O sargento da Covid ajuda a salvar vidas

Salatiel Soares Correia
é engenheiro, mestre em Ciências pela Unicamp. É autor, entre outras obras, de Cheiro de Biblioteca.

Não me lembro do nome do recruta nem do sargento, mas lembro-me da história daquele grande filme norte-americano. Jovens recrutas perseguiam o grande sonho de suas vidas: o de se tornarem oficiais de um dos exércitos mais poderosos do mundo — o dos Estados Unidos da América.

Para isso, teriam os candidatos de se submeterem a duras provas impostas por aquele sargento que tinha o objetivo diametralmente oposto ao deles: impedir que a maioria dos candidatos se tornasse oficial do exército norte-americano. O longo caminho da vitória passava por uma série de provas que só os mais fortes conseguiam alcançar. A mensagem era clara: no exército norte-americano, não há lugar para fracos.

A grande maioria dos candidatos desistia no meio do caminho. Raro, muito raro era aquele recruta que conseguia chegar ao final e capacitar-se para ser um oficial do exército norte-americano.

Um jovem ousou ir até o final. Para isso, enfrentou as duras e humilhantes provas impostas pelo sargento. Da sola do coturno no rosto à obrigação de comer lama, tudo foi feito para que o candidato oficial desistisse, mas ele continuou firme e forte na sua vontade de se tornar oficial. O incansável sargento não se dava por vencido, impondo ao jovem recruta pesados exercícios físicos por horas e horas. “Desista, todos desistiram e estão em casa, por que com você vai ser diferente”, disse o sargento. “Porque vou ser oficial do exército dos Estados Unidos”, respondeu o recruta que, enfim, tinha pela frente uma promissora carreira que o levaria ao generalato.

O final do filme nos reservou a mais emocionante cena: o já tenente volta ao campo de provas e lá encontra o sargento diante de uma nova turma de recrutas. O sargento prestou continências a seu, agora, superior hierárquico; e este, muito agradecido, reconheceu o relevante papel que teve aquele instrutor negro, que continuaria assim, sem perspectivas de ascensão na carreira militar, em um exército no qual só uma elite branca chegava ao generalato. Ciente disso, o futuro general tocou no ombro do sargento e disse-lhe: “obrigado, sem o senhor, eu jamais teria conseguido”.

Com o mesmo espírito do oficial, venho a público registrar o meu sincero agradecimento ao chefe da UTI de um conceituado hospital de Goiânia. Estive lá internado por oito dias para me tratar de uma Covid que comprometia 50 por cento de meu pulmão. Naquele momento de dificuldade pessoal, o médico me disse algo que ele realmente cumpriu: “Vou lutar pelo senhor”. A partir daí, a relação paciente-médico se tornou uma batalha entre um paciente rebelde e um médico durão, que, às vezes, precisa agir assim, pois quem está na UTI luta pela morte, ainda mais nesses tempos de Covid, em que a rotina de intubamentos suga a energia daqueles bravos funcionários que trabalham no limiar entre a vida e a morte. Naqueles oito dias que jamais esquecerei na minha vida, o chefe da UTI, com muita habilidade (junto com o fisioterapeuta Leandro), foi convencendo-me a usar algo que se tornou meu passaporte para a cura: o capacete. A partir daí os 50 frascos de soro, as mais de quarenta injeções, muita quantidade de plasma injetado e uma infinidade de comprimidos foram fundamentais para que eu, assim como o oficial do filme, vencesse os desafios que me eram impostos. Ele, para se tornar um oficial, e eu, na luta pela vida.

A cena final do filme muito se assemelha com minha estada na UTI daquele hospital. No dia mais feliz da minha vida, o chefe da UTI me comunicou: “̶  hoje o senhor terá alta”. Quando ele me disse isso, não pude conter as lágrimas e disse, em particular, o mesmo que o oficial ao sargento do filme:  ̶  obrigado, doutor Werley. O senhor realmente lutou por mim! Sem o espírito de luta do senhor e de sua equipe, eu jamais teria conseguido.