Carlos Alberto Di Franco
é jornalista

O Supremo Tribunal Federal (STF) tem ultrapassado todos os limites nas suas enviesadas leituras da Constituição, do Direito e dos fatos. Tem-se a impressão de que os ministros, protegidos pelo ambiente rarefeito da Corte, perderam conexão com o mundo real. Vivem inebriados com o poder e seduzidos pela vaidade. Vamos ao último episódio de um filme surreal e assustador: a suspeição de Sergio Moro. 

A Segunda Turma do STF julgou um habeas corpus inexistente, aquele que alegava suspeição do então juiz Sergio Moro no processo do tríplex do Guarujá, em que o ex-presidente Lula foi condenado por corrupção e lavagem de dinheiro.

De fato, este processo e todas as ações contra Lula que correram na 13ª Vara Federal de Curitiba foram anulados por decisão monocrática do ministro Edson Fachin. Como salientou editorial do jornal Gazeta do Povo, “a lógica básica leva a concluir que todos os recursos ligados a tais ações estão igualmente nulos, e já naquele momento era evidente que a única solução sensata era deixar para julgar a suspeição de Moro só depois que o plenário do Supremo julgasse a liminar de Fachin sobre a anulação dos processos de Lula”. 

A lógica, no entanto, foi rompida. Quatro ministros da Segunda Turma criaram a figura do “processo zumbi”, um recurso morto-vivo que poderia ser julgado mesmo sendo nulo. E partiu para o absurdo de avançar na suspeição antes de resolver a questão da nulidade das ações.

Na verdade, a Segunda Turma do STF ofereceu muitos elementos contrários à própria imparcialidade. Assistimos, atônitos, a um show de engajamento, a um espetáculo de desconstrução da Lava Jato e, finalmente, em nome de uma inexistente obstrução ao direito de defesa do condenado Lula da Silva, um brutal ataque e cerceamento do direito de defesa do então juiz da Lava Jato. 

Tudo muito estranho. A mudança de voto da ministra Cármen Lúcia, indicada ao STF pelo ex-presidente Lula, foi patética. Todos os “novos elementos” citados pela ministra para justificar a pirueta já eram conhecidos quando ela tinha votado contra a suspeição de Moro. Todos, rigorosamente todos, anteriores a 2018, como a condução coercitiva de ex-presidente em 2016. Sua argumentação não se sustenta em pé. É uma bofetada na inteligência e na memória dos brasileiros. Na prática, seu voto foi um deboche. 

E Gilmar Mendes? Deixando de lado seu choro emocionado na homenagem que prestou à defesa de Lula, o ministro, na qualidade de presidente da turma, em vez de indagar se mais alguém tinha algo a acrescentar e proclamar o resultado, protagonizou cenas constrangedoras ao passar horas reafirmando o que já havia dito em seu voto, repetindo clichês como a comparação da Lava Jato com o totalitarismo soviético e a Stasi alemã-oriental, e relendo supostas mensagens que ele mesmo dizia não serem necessárias para comprovar a parcialidade de Moro. Poucas vezes se viu tamanha desmoralização do Supremo como a que o País assistiu durante o julgamento da Segunda Turma.

A higienização da ficha suja de Lula por Edson Fachin e a condenação de Moro pela Segunda Turma do STF, configura um sistema de governo imprevisto na constituição republicana: a ditadura do Poder Judiciário. Cabe à sociedade, com vigor e firmeza, pressionar o Senado para o necessário realinhamento e superação do desvio. 

Esperamos, todos, que o Supremo deixe de ser um partido político e volte a ser um tribunal constitucional.
                                   Jornalista. E-mail: difranco@ise.org.br