Elson de Souza Ribeiro
Historiador e professor da rede estadual de Goiás e escritor

     - Alô, eu gostaria de falar com o Presidente.
     - Pô, não tá reconhecendo minha voz? Aqui é o Bolsonaro, o Mito. E você, quem é?
     - Sou Montesquieu.
     - Quem? 
     - Montesquieu, o filósofo que idealizou a divisão dos Três Poderes.
     - Hummm... tá ok! E daí? 
     - Senhor Presidente, se me permite, o Senhor deve lembrar-se dos tempos da escola, quando seu professor de História falou da divisão dos Três Poderes, não?
     - É... vagamente.
     - Então, vou aguçar sua memória: sistematizei um modelo político que caracterizou o Estado Democrático de Direito.
     - Não estou gostando desta conversa! Tá parecendo papo de E S Q U E R D I S T A. Seja breve, por favor, porque amanhã é domingo e eu tenho que comparecer numa manifestação.
     - Calma, eu explico: na Europa, na época do Absolutismo, os reis abusavam da autoridade. Organizei então a divisão do poder em três instâncias: Executivo, Legislativo e Judiciário.
     - Eu sei disso tudo aí, você acha que eu sou burro? 
     - Sr. Presidente, estou informado de que em seu governo existe uma certa dúvida quanto a esta interpretação.
     - Que dúvida? Não existe dúvida nenhuma. Isso aí deve ser fake news, tá ok?
     - O seu advogado, aliás, o seu Procurador da República, falou em “poder moderador das Forças Armadas”. O que foi aquilo Presidente?
     - Eu concordo com o que ele falou lá. Nós queremos fazer cumprir o Artigo 142 da Constituição Federal, mas, se precisar eu posso pedi isto daí.
     - “Isto daí”, o quê?
     - Que as Forças Armadas intervenham para restabelecer a ordem no Brasil.
     - Estudei a história jurídica do Brasil e, tal qual a maioria dos países do mundo que adotaram a República, a sua Constituição é inovadora, pois define com clareza quais são os poderes da República.
   - Inovadora nada, é uma constituição C O M U N I S T A. As Forças Armadas pertencem ao Estado brasileiro e o Presidente sou eu.... Como disse aquele rei lá, o... qual é o nome dele mesmo?
     - Luís XIV, o “Rei Sol”?
     - Esse mesmo, ele disse: “O Estado sou eu”. Então...
     - É, mas o final da sua vida não foi bom. Ele teve Gangrena.
     - Ah, mas isso foi com ele lá, eu tenho um histórico de atleta.
     - O Senhor precisa entender que com a Proclamação da República implantou-se um órgão de cúpula do Poder Judiciário. O Brasil, desde então, adotou os três poderes: Executivo, Legislativo e Judiciário. Não há nenhum acima deles. Este sistema é o que traz equilíbrio.
     - Equilíbrio, que equilíbrio? Eu só tô vendo desequilíbrio. Cadê as Forças Armadas? Cabe mais um poder aí.
     - De acordo com a Constituição de 1988, o Artigo 2º, não prevê um poder moderador. A palavra final será sempre do Judiciário, representado pelo Supremo Tribunal Federal que é o interprete da Constituição.   
     - Quem manda sou eu!
     - O Senhor então, quer eliminar a última palavra que compete à Corte Suprema e, passar para as Forças Armadas, cujo comandante maior é o Senhor mesmo?
     - Agora você entendeu né, cara pálida! 
     - Não, isso não é possível e não é democrático. 
     - Espera aí, sabichão, o que cabe então às Forças Armadas nesta divisão de poderes aí?
     - Segundo o próprio Artigo 142 as Forças Armadas não fazem parte do governo, pois este é civil e não militar. Cabe a elas a defesa da pátria e também garantir os três poderes constitucionais. E, por iniciativa de qualquer um destes poderes, garantir a lei e a ordem. As Forças Armadas não substituem os poderes e não se sobrepõem a eles, sua atuação tem de ser delimitada por lei e o Supremo terá sempre o poder de examinar a constitucionalidade das requisições para o emprego delas e, portanto, dar a última palavra.
     - Que m@#da! Po&#a!
     - Alô? Presidente? Não estou te escutando. Alô, alô, alô......