Lailton Costa

Propaganda eleitoral de Siqueira Campos à Câmara dos Deputados (Arquivo Nacional) (Foto: Arquivo Nacional)

Lailton Costa

Nome fundamental na história de criação do Estado do Tocantins, o ex-governador José Wilson Siqueira Campos, o "Siqueira Campos", teve os registros documentais oficiais tirados no Cartório da 5ª Circunscrição do Registro Civil de Pessoas Naturais da Guanabara (Rio de Janeiro), no dia 8 de outubro de 1945. 

O documento aponta seu nascimento em Crato, no sertão cearense, às 20 horas do dia 1º de agosto de 1928, filho do sapateiro pernambucano Pacífico Siqueira Campos, com 48 anos, e da cearense dona Regina, que faleceria em novo parto doze anos depois. Na cidade, a família viveu entre 1918 e 1936, ano em que saíram em razão da peste bubônica. 

Pelos registros historiográficos, possui mais três irmãos: Marieta, nascida em Juazeiro (CE), em 15 de fevereiro de 1924, Raimundo, natural de Bodocó (PE), em 22 de maio de 1934 e Francisco Siqueira Campos, nascido em Iguatu (CE) no dia 23 de julho de 1937. Seus avós são Henrique Siqueira Campos e Maria Granja Siqueira Campos, pelo lado paterno, e Francisco Feliciano e Silva e Maria Feliciana e Silva, pelo lado materno. 

Conta a história que após a morte da mãe, a família se separa e José Wilson parte de Iguatu para Fortaleza. Da capital do Estado, embarca em navio costeiro, no dia 6 de junho de 1944, para o Amazonas, na campanha da borracha. No ano seguinte, aos 16 anos, contrai beriberi e maleita e após ser cuidado pelo médico Vival Palma de Lima, embarca em maio do ano seguinte para o Rio de Janeiro em busca da família. 

Segundo registros da imprensa, em julho de 1945 um parente dele, chamado Newton Pessoa de Siqueira Campos, o acolheu e o ajudou a reencontrar o pai, meses depois.

Na ocasião do registro de José Wilson, em 1945, Pacífico morava no Leblon, Rio de Janeiro, na Rua General Urquiza, 133,  onde viveria com o filho então com 17 anos. O pai levou no ato, como testemunhas, o operário Jayme Miguel Augusto e o militar Altamiro Rego, segundo o registro original (abaixo).  

Registro de Nascimento de Siqueira Campos, em 1945 (Foto: Arquivo Nacional)

Quatro anos depois do registro de nascimento, aos 21 anos de idade, José Wilson entrou com um requerimento do casamento, no dia 4 de novembro de 1949, no Cartório do 2º Registro Civil, do 10º subdistrito de "Belenzinho", na capital paulista. Seu endereço informado na documentação da habilitação para o casamento ficava na Vila Maria Zélia.

No pedido, usou um atestado de saúde assinado pelo médico Henrique Grecchi que o classificava como "gravemente enfermo" e precisava dispensar os prazos para se tratar no interior. Também justificou que já vivia maritalmente com a noiva há sete meses. Conseguiu a dispensa da publicação do edital de proclamas. Seis dias depois, voltou ao cartório para se casar, no dia 10 de novembro de 1949, com a mineira Aureny Meneses.

Solteira, Aureny estava com 25 anos, nascida em Frutal (MG) no dia 20 de agosto de 1924, seria registrada 10 anos depois em 20 de dezembro de 1934, como filha de Sidney Luis de Menezes e Oliria Juca de Oliveira. Após o casamento, passou a assinar Aureny Siqueira Campos.

Habilitação do casamento de Aureny e Siqueira Campos (Foto: Arquivo Nacional)

Com Aureny Siqueira Campos, formou a família com os filhos José Wilson, Eduardo, Telma, Stela, Ulemá e Regina e morou por quase 20 anos em Campinas (SP). Ali, viveu a experiência de motorista cooperado desde 23 de janeiro de 1957. Nesta data, participou da fundação de "A Campineira" (Sociedade Cooperativa de Choferes de Campinas). Na criação da entidade, acabou eleito como diretor-gerente, a pedido de um amigo dele, Mário Soffiati, que a presidia.

