes importantes da Constituição: uma é o princípio democrático, que pesa em favor do mandato, e a outra é o princípio federativo, uma vez que se trata de uma intervenção do STJ no âmbito estadual.O professor afirma que uma solução seria o STF estabelecer critérios mais rígidos para o afastamento de governadores. “Talvez seja uma saída para compensar a invalidação do aval democrático que era precisava ser dado pelo parlamento estadual”, afirma.O professor Thomaz Pereira, da FGV-Direito-Rio, explica que há duas discussão jurídicas necessárias sobre o tema: a primeira é a possibilidade de o afastamento ocorrer antes do recebimento da denúncia e a segundo é sobre a retirada do cargo ter se dado por decisão individual de um magistrado.“No direito processual penal brasileiro atual, existem diversos poderes dados ao relator, entre eles o poder geral de cautela, que autoriza a adoção de medidas cautelares. Mas o mais prudente e melhor para o funcionamento das instituições seria que o afastamento ocorresse por julgamento colegiado.”Ele afirma que a decisão de 2017 deu grandes poderes ao STJ. “O tribunal pode afastar sem receber a denúncia ou receber a denúncia e não afastar”, diz.Para o professor da FGV Direito-SP Rubens Glezer, o sistema precisa ser “recalibrado”. “Permitir monocráticas nesse tipo de decisão é aceitar a implosão do sistema de Justiça”, afirma.O especialista, no entanto, pondera que o STF não tem condições de cobrar decisões colegiadas do STJ, porque foi ele mesmo quem começou a exagerar nos despachos monocráticos.Na avaliação do professor, o precedente aberto por Benedito pode trazer outros impactos negativos e politizar o tribunal.“Além da vulnerabilização do mandato, pode começar a ter pressão de pessoas nada republicanas que querem usar o STJ e achar alguém disposto a perseguir um inimigo. Desperta o interesse em gente desse perfil e a médio e longo prazo pode atrair ao tribunal pessoas”.ENTENDA DEBATE SOBRE AFASTAMENTO DE GOVERNADORESO que será definido pelo STF e em qual data?A defesa de Wilson Witzel quer que o STF estabeleça que a retirada de gestores estaduais do cargo só pode ocorrer com voto de dois terços da corte especial do STJ (Superior Tribunal de Justiça), que é formada pelos 15 ministros mais antigos da corte. Ainda não foi marcado o dia para discussão do tema. Essa deve ser uma das primeiras decisões importantes do ministro Luiz Fux, que assume o comando do Supremo nesta semana.Como está a tramitação?Na semana passada, o ministro Edson Fachin, relator do processo, aplicou rito abreviado à ação.Na prática, ele apontou que não dará decisão monocrática no caso e o liberou direto para julgamento do plenário. Antes disso, porém, Fachin deu prazo de dez dias para Presidência da República, Congresso, AGU (Advocacia-Geral da União) e Procuradoria-Geral da República se manifestarem.Caso o Supremo analise novamente o assunto e fixe novas regras, a decisão poderia beneficiar Witzel?Em tese, sim. Mas o mais provável é que o Supremo estabeleça novas regras daqui para frente.Assim, um novo entendimento poderia beneficiar o vice de Witzel, Cláudio Castro (PSC), que também é alvo de investigações e assumiu interinamente a chefia do Executivo fluminense.O STF já tratou do tema anteriormente?Sim, em termos. Ao analisar, em 2017, a situação do então governador de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT). Quando estava no mandato, o petista foi denunciado no âmbito da Operação Acrônimo, mas o processo não foi aberto porque o STJ entendeu que governadores só poderiam responder a ação penal com autorização do Legislativo local. O DEM, então, acionou o STF, que decidiu, ao analisar as normas de diferentes estados, que não é preciso aval das assembleias.