Luiz Armando Costa
 
Nas esferas de explicações sobre Hitler há o mito da sobrevivência. Ele teria escapado do bunker de Berlin e escapado de um julgamento. Não só do holocausto como do corpo da sobrinha Geli Raubal¸ encontrada morta com um tiro em seu apartamento e junto à sua arma, uma Mauser 6.35. 
 
Era setembro de 31, às vésperas da vitória eleitoral de Hitler que o levaria ao poder. Não fosse a interferência na investigação policial, o destino, tanto do ditador alemão quanto da humanidade, seria outro.
 
O Brasil somava ontem 140 mil mortos pela Covid-19 e 4,5 milhões de pessoas contaminadas. O presidente da República discursava na ONU reiterando o êxito das ações governamentais no combate ao vírus. 
 
E fazia um apelo contra a cristofobia num país de 180 milhões de pessoas que dizem seguir o cristianismo (86%). Ou: 180 milhões estariam sendo massacrados pelos outros 30 milhões num Estado constitucionalmente laico.
Puro escapismo. O Chefe da nação busca escapar das consequências de suas irresponsabilidades com narrativas paralelas. Em qualquer lugar que não padecesse de insanidade, seria tratado como um maluco irresponsável e irrespondível. No Brasil, algo próximo de 12% o segue.
 
Como não apontar a inescapável inverdade de que queimadas estariam sob controle com as imagens em tempo real do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Ou o avanço do desmatamento na Amazônia e que o índio e o caboclo são responsáveis pelas queimadas na maior floresta em pé do planeta.
 
E o que dizer dos mil dólares de auxílio emergencial. Não pára de pé: foram cinco parcelas de R$ 600 que totalizaram R$ 3 mil, o equivalente a metade dos mil dólares anunciado. Nem com as quatro parcelas adicionais até dezembro (4 X 300) chegaria aos mil dólares. E sim a 770 dólares. Uma mentira oficial.
O país está diante de um conflito estabelecido não por inimigos externos. Mas pelo próprio presidente. E que se note: não há oposição formada contra o Chefe da Nação no Congresso ou nas ruas. O forjador das crises não está fora do poder.
 
Na questão ambiental, não só o planeta, mas o Tocantins, como microcosmo, é diretamente envolvido. O Estado (com uma área maior que do Equador) integra o bioma Amazônia (49% do território brasileiro) com a maior floresta tropical (22% das espécies nativas do planeta) e a maior bacia hidrográfica do mundo. São 220 mil indígenas só na denominada Amazônia Legal.
 
Quando o Chefe da Nação informa ao mundo que não há queimadas na Amazônia está a negar o que os moradores do Estado observam anualmente, de forma tão cíclica como acelerada. E que a elevação da temperatura ano a ano fosse um delírio. O que os quase 900 mortos pela Covid no Estado (e os mais de 64  mil contaminados) fosse um passeio no parque, produto da excelência do esforço do governo federal.
 
O Chefe da Nação ainda tem escolhas: pode optar por governar o Brasil dos brasileiros e não apenas para uma súcia conservadora, retrógrada e reacionária que o cerca. Ainda tem dois anos para isto, para fazer o que prometeu e quer a população. 
 
Mas, observando o discurso na ONU, dá-se a impressão de que não queira, ao contrário de Hitler, escapar do seu destino, fincado na maldição da facada eleitoral. De outro modo: o mito, para o Chefe da Nação, não seria o escapismo, mas o seu contrário. Do que, por óbvio, não escaparia.