A associação possibilitava aos cooperados a compra de peças mais baratas para a manutenção dos veículos. Mais tarde, a entidade mudaria de nome para Santana - Cooperativa dos Automobilistas Limitada, e enfrentaria problemas com fornecedores.

A pedido de um deles, a Justiça abriu um inquérito por um suposto estelionato milionário e cobrança de dívidas de peças vendidas e não pagas. Nesta época, Siqueira havia se desligado da cooperativa.

A empresa acabaria dissolvida (liquidada) pela diretoria antes da virada para a década de 1960. Sem conseguir localizar todos envolvidos nem apreender os registros contábeis, o caso foi arquivado a pedido da Promotoria de Justiça paulista.

Uma de suas últimas atuações empresariais era no setor de defensivos agrícolas, que seria liquidado somente após sua mudança para o norte de Goiás, cerca de um ano antes da morte do pai.

Pacífico faleceu aos 76 anos nas vésperas do golpe militar. A morte ocorreu dia 29 de março de 1964, às 12 horas, em sua casa, em Campinas, por insuficiência cardíaca como causa morte, decorrente de uma ateriosclerose, conforme atestado de óbito assinado pelo médico João Batista Vieira. A família era vizinha do militar do Exército Jesus Duarte, pai da atriz Regina Duarte, que viveu na cidade dos 6 aos 18 anos.

Pacífico foi sepultado no Cemitério da Saudade, no túmulo 215, da quadra 36, no dia 30 de março de 1964, um dia antes do golpe militar. À época, a filha Marieta estava com 42 anos, Raimundo com 40, José Siqueira com 35, e Francisco, o caçula, com 25, como mostram os documentos. 

Certidão de ótibo do pai, Pacífico e, na direita, os herdeiros irmãos de Siqueira (Foto: Arquivo Nacional)

"Contem com José Siqueira": a chegada ao sertão

José Wilson de Siqueira Campos chegou ao interior do norte goiano, onde se fixou, por volta de 1963, em Bandeirantes, à época um distrito do município de Colinas de Goiás, onde se tornou conhecido com o nome de José Siqueira.

Quando chegou ao norte-goiano, José Siqueira tinha na biografia uma passagem pelo Dops de Guanabara, então na capital federal, o Rio de Janeiro, onde morou em Copacabana. Esteve detido por um dia, prestou declarações no dia 2 de dezembro de 1947, aos 19 anos, e saiu no dia seguinte.

O prontuário de sua detenção passou à história com o número 7142/DOPS. O documento lista como motivo de sua prisão, ter se apresentado aos Correios com um cartão do Partido Comunista do Brasil (PCB), assinado por Luiz Carlos Prestes, de quem teria sido secretário, segundo dossiê militar sobre o político. O papelote o credenciava a recolher toda a correspondência depositada na Caixa Postal 932.

Na detenção, disse ao delegado chefe da Seção, Pelayo Vidal Martins, que morava na rua Siqueira Campos, 98, casa 9. Ele confessou ter ingressado no Partido Comunista do Brasil em 1946 na célula "Henrique Dantas" como simples militante. 

Anos depois, quando seria investigado pelo General Antônio Bandeira, comandante da 3ª Brigada, de Araguaína, seria apontado como estafeta e auxiliar de escritório do PCB, entre 1945 e 1946, com a ficha nº 155.

Naquela detenção,  Siqueira foi encontrado em um comício na Praça Serzedello Correa. Ele disse ter tomado conhecimento do ato pelos jornais. Acabou detido quando se dirigia para uma "camarada" que era presa ao seu lado. Garantiu que estava lá por "curiosidade" e que havia deixado o partido após o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ter cassado o registro do PCB.Também disse que havia deixado a militância para se alistar ao Exército.

Um documento militar posterior o identifica como soldado, sob o número de registo lG-430.789, datado de 26 maio de 1948. O documento o aponta como militar incluído em 15 março daquele ano e excluído no dia 30 de novembro de 1948. Ele saiu como reservista da ESAO (Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais), da Vila Militar, Rio de Janeiro.

Anos mais tarde, a passagem pelo "partidão" geraria pautas jornalísticas em jornais regionais e nacionais que o levariam a se explicar à sociedade.

Na década de 1980, em carta publicada no Jornal do Brasil, disse: " Os seis meses que passei dentro do Partido Comunista, trabalhando como office-boy e as duas reuniões de cédulas de que participei serviram-me de forma valiosa e contribuíram sobremodo na minha formação política. Como entrei, de lá sai, livre e espontaneamente, sem que ninguém me acusasse de traição." 

