Salatiel Soares Correia

é Engenheiro, Bacharel em Administração de Empresas, Mestre em Ciências pela Unicamp. É autor, entre outras obras, de Cheiro de Biblioteca.

Como é do conhecimento público, este articulista foi abatido pela Covid-19. Após uma internação de oito dias – entre angústias e medos –, iniciei uma série de artigos contando minha experiência com este mal do século vinte um.

No assunto de hoje, abordo o uso de um equipamento inventado no estado do Ceará sob liderança científica do médico Marcelo Alcântara: o capacete.

Logo no primeiro dia de internação, acompanhado de minha irmã, médica, e de meu cunhado, também médico, foi-me apresentado esse equipamento que eu deveria usar para evitar de ser entubado. Confesso que tremi nas bases ao ver, nas mãos do chefe da UTI, um capacete parecido com aqueles usados pelos astronautas nas viagens ao espaço sideral.

Na condição de engenheiro, com uma boa formação em física eletromagnética, logo percebi que uma pessoa de personalidade inquieta como a minha não suportaria ficar horas com um equipamento que mais parecia uma fonte geradora de vácuo quando instalado na minha cabeça. Isso mexe com nossas mais profundas emoções.

Éramos umas 15 pessoas internadas na UTI. Tanto para a senhora à minha esquerda quanto o senhor à minha direita, o processo de cura tinha único caminho: o uso do capacete.

A senhora se recusou a usar o equipamento. Eu também me recusei, mas, para o terceiro companheiro, com comprometimento de mais de 70% dos pulmões, só existia uma solução: ou usava ou morreria.

Colocado o capacete na cabeça dele, presenciei aquele homem, durante longas 33 horas, passar pela agonia dos enforcados alimentada por um vácuo agonizante que mexia fundo nas emoções do bravo senhor, ele combatia para não ser derrotado pela batalha da morte que seria travada no último degrau da luta pela vida: a do entubamento. Durante horas e horas, aquele senhor de 67 anos só chorava, chorava, chorava.

Ao presenciar toda aquela cena, minha colega de UTI manteve firme sua teimosia em não usar o capacete. Creio que o nível de comprometimento pulmonar dela era menos grave do que o meu e o daquele guerreiro da vida. 
Já conhecendo minha inquieta personalidade, o excelente fisioterapeuta Leandro me fez a seguinte proposta:

– O Senhor não quer tentar usar o capacete só por cinco minutos?

– Você promete que, em cinco minutos, volta aqui e desliga o equipamento?

– Prometo. Respondeu ele.

– Dito e feito. Em cinco minutos, lá estava o competente Leandro cumprindo sua palavra.

Logo depois do almoço, volta o Leandro com um novo desafio: que tal tentarmos usar 15 minutos. Prometo que em 15 minutos volto e novamente desligo. Na última proposta de Leandro nem deixei ele expressar, olhei agradecido, no fundo dos seus olhos, e falei: depois do que vi, vai lá, Leandro, liga o equipamento por mais 15 minutos.

E, assim, entre idas e vindas do fisioterapeuta, acabei conseguindo o que era impossível para uma alma inquieta como a minha: usar o capacete, entre ligar e desligar, cerca de duas horas e treze minutos.

É bem verdade que isso está muito distante das horas que meu companheiro suportou. No caso dele, o uso do capacete resultou num extraordinário nível da elevação da oxigenação, que passou de 30% para aproximadamente 97%. No meu caso — mais grave que o daquela senhora e menos grave do que o daquele velho guerreiro —, o uso do capacete elevou meu nível de oxigenação de 60% para 95%. Assim, após 8 dias de UTI, cerca de 50 injeções, uns 40 litros de soro, várias aplicações com plasma e nem sei quantos comprimidos, estou em processo de recuperação. 

Do uso do capacete tenho a dizer que: aqueles que forem para uma UTI com baixo nível de oxigenação, o uso do capacete salva vidas. Pelo que vi e senti, sei que essa é uma grande verdade.