João Edson de Souza 
doutorando em Direito e mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa. Promotor de Justiça no Ministério Público do Tocantins.
 
O texto sancionado pelo presidente da República na última terça-feira (24), a Lei 13.964, segue a trilha tortuosa da legislação penal vigente em nosso país, ávida em alocar institutos jurídicos até então estranhos em nosso ordenamento – embora de ampla utilização nos Estados Unidos e principalmente na Europa–, sempre ignorando os padrões mínimos de tecnicidade jurídica que naturalmente se espera.  
 
A legislação que entrará em vigor dentro de 30 dias é constituída em parte por um projeto anticrime idealizado pelo ministro Sergio Moro e outra parte por ideias de uma comissão de juristas presidida pelo ministro Alexandre de Moraes do Supremo Tribunal Federal (STF), quando ocupava o posto de Moro no governo de Michel Temer. 
 
Certamente, as carências dogmáticas às quais o texto sancionado sofre não decorrem da capacidade de seus idealizadores, mas, provavelmente, pela forma que o Congresso Nacional trata nossa legislação penal. 
 
Tomemos o caso do projeto de lei 8.045, de 2010, de autoria do então senador José Sarney, que objetiva instituir um novo Código de Processo Penal, mas ainda em discussão na Câmara dos Deputados. O atual Código de Processo Penal data de 1941 e o Código Penal de 1940, ambos por decreto-lei de Getúlio Vargas, durante o período do Estado Novo. 
 
O natural efeito da codificação legislativa é estabelecer um texto normativo formal e materialmente estruturado, quer dizer, que seja tecnicamente operável pelos juristas e responda às necessidades da sociedade para qual a legislação foi gerada. Uma boa codificação legislativa tem como grande mérito impedir a ocorrência de nulidades processuais. 
 
A norma existe para solucionar algum problema, constatado no mundo dos fatos, que deve ser resolvido. Tudo em prol do interesse comum. Não há outra razão: as leis existem somente para atender ao interesse coletivo. 
 
Então, para exemplificar, não se olvida que a intenção do legislador ao instituir o juízo de garantias na Lei 13.964 é a melhor possível, inclusive, é quase inexpressiva na literatura jurídica eventuais críticas ao sistema do juízo de garantias. Nesse sistema há um juiz que preside a fase de investigação que passa a ser impedido de atuar na fase de julgamento, exigindo outro juiz para essa fase processual.
 
O problema é que, apesar de importante e alinhado ao sistema acusatório estabelecido pela CF/1988, a sua concretização não pode se dar em 30 dias (provavelmente nem em 300 dias).
 
No processo penal contemporâneo, nos embates entre o Ministério Público, titular da ação penal e fiscal da ordem jurídica, e a defesa dos acusados de crimes graves e complexos (corrupção, lavagem de dinheiro e tráfico), o debate jurídico se restringe a questões técnicas, à busca pela invalidade dos atos processuais. 
 
O mérito (o fato delituoso), em regra, é deixado de lado nesses casos, pois a prova produzida é incontestável, e a condenação é certa, o que não interessa à defesa de réus que possuem recursos para inviabilizar o julgamento e consequente condenação.
 
Nesse contexto, mesmo se reconhecendo as boas intenções do legislador, pautado, provavelmente, no ideal de defesa (intransigente) da proteção dos direitos individuais, o fato é que não se faz uma legislação processual penal à altura das peculiaridades do Brasil por meio de retalhos legislativos.  Essa exagerada atecnia legislativa não responde às necessidades e aos anseios da nossa sociedade. Ao contrário, tende, tão somente, a gerar mais tumulto e nulidades no processo. 
 
O processo penal somente encontra razão de ser quando responde aos anseios da sociedade, quando garante que agentes públicos e poderosos, serão efetivamente e a bom tempo punidos pela malversação dos escassos recursos públicos. Isso não se alcança com retalhos legislativos.