Fragmento do depoimento de Siqueira Campos quando preso no Dops (RJ) (Foto: Arquivo Nacional)

José Wilson Siqueira Campos chegou no sertão goiano um ano antes do golpe militar de 1964. Investiu no comércio de madeira. Extraiu árvores nobres, como mogno, e montou uma serraria, a "Bandeirante", nome fantasia da firma "Incopel - Indústria, Comércio e Pecuária Ltda", da qual era sócio e gerente. A empresa ficava 13 km à esquerda da Rodovia Belém-Brasília e a 30 km da sede do município de Colinas. A Incopel chegou a ter 38 empregados e uma frota com 7 caminhões e 4 Jeeps.

O empresário José Siqueira organizou a regional da Cooperativa Goiana de Agricultores, fundada dia 1º de janeiro de 1964, e registrada no Ministério da Agricultura no dia 6 de março de 1964, e se tornou seu principal interlocutor com a experiência de cooperado no interior paulista.

José Siqueira anunciava sua cooperativa com panfletagem. Um dos panfletos distribuídos pelo industriário anunciava a cooperativa aos goianos como "a arma" para combater a miséria, a pobreza, a falta de recursos e "para bem alimentar, vestir, medicar e instruir os seus filhos e proporcionar uma vida mais decente para os seus familiares".

Em outro trecho "Vamos acabar com a miséria. O presidente João Goulart está nos apoiando contra os exploradores. O homem que vale hoje é o homem que trabalha. Contem com José Siqueira que, embora pobre como vocês, sabe o jeito que nos levará a dias melhores."

Em sua serraria, José Siqueira possuía um rádio transmissor, de frequência fixa 55 a 50. Da marca Control, o aparelho era usado para comunicação, principalmente, com São Paulo e o Paraná, onde um k-2 interlocutor estava instalado em uma fazenda localizada em Bandeirantes, no Paraná, na fazenda de Roldão Zambon, de direito e oficialmente, o presidente da Incopel. Além dos dois, a firma tinha mais quatro sócios: Homero Oliveira Teixeira, Benjamim Caetano Zambon, Agenor Meneguel e Paulo Sidney Zambon.

José Siqueira empregava a cooperativa na intermediação de empréstimos para centenas de financiamentos da Carteira Agrícola do Banco do Brasil. A prática levou os militares a afirmarem que ele ludibriava os agricultores que representava, e de usar os recursos dos empréstimos para proveito próprio. Outra acusação dos militares era de que a firma dele desmatava florestas para extrair madeiras nobres sem recolher impostos entre outras imputações de exploração dos trabalhadores.

Panfleto publicitário da cooperativa fundada por Siqueira Campos em Colinas (Foto: Arquivo Nacional)

Intervenção na cooperativa e projeção política

Sobre estas acusações não houve comprovação. Relatórios da Polícia Federal, como a Informação de nº 30/69 do Centro de Operações da Superintendência de Goiás, produzido em fevereiro de 1969, com o assunto "Grilagem de Terras em Goiás", entre outros, chegam a citar Siqueira e dezenas de moradores locais como grileiros e apontavam suspeitas de irregularidades na cooperativa, ainda operante.

Até o dia 10 de de 1965, data em que a cooperativa sofreu intervenção do Serviço de Assistência ao Cooperativismo (SAC), órgão da Secretaria da Agricultura de Goiás. O motivo oficial: a suspeita de falhas na contabilidade da entidade e desobediência à legislação cooperativista.

A esta altura, a atuação de Siqueira havia se expandido para além de Colinas, em cidades como Arapoema e Araguaína, em parceria com os latifundiários Oliveira Paulino e João Afonso Borges, entre outros.

José Siqueira e o grupo de empresários, entre tantas transações imobiliárias, conseguiram permutar 10 mil alqueires de terras na região de Aruanã (GO) por cerca de 50 mil alqueires no chamado "Vale das Cunhãs", área que compreendia municípios de Colinas de Goiás, Araguacema e Filadélfia no final da década de 1960.

