João Edson de Souza
Promotor de Justiça, integra o Comitê de Crise Distrital para Orientação, Prevenção, Monitoramento e Enfrentamento do COVID-19 na saúde indígena, no âmbito do Distrito Sanitário Especial Indígena do Tocantins (DSEI/TO), é membro do Grupo de Trabalho do CNMP para proteção dos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais
 
Quando os portugueses chegaram oficialmente ao Brasil em 1500 estima-se que aqui viviam mais de 5 milhões de brasileiros, a maior parte na região amazônica e no litoral do Nordeste. Hoje, início do Século XXI, as comunidades originais não somam mais de 850 mil indivíduos. 
 
No Estado do Tocantins a comunidade indígena supera os 15 mil indivíduos, sendo que algumas comunidades ainda mantêm de forma significativa um isolamento expressivo, à exemplo da comunidade Avá-Canoeiro (originalmente Ãwa) na Ilha do Bananal.
 
A comunidades indígenas, primeiros brasileiros propriamente ditos, nunca tiveram uma relação tranquila com o estado colonizador que se estabeleceu desde a chegada dos portugueses. Embora nos primeiros anos o número de colonizadores que aqui chegavam muito dependesse dos nativos, seja para salvar suas vidas após inúmeros naufrágios, seja para prestar assistência em expedições e conseguir alimentos, a relação sempre foi difícil, inclusive com a Igreja que objetivava catequisar a população nativa.
 
Com os colonizadores vieram a varíola, o sarampo, o tifo, a peste bubônica, a febre amarela, a rubéola, a catapora, a malária, a pneumonia e as gripes. O que nos faz entender a razão pela qual os descentes destes brasileiros quase desapareceram entre os mais de 230 milhões de brasileiros.
 
Em 1988 com a promulgação da Constituição Federal, que dedicou um capítulo exclusivo denominado “Dos Índios”, com os artigos 231 e 232, onde garante que “são reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
 
Sem dúvida o texto é importante, é fundamental para as comunidades indígenas. O problema é que essas garantias não são implementadas, nem naquilo que se impõe ao Estado para que não destrua, como cultura, as tradições e as crenças, nem naquilo que somente pode ser feito com políticas pública específicas, concretas e efetivas.
 
Há quem não goste da proteção especial que a Constituição Federal de 1988 garantiu aos povos indígenas e, inclusive, divulgue tal pensamento da forma mais ampla possível. Temos que ouvir, é uma opinião. Ocorre que para os agentes públicos as disposições constitucionais não são para serem debatidas, ou rebatidas, mas sim, para serem cumpridas.
 
Já são quase 10 mil indígenas contaminados pela Covid-19 em todo o Brasil. No Tocantins, são 190 casos confirmados, sendo que no dia 10 de julho, o DSEI/TO informou a morte do ancião Juraci Javaé, da aldeia São João. 
 
A situação mais grave nesse momento é enfrentada pelas comunidades da Ilha do Bananal, onde dentro das comunidades já se contabilizam 152 casos, e os números devem aumentar exponencialmente diante das extremas dificuldades que o SESAI/DSEI/TO enfrenta para proteger essas comunidades. Não há pessoal técnico suficiente, EPIs são escassos, quando não existentes. 
 
Com a chegada do mês de julho o cenário tende a ficar ainda mais sinistro para as comunidades da Ilha do Bananal, embora o uso das praias e a circulações esteja proibido, falta disposição estatal para colocar os órgãos de fiscalização em condições de cumprirem seu papel, com destaque ainda para o tamanho expressivo da área que é superior a 20 mil km².
 
Sem a imediata junção de esforços por parte das autoridades do nosso Estado e da União, para o emprego massivo de recurso materiais e de pessoal técnico, as comunidades dos Carajás, Javaés, Tapirapés, Tuxás e os Avá-Canoeiros que ali habitam, menos de 3 mil adultos, idosos e crianças, caminham para a sua aniquilação. 
 
A decisão liminar do Ministro Roberto Barroso na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamento 709, proposta pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil precisa ser cumprida imediatamente. 
 
No caso das comunidades da Ilha do Bananal, a União tem que garantir o cumprimento das restrições de locomoção nos rios e praias da ilha, e precisa ainda garantir o atendimento médico e também a construção de locais temporários, seja por meio do Exército, seja pelo meio possível, desde que efetivo, para permitir o isolamento e tratamento dos indivíduos contaminados, evitando que toda comunidade seja atingida e sacrificada pela epidemia.