Gabriel Dias
 
Uma criança, tão jovem, cheia de curiosidade e talento, foi ao grande Theatro Fernanda Montenegro e se apaixonou pelo Espaço Cultural. Crianças andando de skate e patins, lá dentro um hall encarpetado com pesadas cortinas, um piso de madeira no palco, o escuro completo antes da iluminação entrar em ação, os atores se movimentando. Sorriu, se divertiu, foi para casa satisfeita. Logo descobriu que tinha um curso gratuito de teatro, se matriculou na mesma semana e foi mágico.
 
Em pouco tempo, realizou seu sonho, entrar na faculdade federal. Estudou com afinco para se tornar professora daquilo que amou descobrir quando criança: O TEATRO, A CULTURA. Quando se formou, percebeu que nos colégios do estado não havia vagas, os professores de teatro são em sua maioria professores de outras disciplinas. Concurso? Nem pensar! Para montar sua peça teatral precisa de dinheiro, coisa que ela não tem. Mas como conseguir se os editais estão parados? Ela mora em Luzimangues, em Porto Nacional, que não tem edital como tem de vez em quando em Palmas. E agora? Mas ela tem sorte, mora perto da capital. Como fica quem mora lá no bico, ou lá nos cartões postais do estado? Será que já foram ao teatro?
 
A história da nossa heroína é complicada, assim como é a da maioria das pessoas que se arriscam viver de cultura no estado. Uma luta admirável. Como poderíamos evitar que gerações sofram o mesmo que ela?
 
No dia 30 de setembro de 2003 fizeram uma tal de Lei n° 1.402, que prevê não só incentivar a formação artística e cultural, mas também destinar 0,5% da receita tributal líquida do estado para a cultura (e tem gente que reclama que gasta demais, imagine!). Além dessa teve uma outra lei de número 3.252, de 31 de julho de 2017, que criou o Sistema Estadual de Cultura, imaginada para facilitar a integração entre Governo Federal, Estado e Municípios. Demanda antiga da classe que queria ver a política cultural se enveredar por todo o estado. Nesse documento se lê: “I - assegurar os meios de desenvolvimento da cultura como direito de todos os cidadãos com plena liberdade de expressão e criação; II - universalizar o acesso aos bens e serviços culturais;”.
 
E o que está acontecendo? Não está tudo bem? Não, não estamos nada bem. Os diversos governadores que passaram pelo Palácio Araguaia nos últimos 7 anos (e foram vários) não conseguiram lidar com um fantasma que vira e mexe vem espantar a classe e a gestão de cultura em exercício, quando reaparece o famoso “Edital de 2013”, BUH!
 
A falta de vontade política de resolver essa questão, deixada pela Gestão Siqueira, paralisou o setor e enfraqueceu a institucionalidade do órgão da área, que já foi Fundação, Secretaria, já foi ligada à Educação ao Desenvolvimento Econômico e agora está ligada ao Turismo. Não tem como isso dar certo. A gestão atual sofre porque não há experiencia institucional para a realização de editais. Os departamentos jurídicos e financeiros ainda lutam para entender as características da área.
 
Do fatídico ano de 2013 até hoje, a maior conquista foi a criação do Sistema Estadual de Cultura que nunca funcionou apropriadamente e agora precisa acontecer à "fórceps" na pandemia por uma instituição enfraquecida, fazendo o artista sofrer ainda mais. A notícia de interferência direta do Ministério Público Federal (MPF) no edital emergencial Aldir Blanc deixou muitos de nós apreensivos. Será que dará tempo de acontecerem os pagamentos com essa janela tão curta? Ou será que o dinheiro vai voltar para o desGoverno Federal?
Infelizmente os políticos estaduais ainda não sabem lidar com as necessidades do setor, que não aceita mais os antigos atendimentos de balcão e que urge por políticas públicas de estado consolidadas. O que se faz é justamente o contrário, com museus largados, bibliotecas fechadas, pagamentos não realizados e um local fértil para se destinar emendas parlamentares que na maioria dos casos favorecem uma fatia da produção que justamente não precisa de apoio estatal: a indústria cultural. Mas essa é conversa para outra hora. Quem diria que os protestos solitários de Costandrade travestido de Fantasma na porta da Fundação Cultural do Tocantins fariam tanto sentindo ainda em pleno ano de 2020 pandêmico?
 
Nossos governantes e políticos precisam urgentemente entender a importância da indústria criativa, que gera emprego para quase todas as profissões existentes, gera renda, oportunidades, arrecada impostos, fortalece a cultura local e ao fazer isso chama a atenção de quem é de fora. Tem quem chame isso de turismo! Além disso o cidadão que tem acesso à cultura é beneficiado de diversas formas, melhora, por exemplo, a saúde mental, tão necessária nesse momento de distanciamento social, e isso é só um deles.
 
“Cabe ao Estado do Tocantins garantir a todos os tocantinenses o pleno exercício dos direitos culturais”. A classe artística cobrará sempre para que possamos em breve ver esse trecho, retirado do Sistema Estadual de Cultura, colocado em prática.
 
Queremos ver nossos futuros heróis culturais em voos mais poéticos e férteis. Chega de tanto suor, sacrifício e sangue. Sigamos para novos ares, reverenciando a contribuição que tantos mestres e mestras nos deixaram, construindo diariamente a cultura tocantinense.