Relatório do Sistema de Informações investiga suspeita de grilagem (Arquivo Nacional) (Foto: Arquivo Nacional)

Popularidade e poderio o levam à carreira política

Com a popularidade alcançada como empresário e cooperado, ele se lança vereador, pelo PSD, nas eleições gerais de 1965, quando houve a disputa para os cargos de governador, vice, prefeito, vice e vereador. Para a disputa, ele transfere, no dia 5 de agosto de 1965, sua inscrição eleitoral de São Paulo para a 24ª zona de Goiás, sediada em Pedro Afonso. 

Ele era eleitor de Campinas desde o dia 21 de junho de 1960, quando apareceu na zona eleitoral do município e, no mesmo dia, saiu com o título eleitor expedido pelo juiz João Mendes. Anos depois, o mesmo juiz homologaria o inventário do pai de Siqueira.

Saiu das urnas com a maior votação e uma acusação de que teria se eleito no município com domicílio eleitoral em Campinas (SP), onde era inventariante dos bens do pai. No mandato de 1965 a 1967, presidiu o legislativo no último biênio. 

Como vereador, todo ano, no dia 7 de setembro, José Siqueira discursava na praça de Colinas propagando suas ideias, comunistas para a época, pelo sistema de alto falante que a prefeitura mantinha, afirmam os arquivos da ditadura.

Uma de suas famosas manifestações irritou os militares. "O país está entregue a uma cúpula militarista que visa unicamente a sufocação da liberdade de nossa terra. Sou socialista e morro socialista. Os militares estão entregando o País a grupos internacionais".

Por sua atuação polêmica, era monitorado pelos policiais da informação, que produziram diversos informes e procedimentos sobre ele, principalmente a partir das eleições de 1970.

Arquivos mostram que no final da década de 1960 ele mantinha tratativas com uma firma especializada de Goiânia, chamada a Nabla Engenharia S.A. Seu plano era firmar um contrato para a construção de uma cidade no Norte de Goiás "em condição de ser tornar a Capital de um novo Estado".

Durante seu mandato de vereador, pela Arena, sofreu denúncias de grilagem publicadas em jornais. Uma delas veio a público na edição de 23 de julho de 1969, do jornal goianiense "Cinco de Março". Era uma carta aberta com o título "A grilagem do Vale das Cunhãs", assinada por João Frutuoso Costa. 

Dias depois, a edição de 11 de agosto do mesmo jornal voltava à carga com a publicação de suposta prática de grilagem de José Siqueira em conluio com João Afonso Borges, Oliveira Paulino da Silva, o Oliveirinha, Hélio França, Afrânio de Azevedo e Dagogerto Naves, entre outros. A denúncia "Grilagem continua forjando a subversão do norte goiano" implicava o governo goiano e o então procurador-geral do Estado, Jacy de Assis.

O serviço de informações do governo goiano chegou a investigar a denúncias de grilagem e exploração na região do Vale das Cunhãs, entre Arapoema e Colinas, por este grupo. Um documento confidencial, sem data, e assinado pelos "agentes" chamado "Relatório Vale das Cunhãs" implica empresários em disputas de terras com posseiros e "cometer arbitrariedades" e diversos moradores apontados como ligados aos políticos "e com tal cobertura praticam diversos tipos de violências contra posseiros"

Candidatura lançada por associação ganha espaço imprensa e vira alvo

Votação entre os principais da Arena

As imputações não o demoveram da disputa eleitoral de 1970. Em junho, teve a candidatura a deputado federal lançada com apoio da Associação Comercial e Industrial de Araguaína na data da fundação da entidade com a proposta de "integração da área no plano de industrialização da Amazônia, dentro dos incentivos proporcionados pela Sudam", como publicou a Folha de Goiás, no dia 4 de junho daquele ano. 

Com o lançamento, outra acusação caiu sobre ele: ter sido lançado por uma entidade classista e não por um partido politico.

Após se filiar ao Arena, a disputa política local pelo controle do partido o colocou em confronto com Benedito Vicente Ferreira, o "Benedito Boa Sorte", liderança forte de Araguaína. Benedito Ferreira apresentou a queixa-crime durante as eleições em 1968 contra o então prefeito Ribamar Marinho, o vice, João de Sousa Lima, e Siqueira Campos. O autor se queixava que o trio o havia acusado de corrupção na campanha e de grilagem de terras.

