José Lauro Martins
Doutor, professor adjunto do Curso de Jornalismo (UFT) do Campus de Palmas
 
Sabia que em vários países dispõem tudo ou pelo menos grande parte dos conteúdos para os estudantes da educação básica estão em plataforma virtual? Já tem país que não usa mais caderno desde a alfabetização. Por outro lado, nossas universidades estão atoladas no marasmo conteudista livresco e cometendo o mesmo erro que Friedrich Nietzsche criticou em 1872:  nossos estudantes ainda estão vinculados a universidade pelo OUVIDO! 
 
A universidade do nosso tempo, da sociedade 4.0, da indústria 4.0, da comunicação ubíqua, das informações do mundo todo na palma da mão, precisa acompanhar a própria sociedade se quiser que haja valor social a ser respeitado. 
 
Dá para organizar os cursos de forma que os estudantes tenham 30, 50, 80% dos conteúdos disponíveis online (para estudos individuais ou em grupos) e o restante é a parte que integra tudo o que estudante precisa aprender.
 
Disponibilizar os conteúdos de estudos em uma plataforma virtual não significa ‘ensino a distância’, pois mesmo a parte teórica e virtual da formação precisa de um acompanhamento ao par-e-passo a tudo que o aluno faz. 
 
Só para lembrar, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts - MIT (EUA), uma das instituições de ensino mais respeitada no mundo, tem poucas aulas, e muita pesquisa como atividade de aprendizagem na graduação. Quase tudo está na plataforma virtual da Universidade, mas há aproximadamente um professor para cada 8 alunos! Bem, ao que parece eles estão no caminho certo, afinal 78 professores do MIT já ganharam o Prêmio Nobel, até 2013. 
 
Sei bem, não há comparação possível entre as universidades brasileiras e o MIT. Precisamos das nossas experiências e para isso é preciso coragem e conhecimento para sair do lugar comum. Isso não é nada fácil, em um país com mais de 5000 redes escolares públicas, cada uma com relativa autonomia e quase 200 mil escolas! Ainda mais no momento político que vivemos.
Espero, e creio, todos torcemos para esta crise passe e possamos voltar a pensar no futuro. Então teremos que reinventar a educação brasileira. 
 
O que nós sabemos é que o modelo educacional brasileiro está falido, pois não atende ao artigo 205 da Constituição Federal: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. 
 
Isso quer dizer que não basta dar ao estudante uma sala com professor. Isto apenas cumpre com parte da legalidade. Precisamos que a educação formal atenda também a parte final do artigo: “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Para isto é necessário que as instituições correspondam ao espírito da sua época e atendam às necessidades de formação, com vistas no futuro. 
 
É preciso superar o preciosismo da tradição na gestão dos sistemas com base na gestão do ensino. É um bom momento para entendermos e organizarmos a educação com base na gestão da aprendizagem. Podemos organizar o sistema, as escolas e os cursos, para que atendam às características de cada estudante. Não dá mais para manter o engodo da organização escolar por turmas e desconsiderando as formas de aprendizagem de cada aprendente. 
 
A reclamação dos professores de que os alunos não querem a escola que oferecemos, que ficam mais tempo nas redes sociais que estudando, mesmo quando estão na escola, não ressoam nos ouvidos de quem pode fazer algo para mudar. Mas isso é possível! Podemos usar as tecnologias digitais ao nosso favor, o uso de software para acompanhar mapear e o processo de aprendizagem de cada aprendente já existe. Se não existisse, temos tecnologia e profissionais capazes de desenvolver sistemas para esse fim. 
 
A forma tradicional de organização curricular dos cursos em blocos de conteúdos que chamamos de disciplinas, os alunos agrupados em turmas e as notas como forma de registro das aprendizagens dos alunos nós conhecemos bem. Porém, a física, a química e a biologia não se separam na natureza, por que separá-las para estudar? A vida social, não separa da sua história, nem das formas de pensar por que então separá-las para na escola? Que valor tem a ideia de que organizado os estudantes em turmas e desprezando subjetividade de cada um daria para tratá-los todos iguais? 
 
Só tem importância para a organização administrativa e nenhum valor para a aprendência. E as notas refletem o conhecimento? Não! Já sabemos disso, mas está tão presente na nossa cultura escolar que parece que é a única forma de registro possível, embora não passe de uma forma burocrática de registro. 
 
Pense comigo: se um estudante de um curso tradicional pode ser aprovado com nota 7,0 é porque apenas 70% do que foi previsto é de fato necessário, se não fora assim alguém está sendo enganado. 
 
É possível organizar um curso de outras maneiras, sem disciplinas, sem turmas e sem notas! Não é nem absurdo e nem novidade, temos várias experiências dessa natureza no Brasil e muitos casos pelo mundo afora. Um caso muito citado é o modelo de organização escolar da Finlândia que está a anos dentre os mais bem avaliado pelo PISA (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes). Se o leitor interessar por conhecer melhora a experiência da Finlândia, certamente vai encontrar vasta literatura na Internet. Ou conhecer de uma experiência recente de uma escola pública perto de Brasília: Comunidade de Aprendizagem do Paranoá (CAP). 
 
A questão não é a falta de experimentos e nem de literatura científica para embasar as transformações. Temos dois problemas fundamentais: O primeiro é de ordem política: é preciso pulso para transformar algo. Não dá para fazer nada duradouro em um mandato e, portanto, precisamos de Política de Estado para transformar a educação. Isso a Finlândia fez na década de 70 e colhe os frutos agora. Como isso parece utópico demais, então pelo menos mudamos a LDB para dar liberdade para as escolas fazerem seus projetos de longo prazo.  Com a garantia legal que nenhum político oportunista possa jogar no lixo um trabalho que pode durar anos. 
 
Segundo problema fundamental histórico cultural. Somos conservadores por excelência quando se trata da organização escolar. Tantos os pais como os professores resistem às mudanças. Para isso, é preciso de liderança capaz organizar o processo e com garantia legal para a continuidade do trabalho. 
Precisamos de profissionalizar a gestão escolar para que cada escola possa ser uma comunidade de aprendizagem. As escolas precisam ter autonomia para escolher seus professores. Não seria um grande problema o contrato de professores sem concurso, se o contrato for com base técnica e nenhum político mau caráter possa demiti-lo. Há países com a democracia bem consolidada em que há poucos professores concursados, mas que tem a tranquilidade de que sendo bom profissional pode ter uma carreira promissora na educação pública. 
 
Considerando que a nossa estrutura constitucional divide a responsabilidade com a do Governo Federal com estado e municípios pela organização do sistema, seria bem-vindo um Conselho Nacional de Educação capaz de orientar o processo de transformação, que o MEC de fato orientasse e garantisse a segurança jurídica para os professores e para as escolas. 
 
Quanto aos cursos universitários, não vou aqui entrar nos detalhes da organização universitária.  O modelo acadêmico tradicional está falido, tanto na forma de gestão política administrativa quanto acadêmica. Convido ao leitor a participar de uma reunião do Conselho Universitário de uma Universidade Federal, são reuniões públicas, portanto não precisaria sequer pedir licença. Verão centenas de professores em reuniões infindáveis para decidir coisas que seria responsabilidade de ofício da gestão em qualquer outra organização.   As reitorias parecem um motor de fusca para movimentar um trem de carga. Não há competência suficiente dos gestores que a faça mudar de rumo, mesmo assim dá para mudar algumas coisas.
 
É modelo que inspirou o prazo de validade. É preciso mudar para recuperar o respeito da sociedade, mas para isso é precisa algo sair da frente para algo novo passar.