Salatiel Soares Correia
Engenheiro, Bacharel em Administração de Empresas, Mestre em Ciências pela Unicamp. É autor, entre outras obras, de Cheiro de Biblioteca. 

São Paulo, 21 de outubro de 1967. Os tempos turbulentos elevavam a temperatura por causa da ditadura militar, da qual o Presidente Costa e Silva se mostrou ser a face mais dura do regime.

Num ambiente assim, cinco jovens, com idades em torno dos 20 anos, esperavam, ansiosos, o resultado de um evento que se mostrou bastante significativo na vida profissional de cada um deles.

Com a mesma expectativa estava aquela multidão, de mais de duas mil pessoas, que se acotovelava no auditório de um teatro que sediou o mais importante festival da Música Popular Brasileira: o Festival da Record de 1967.

A ânsia daqueles cinco rapazes e do público se justificava pelo fato de que um deles se tornaria o grande vencedor do festival. A euforia dos cinco artistas se somava ao barulho ensurdecedor daquela plateia ansiosa que estava para saber se sua canção favorita seria a grande vencedora.

Vamos, pois, às apresentações dos artistas. Senhoras e senhores, com a lupa do tempo voltada para um passado de 53 anos, eu vos apresento o nome desses cinco jovens cujas carreiras mudaram de patamar após o festival da Record de 1967. São eles: Roberto Carlos, Caetano Veloso, Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil  e Edu Lobo.

Edu Lobo, com sua saborosa e ritmada “Ponteio”, foi a grande vencedor. Os demais classificados  emplacaram canções que se tornaram clássicos da nossa Música Popular Brasileira. Gilberto Gil, com seu “Domingo no Parque”, foi a vice-campeã. Chico Buarque, com “Roda Viva”; Caetano Veloso, com “Alegria Alegria”; e Roberto Carlos, com “Maria”, ficaram, respectivamente, em terceiro, quarto e quinto lugares.

O endurecimento do regime político influenciou para que o teatro da Record se tornasse o palco de protestos de jovens que contestavam a favor da legalidade do regime.

Quem de perto sentiu a fúria daquela juventude transviada foi o cantor e compositor Sérgio Ricardo. As ensurdecedoras vaias contra o autor de “Beto Bom de Bola” foram decisivas para que Sérgio Ricardo não apresentasse sua música. Aquele barulho infernal fez o cantor perder a cabeça. Passados 53 anos do acontecido, ninguém se esquece daquelas imagens em que Sérgio Ricardo, enfurecido e completamente tomado pela louca da casa, diz e, depois, faz: “vocês venceram!”. Após isso, ele quebrou o violão e jogou para a plateia. Esse episódio acabou tornando-se mais relevante do que, de certo modo, a irrelevante carreira do autor de “Beto Bom de Bola”.

O Festival da Record de 1967 revelou outros nomes cujas carreiras se mostraram imunes às areias do tempo. Esse foi o caso da cantora escolhida como melhor intérprete do festival, a grande Elis Regina, e da cantora Rita Lee, esta, sem os mutantes, construiu uma carreira de sucesso! 

O festival da Record de 1967 fez mais que revelar grandes cantores e compositores. Foi a partir dele que o Brasil conheceu a Tropicália de Gil e Caetano, a Jovem Guarda do Rei Roberto Carlos e a música brasileira mais intelectualizada da qual Chico Buarque, Nara Leão, Elis Regina   e Edu Lobo são quatro dos mais expressivos representantes.

Com o passar do tempo, a Rede Globo bem que tentou reviver a era dos grandes festivais da Record. Fracassou redondamente. O clima não era o mesmo dos vibrantes anos de 1960. Além disso, a frieza tecnológica muito contribuiu para o imobilismo dessa nova plateia em nada parecida com aquela zona estudantil que lotava o teatro da Record daquela época. Uma plateia, ainda, não movida pelas drogas, mas sim por muita cerveja, cigarro e sexo sem rock and roll.

A moderna música brasileira, após Samba Canção e Bossa Nova, não existiram sem aqueles loucos da era dos festivais; nesse contexto, o Festival da Record de 1967 tem seu lugar na história. Foi ele o marco decisivo de uma nova era da Música Popular Brasileira.