O caso seria julgado cinco anos depois, quando Siqueira e Benedito estavam em campanha, ainda pelo Arena, um à Câmara dos Deputados e outro ao Senado. O trio acabou condenado no dia 21 de outubro de 1970, pelo juiz Vitor Barbosa Lanza, por calúnia e difamação. A pena fixada no processo de nº 1700/96/70 era de 1 ano e 9 meses de prisão.

A esta altura, a um mês das eleições, Siqueira havia instalado um escritório político na capital, Goiânia. Ali montava os programas eleitorais veiculados na TV Goiânia e TV Anhanguera.

A base de sua campanha eram as críticas à administração do país, analfabetismo, saúde pública, desenvolvimento, indústria farmacêutica, petróleo, siderurgia, agropecuária, incentivos ficais, direito à soberania e a liberdade.  Na campanha impressa, ficou famoso um panfleto "Eu acuso" que desabonava a administração central do país e o golpe militar (abaixo).

Em uma de suas aparições da campanha, ele aparecia de costas para o público enquanto sua voz narrava suas bandeiras políticas. Ao final do texto, ele se virava para a câmera da TV e se apresentava: "Eu sou Siqueira Campos"

Mais de 35 mil votos

A Arena sairia das urnas com 290.219 votos e o MDB com 182.251. E Siqueira saiu eleito com 35.563 votos no dia 15 de novembro de 1970 era o quarto mais votado do Estado e o terceiro da Arena. Ficou atrás apenas de Basilio Ramos Caiado, com 41.917, e Jarmund Nasser, com 45.143. Superou nomes do partido como Antonio Rezende Monteiro (33.993) Henrique Maurício Fanstone (31.769) e Ary Ribeiro Valadão (25.845).

Siqueira usava a imprensa para se defender de adversário (Arquivo Nacional) (Foto: Arquivo Nacional)

Polícia investigou origens da família Siqueira Campos

A projeção provocou mais investigações militares. De 1972 até 1974, pelo menos dez informes sobre ele seriam produzidos pelos investigadores da Polícia Federal de Goiás e Brasília. Parte do apurado sobre ele estão resumidas em memorandos do Serviço Nacional de Informações (SNI), baseados em investigações da PF em Goiás.

As informações confusas sobre seus irmãos e dos próprios registros documentais de Siqueira, em que uns traziam como pai Pacífico, ora Augusto, ora Regina, ora Santina e o nascimento da prole em cidades e estados diferentes, levaria a Polícia Federal a desconfiar até da ascendência. 

Uma parte do dossiê traz os resultados sobre a identidade e a vida pregressa de José Siqueira. O resultado não poderia ser mais desabonador e continha 20 conclusões.

Na tentativa de descobrir a verdadeira genealogia, a PF designaria na década de 1970 dois agentes - o delegado Jesus Antônio de Lisboa (chefe) e José Roberto Pereira (auxiliar) - para diligências no Ceará. Os dois saíram de Araguaína no dia 13 de dezembro e chegaram a Crato no dia 21 de dezembro de 1972, a bordo de uma Chevrolet C-10, com placa AB-8243.

A dupla vasculha a documentação do Cartório do 2º Registro Civil, do Cartório Eleitoral, da diocese, do Colégio Diocesano e entrevista diversos moradores. As fontes consultadas pela dupla indicaram que o pai de Siqueira Campos seria um homem chamado Bonifacio Ferreira, da família "Babau", que residia na zona rural em um local chamado "Bebida Nova", a 6 km da cidade.

Os dois se encontraram com dois descendentes dos "Babau", da linhagem de Joaquim Ferreira Lima, o ascendente primitivo que havia comprado a "Bebida Nova", Luiz Ferreira Lima, um funcionário aposentado dos correios e o irmão Lauro Ferreira Lima, servidor dos correios. Os dois listaram todos os 30 parentes conhecidos e não citaram nenhum Bonifácio.

Na investigação, consta uma certidão da oficial de registro civil Maria Julia Limaverde Vilar, de Crato, na qual atestava que nos livros do cartório sob o encargo dela não existia "nenhum registro de nascimento referente a filhos do Bonifacio Ferreira, Bonifacio Ferreira Lima a Pacifico Siqueira Campos".

Os dois também tentaram, sem sucesso, encontrar ascendentes e descendentes da família "Siqueira Campos" na cidade, apenas pessoas com sobrenomes separados, de Siqueira e de Campos. Juntos, apenas uma praça, em "homenagem ao revolucionário de 1922 e 1924, Antônio de Siqueira Campos, natural do Estado de São Paulo, ex-tenente do Exército".

