Aproprio-me de espetacular metáfora de que fez uso o filósofo Luiz Felipe Pondé ontem neste espaço no irretocável texto “Floquinhos de neve no metrô” para – sem a sua genialidade – estabelecer, a propósito, um paralelo com os nossos “floquinhos de neve”.

Temos também por aqui a nossa “zona verde”, representada por servidores, governo e deputados. É uma área –Executivo e Legislativo - que deve engolir este ano 91% de todos os recursos oriundos da poupança popular que possam cair no tesouro estadual.

É o setor formado dos sem-noção. Os deputados gastaram de maio/2017 a abril/2018 (relatório do primeiro quadrimestre) R$ 131,7 milhões brutos com salários e vantagens. Acima da LRF. Podem fechar o segundo quadrimestre gastando mais que isso e, sabe-se agora, teriam recentemente contratado por R$ 6 milhões empresa terceirizada para serviços de copa e garçom, sucos, cappuccino e polpas de frutas e coisas do gênero.

O Executivo – o nosso outro floquinho de neve – já consumiu com a sua própria manutenção até ontem 97,8% de todas as suas despesas previstas. Investiu apenas 2,2% de tudo que gastou. Só com salários de servidores, desembolsou, somente de janeiro a julho, R$ 3,6 bilhões. O equivalente a 65% dos R$ 5,5 bilhões previstos para 2018.

Ou seja, R$ 400 milhões acima do valor estimado em média para os sete meses. Significa que se tiver financeiro e manter inalterado o gasto – algo improvável pois já se anuncia promoções a militares - não terá orçamento para pagar uma folha de salários em 2018 e, claro, 13° salário e férias daqueles que os tem direito em dezembro.

Ainda que os recursos não tenham a mesma elasticidade dos reajustes salariais e benefícios, os servidores, deputados e governo situados nessa zona verde não enxergam problema algum no horizonte. Fazem uso imediato da política em curso, deixando de lado o mediatismo resultante da ação.

O pessoal dessa zona verde não gosta que o lembre das finalidades do serviço público que não pode arrecadar para apenas pagar a si mesmo. Faltou grana, mais impostos. Miram-se nos ovos e se esquecem da galinha. São segmentos que se veem importantes por sua existência em si quando sua relevância se encontra no serviço que prestam e na razoabilidade de seu custo.

Essa zona verde é financiada pelos 96,7% da população situados – para tomar a régua de Pondé - nas zonas azul e vermelha. São os que irão pagar até o final do ano R$ 2,291 bilhões em impostos e contribuições. Não tem plano de saúde, emprego vitalício, nem aposentadoria garantida com salário da ativa. Não tem correção da inflação nos seus ganhos. Só nos seus gastos no supermercado.

Mas são aqueles que padecem nas salas vermelhas dos hospitais públicos do Estado. Sem medicamentos, roupas, lençóis, filas de espera na cirurgia e alimentação inadequada. São os que, na metáfora de Pondé, sobrevivem com um banheiro para dez pessoas em casa.

A polpa de frutas dos deputados, a farra fiscal do governo e o apoio dos servidores a tudo que os beneficie diretamente, enquanto crianças vão a óbito nos hospitais públicos por falta de atendimento, são, assim, sintomáticos: perderam a noção, se já a tiveram.