Ana Lúcia Gomes Vanderley Bernardes
Promotora de Justiça do MPTO. Titular da 4ª Promotoria de Gurupi
 
Júlia Bernardes Vieira
Estudante de Direito da Universidade Federal de Goiás (UFG). 
E-mail: juliabevi@gmail.com
 
Um dos principais marcos brasileiros na luta contra a violência doméstica e familiar foi a criação da Lei Maria da Penha (Lei n° 11.340 de 7 de agosto de 2006). Contudo, a luta contra as opressões de gênero já vem de muitos anos, principalmente graças às ações dos movimentos feministas, que já resultaram em grandes avanços nos direitos das mulheres. No entanto, os índices de violência contra a mulher no Brasil ainda são alarmantes, demonstrando que mesmos com os avanços já conquistados ainda há muito a ser feito. 
 
Maria da Penha Maia Fernandes é uma farmacêutica bioquímica, cuja trajetória de 19 anos e 6 meses em busca de justiça pelas violências que sofreu de seu ex-companheiro, ficando inclusive paraplégica e sofrendo uma tentativa de eletrocutamento, fez com que a lei fosse nomeada em sua homenagem. 
 
O caso teve repercussão internacional, vindo o Brasil a ser responsabilizado, em 2001, pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH/OEA), por negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. Assim, após muitos debates entre o Estado e a Sociedade, a Lei Maria da Penha foi sancionada em 2006. 
 
  • A Lei Maria da Penha reflete a sensibilidade feminista no tratamento da violência doméstica. Ao desconstruir o modo anterior de tratamento legal e ouvir as mulheres nos debates que antecederam a aprovação da Lei 11.340/2006, o feminismo registra a participação política das mulheres como sujeitos na construção desse instrumento legal e sugere uma nova posição de sujeito no direito penal [1]
 
Como evidenciado pela professora Carmen Hein de Campos, a partir da Lei n° 11.340/2006, houve uma visão mais sensível sobre os delitos sofridos pelas mulheres. 
 
Importante ressaltar que no contexto da pandemia de Covid-19, vivenciado atualmente, além de todas as dificuldades já apresentadas, o confinamento reforça a vulnerabilidade da mulher em situação de violência, haja vista, que em diversas ocasiões elas residem junto ao seu agressor. Sendo assim, a dificuldade em se deslocar para uma delegacia prejudica a realização da denúncia. 
 
Assim sendo, um efeito secundário da pandemia foi o aumento da violência doméstica, mas com uma expressiva subnotificação. Os números de registros de violência contra mulher caíram no Tocantins em relação ao mesmo período de 2019, na contramão do aumento dos números de denúncias feitas aos canais da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH) [2]. Portanto, é imprescindível que as vítimas e a sociedade realizem as denúncias de violações contra a mulher.
 
Ademais, a violência doméstica e familiar contra mulher não existe apenas na forma de agressão física, podendo ser caracterizada por abuso psicológico (envolve a humilhação, diminuição da autoestima, vigilância constante e rejeição, que fere moralmente a vítima com ofensas, diminuindo-a, ridicularização, perseguição, entre outras, podendo ser silenciosa), moral (qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria), sexual e patrimonial (cometida ao se apropriar do dinheiro da vítima, exploração financeira, além da destruição patrimonial ou de instrumento de trabalho).  Essas formas de violência tipificada são definidas no artigo 7° da referida lei.
 
Sendo assim, fica claro que, mesmo com o advento da Lei Maria da Penha, a violência doméstica e familiar continua sendo um traço presente na cultura brasileira. Por isso, não deve ser tratada como um problema apenas da esfera privada, devendo ser combatida a ideia do ditado popular de que “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. Assim, é de extrema importância que a sociedade civil denuncie através dos diversos canais disponíveis, como o “Disque Direitos Humanos” e o “Disque 180”, a fim de que possibilitar que essas violações cheguem às autoridades competentes. 
 
--------------------------------------------------------------------------
Referências 
 
INSTITUTO MARIA DA PENHA. Quem é Maria da Penha?Disponível em: <https://www.institutomariadapenha.org.br/quem-e-maria-da-penha.html
https://www.politize.com.br/movimento-feminista/>. Acesso em: 05 de ago. 2020. 
 
BRASIL. LEI Nº 11.340, DE 7 DE AGOSTO DE 2006. Lei Maria da Penha, Brasília,DF, ago. 2006. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm>. Acesso em: 05 ago. 2020.
 
[1] CALAZANS, Myllena; CORTES, Iáris. O processo de criação, aprovação e implementação da Lei Maria da Penha. In: CAMPOS, C. H. (Org.). Lei Maria da Penha comentada em uma perspectiva jurídico-feminista. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. Disponívelem: <http://themis.org.br/wp-content/uploads/2015/04/LMP-comentada-perspectiva-juridico-feminista.pdf>. Acesso em: 05 de ago. 2020. 
 
[2] ROSA, Márcia. Números de registros de violência contra mulher caem no Tocantins e a Cidadania e Justiça reforça a necessidade de denunciar. Tocantins. 26 de mai. 2020. Disponível em: <https://cidadaniaejustica.to.gov.br/noticia/2020/5/26/numeros-de-registros-de-violencia-contra-mulher-caem-no-tocantins-e-a-cidadania-e-justica-reforca-a-necessidade-de-denunciar/>. Acesso em: 05 de ago. 2020.