No dia 26 de dezembro de 1972, o delegado entrega o relatório definitivo. "RESULTADO: concluo que o indivíduo José Wilson Siqueira Campos não é natural do Crato/CE e, ainda, não ser filho de Pacífico Siqueira Campos conforme figura em seu registro de nascimento feito na Guanabara em 08/10/1945; a menos que tenha sido registrado no Crato/CE com outro prenome, por seu verdadeiro pai, cujo nome não se sabe".

Entre as mais estarrecedoras conclusões das investigações policiais estavam:

- O nome de "Siqueira Campos" não era verdadeiro;
- Não nasceu na cidade de Crato (CE);
- Praticou várias falsidades ideológicas com declarações falsas sobre sua ascendência, entre outras;
- Sua família não pertence à verdadeira família Siqueira Campos;
- Os endereços residenciais são improcedentes e fictícios;
- As suas profissões não foram confirmadas;
- Nem ele nem os irmãos tinham residência fixa e conhecida para ocultar a verdadeira identidade;
- as assinaturas dele não conferiam em documentos diversos. 

O delegado José Xavier do Bomfim, do DOPS/DPF/Goiás afirmou, em um dos relatórios de investigação, que o deputado era "elemento notoriamente corrupto e subversivo". O mesmo relatório indicava na ficha corrida do deputado o indiciamento em dois inquéritos policiais por estelionato, um restou arquivado e no outro absolvido no interior de São Paulo.

Um Inquérito Policial Militar promovido pelo Gº B.C. de Goiás o indiciou por subversão e abuso de poder no Norte de Goiás. Outro inquérito do Departamento da Polícia Federal de Goiás o investigou por corrupção eleitoral.

"É agente capitalizador de recursos da causa comunista e elemento deteriorador das instituições nacionais. Daí ser subversivo e corrupto. Daí ter sido secretário de Luiz Carlos Prestes, agitador, violento, calculista, falsário, ilaqueador da boa fé dos goianos, de quem se aproveitou para tornar-se Deputado Federal e insinuar-se em Comissões de alta importância", concluiu a Polícia Federal.

O trabalho parlamentar de Siqueira Campos em Brasília

Siqueira em atuação na Câmara dos Deputados (Exposição Setentrião/Palacinho) (Foto: Arquivo Exposição Setentrião)

A resposta de Siqueira Campos se deu na tribuna, na imprensa e pela sua produção na Câmara dos Deputados, onde permaneceu até a Constituição de 1988.

Nos 18 anos de exercício parlamentar, conquistou quatro mandatos ordinários: de 1971 a 1975; 1975 a 1979; 1979 a 1983 e de 1983 e 1987, este já pelo PDS. Somados a estes, conquistou o de parlamentar Constituinte (1987 a 1991), pelo PDC. Deixou o parlamento quando assumiu o cargo de governador, em 1º de janeiro de 1989, com meio milhar de leis apresentadas, três delas convertidas em lei e em vigor até os dias atuais.

A primeira proposição, PL 31/1971, de abril de 1972, impactava o Plano de Integração Nacional que incluía algumas estradas na selva, com a rodovia Transamazônica (2.200 km), a Perimetral Norte (2.450 km), e as BRs 236, 317 406, 174, 364, 165, 156, 080, 010, 307, 158 e a 153, em seu trecho "Paralelo 13" até Porto Franco (MA) com 800 km de extensão.

Siqueira aproveitou o embalo do Decreto Lei 1.164, de 1º de abril daquele ano. O texto declarava indispensáveis à segurança e ao desenvolvimento nacionais as terras devolutas situadas na faixa de 100 k de largura de cada lado destas rodovias da Amazônia Legal.

A ideia de Siqueira em seu projeto inaugural era estabelecer algumas prioridades na instalação de autarquias. Ele entendia que seu projeto levaria a instalação de agências do Banco do Brasil em Formoso e Paraíso, postos de assistência médica do então INPS em Araguatins, Axixá, Ananás e São Sebastião, do Banco da Amazônia em Colinas, Araguacema e Mara Rosa e de outros órgãos como Incra, Correios.  Não teve boa sorte a proposta. Em maio, a Comissão de Constituição e Justiça declarou o projeto inconstitucional.

