Francisco J. P. Brandes Júnior
promotor de Justiça da Regional Ambiental do Araguaia/TO
 
Nesses últimos dias, estamos vendo autoridades públicas, diante da crise do COVID 19, vacilando intensamente, seja por meio de declarações ou por meio de decisões contraditórias, que têm deixado as populações perplexas e desorientadas.
 
Enquanto a maioria das autoridades de saúde pedem, insistentemente, para as pessoas ficarem em casa, gestores se manifestam pela defesa da economia, pronunciando que o desemprego e o fechamento de empresas podem gerar resultados piores do que os enfrentados pelas mortes que podem vir.
 
Como Titular da Promotoria Regional Ambiental do Araguaia há alguns anos, nos deparamos com essa retórica e esse argumento processual em inúmeras atuações: liberdade e ordem econômica x meio ambiente e direitos coletivos.
 
Nesse debate, foi necessário revisitar fundamentos e momentos históricos que serviram de arcabouço para que os Estados Democráticos incluíssem em seus textos constitucionais princípios  como liberdade econômica, direito de ir e vir, direito ao meio ambiente sustentável e o direito à vida.
 
A liberdade econômica tem sua origem na intervenção mínima do Estado na vida privada, no livre exercício do comércio, sem que o poder público interpusesse severos obstáculos ao trabalho do cidadão, além da garantia de instrumentos que assegurassem a igualdade e a concorrência leal de agentes econômicos.
 
Hoje, com a pandemia, a dicotomia é entre o direito à vida e à liberdade econômica. O primeiro é a pedra angular de qualquer organização social democrática que conhecemos. Em momentos importantes da história recente, esses princípios também foram colocados frente a frente, equivocadamente em condições de igualdade.
 
No Brasil, por exemplo, a economia já foi alicerce para a manutenção da escravidão por um período mais extenso do que em outras colônias. José de Alencar, em seus textos "Cartas a Favor da Escravidão", que a editora Hedra publicou, expunha a Dom Pedro II a posição do Partido Conservador a favor da escravidão no Brasil, em que pese já ter sido declarada a abolição nas colônias inglesas, francesas e nos EUA, permitindo a submissão da população negra à ausência de liberdade, trabalhos forçados e morte a milhares. Em artigo publicado na Revista Super Interessante, intitulado Escravidão, José Francisco Botelho aponta que o atraso na abolição da escravatura no Brasil pode ter sido fundamental para índices baixos de desenvolvimento humano no país hoje.
 
No presente, no meio ambiente, testemunhamos os desastres de Mariana e Brumadinho em Minas Gerais. O Ministério Público de Minas, fundamentado em estudos técnicos, já descrevia a situação de sério risco de rompimento das barragens, propondo inúmeras medidas judiciais na defesa ambiental e da vida, como a suspensão de atividades das empresas de mineração.
 
Todavia, o argumento fatalista econômico prevaleceu. As atividades permaneceram e os Promotores  foram tachados de burocratas e irresponsáveis, pois levariam o Estado de Minas à falência,  econômica. O resultado: inúmeros mortos, danos ambientais sem precedentes e uma grave crise econômica nos Municípios que viviam da mineração, do turismo e da pesca. Ironicamente, a maior empresa de mineração do país, indicada como responsável pelos desastres, busca ser exemplo em sustentabilidade ambiental e proteção da saúde, fazendo doação sem precedentes de insumos de saúde para combater a pandemia.
 
Diante da COVID, novamente, tenta-se colocar a ordem econômica em pé de igualdade com a vida e com a saúde pública. Autoridades Públicas e setores empresariais questionam médicos, especialistas e órgãos de saúde mundiais. Contudo, é preciso lembrar que a vida é o maior bem tutelado pelos Estados Modernos e, sem ela, não há liberdade econômica. É preciso demonstrar solidariedade, compaixão, progresso moral, e diferenciar os verdadeiros líderes daqueles que a história apontará como seres irracionais.