Melhor sorte também não teve sua segunda propositura, PL 31/1971 que buscava declarar toda a Amazônia como um criadouro legalizado de animais silvestres. Na esteira da Lei 5.197, que proibia o comércio de espécimes de animais silvestres e dos produtos que exigiam a morte dos animais, o parlamentar quis dar a quem criasse, comercializassem a fauna silvestre o prazo de 20 anos para que construíssem criadouros artificiais. Por quatro anos, o projeto entrou e saiu de pauta com pareceres pela "injuricidade" da proposta, que acabou saindo de pauta a pedido de Siqueira em 1972 e arquivada definitivamente em 1975.

Nos 18 anos de atuação, Siqueira apresentou 574 projetos de lei, 15 deles em seu primeiro ano parlamento e encerrou com média de 31 projetos por ano. Em pelo menos 23 deles a Amazônia esteve no centro dos interesses legislativos.

Sua primeira vitória no tema, seria a Comissão Nacional de Estudos da Amazônia, pelo Arena, após requerimento do deputado. Na comissão, em 1972, apresentou projeto para redividir o território da Amazônia Legal. Fundaria e presidiria posteriormente a Comissão Especial sobre Redivisão Territorial e ·Política Demográfica, na Câmara dos Deputados.

No ano de 1973, outro Projeto de Lei, de nº. 1361, previa que o orçamento federal destinasse recursos para cria a Companhia Hidrelétrica do Tocantins, que seria responsável por construir a usina hidrelétrica do Funil, entre os municípios de Porto Nacional, Miracema e Tocantínia. Em novembro daquele ano, a Câmara declararia o projeto inconstitucional. 

A hidrelétrica entraria em operação em 2001, no governo de Siqueira Campos, com o nome de Usina Hidrelétrica de Lajeado, situada no Rio Tocantins, entre os municípios de Miracema e Lajeado, a 60 km da capital. Um empreendimento internacional com 5 Unidades geradoras de 180,5 MW e capacidade instalada para operar 902,5 MW e gerar cerca de 4.600.000 megawatts-hora por ano.

Siqueira Campos também tentou mudar o Plano Nacional de Viação, fixado pela lei de nº. 5.917, de 1973. O projeto de lei de n. 1.845/1974 incluía as ferrovias radiais 060 e 498 a ferrovia Brasília-Carolina-Belém, com a ligação de Carolina para São Luís. Aprovada na Câmara em dezembro de 1974, a ideia acabou rejeitada em junho de 1976 pelo Senado Federal.

Mas em 1975, o Projeto de Lei 947 de sua autoria, recebeu aprovação unânime e o país passou a exigir de produtos estrangeiros a observação no rótulo de que há produto similar no Brasil. Mais outras duas leis do parlamentar na década de 1970 virariam leis. O Projeto de Lei 3428 que fixava datas para as convenções partidárias e o Projeto de Lei 3304 que alterava o plano de aviação nacional e modificava o traçado da BR - 080 e beneficiar cidades goianas.

De 1977 também consta o Projeto de Lei 3.443-A que pedia plebiscito simultâneo com as eleições municipais de 15 de novembro em municípios de Goiás, dentro da Amazônia Legal, sobre a criação do Estado do Tocantins. Aprovada na sessão de 2 de agosto do ano seguinte, a proposta acabou rejeitada no Senado em 1979.

Outro projeto, de nº 5.276, de 26 de junho de 1978 autorizava o Governo Federal a instituir a Fundação Universidade Federal do Tocantins (FUT) com cursos nas áreas de engenharia, ciências sociais, econômicas, médicas e agronomia.

A proposta acabou arquivada em março de 1979, mas em sua justificativa, Siqueira afirmava: “Mesmo que por razões imprevistas, a criação do Estado do Tocantins não ocorra em breve tempo, é nosso ponto de vista que já não se deve postergar a criação de uma Universidade Federal no Grande Norte de Goiás, quando menos para evitar a permanente e perniciosa evasão de jovens”.

O deputado voltou a propor a criação do Estado do Tocantins, desta vez no projeto de lei complementar de n. 187, de 27 de junho de 1978, com 43 artigos. O texto previa a instalação no dia 20 de maio de 1979. no 23º aniversário do "Manifesto Pela Criação do Estado do Tocantins", publicado em Porto em 1956. Previa uma capital em até 10 anos e a provisória, que poderia ser em Araguaína, Colinas, Guaraí, Gurupi, Miracema, Paraíso ou Porto Nacional. Outra iniciativa que acabou arquivada, em decisão no dia 2 de março de 1979.

Impulsionados pelo desmembramento do Mato Grosso em 1º de janeiro de 1979, no início dos anos 1980, a capital federal assiste ao impulso de movimentos políticos, com alcance público, em defesa da criação do Estado, a exemplo da Conorte (Comissão de Estudo dos Problemas do Norte Goiano) que tenta unificar moradores do norte de goiás em torno da separação do estado, ao realizar, discussões dos problemas do norte goiano em congressos temáticos, o primeiro deles em 1982.

Imprensa nacional cobre greve de fome inédita no Congresso Nacional (Acervo Folha) (Foto: Reprodução/Folha de S. Paulo)

Vetos, greve de fome e o artigo 13 das disposições transitórias

Nos anos seguintes, entre 1983 e 1985 há a apresentação de novos projetos para criação do Estado do Tocantins. De Siqueira, uma iniciativa chegou a ser aprovada pelo Congresso, mas acabou vetada pelo presidente José Sarney, no dia 3 de abril de 1985. 

O antigo rival de Araguaína, que havia obtido a condenação de Siqueira em 1970, Benedito Ferreira (PSD) apresentou projeto de lei similar no Senado. De nº 201, lido dia 28 de junho de 1985, também criava o Estado do Tocantins. Aprovado e encaminhado para a sanção do presidente, no dia 9 de dezembro o presidente da República José Sarney também o veta. 

Era um ano especial para Siqueira, pela ida à Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em Nova York como membro da Comissão de Comunicação, na função de observador da Câmara dos Deputados, com direito a condecoração.

Mas, no mesmo dia do veto, uma segunda-feira, Siqueira Campos entra em greve de fome, até então fato inédito no Congresso.

A greve durou até o dia 13 de dezembro, data em que o ministro do Interior, Ronaldo Costa Couto telefonou para o grevista e prometeu instalar a Comissão de Estudos para a Redivisão Territorial, com cinco membros, na semana seguinte. O ministro também convidou o deputado e o senador Benedito Ferreira para indicarem membros do colegiado.

Era uma saída honrosa para o parlamentar que, na véspera, precisou de assistência médica. Siqueira havia vomitado suco gástrico e os médicos da Câmara lhe apresentaram um termo que os eximia de responsabilidade. Não foi preciso. Ao encerrar a greve e iniciar a reposição de glicose, sódio e potássio, Siqueira Campos havia perdido 2,6 quilos: emagrecera de 84 para 77,3 quilos. 

Fruto da comissão, um projeto de Lei Complementar, de nº 13/1985, propunha a criação do Estado do Tocantins. Apresentado pelo Senador Amaral Peixoto, passou no Senado, mas não na Câmara dos Deputados. A sessão do dia 2 de dezembro não teve quórum.

No ano seguinte, Siqueira Campos elege-se para a Assembleia Nacional Constituinte, seu último mandato no Congresso e assume em 1987 a relatoria da subcomissão dos estados da Assembleia Nacional Constituinte. 

No contexto goiano, surge o protagonismo do Comitê pró criação do Estado do Tocantins, encabeçado pelo juiz federal Darcy Martins Coelho, responsável por reverberar o discurso separatista e arregimentar mais de 80 mil assinaturas de apoio a uma emenda popular pela criação do Tocantins na Assembleia Nacional Constituinte.

No dia 26 de junho de 1988, o relator Siqueira Campos entrega ao presidente da Assembleia Constituinte, Ulisses Guimarães, a fusão de emendas na histórica Emenda 00026-1 que criava o Estado do Tocantins, votada e aprovada na sessão da mesma data.

Nascia o Tocantins, pelo artigo 13 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição, promulgada em naquele ano, em um 5 de outubro como este, em que o Tocantins completa 34 anos de história. Uma história entrelaçada com a de José Wilson Siqueira Campos, o Sr. Tocantins.

Com o estado criado, Siqueira é eleito governador e demarca a área da futura capital (Exposição Setentrião) (Foto: Exposição Setentrião/Reprodução)
Os comentários publicados aqui não representam a opinião do jornal e são de total responsabilidade de seus autores.

Comentários