José Lauro Martins
Doutor, professor adjunto do Curso de Jornalismo (UFT) do Campus de Palmas
 
A pandemia vai passar e precisamos retornar as atividades escolares. Minha preocupação é como vai ficar a educação pública, pois aproximadamente 80% dos estudantes brasileiros estão matriculados na rede pública de educação. Além disso, cada rede estadual, cada rede municipal tem relativa autonomia e precisa dar uma resposta a partir da sua realidade. São mais de 5 mil redes! Se por um lado a quantidade de redes assusta, sendo bem organizadas poderão trabalhar juntas, minimizar os erros e diminuir os custos.
 
Uma coisa já sabemos: não vai dar para voltar no ponto em que paramos. Algumas coisas foram feitas e boas lições foram aprendidas. Basta ver que professores que mal-usavam o smartphone tiveram que se atrever a gravar aulas ou fazer lives sem nenhum preparo para isso. 
 
Quanto aos problemas dos estudantes não dá para deixar para que cada um resolve por si, o buraco é mais embaixo. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2018 indica que mais de 20% dos estudantes da rede pública não tem acesso à Internet. Mesmo os que tinham acesso a Internet, o uso da tela do smartphone para os estudos não é a mesma coisa de quando se usa para o entretenimento. 
 
Além disso, é preciso de Internet de boa qualidade, não basta pacotes de dados móveis limitados. Mesmo quem tenha Internet suficiente, precisa de um espaço doméstico com condições para os estudos. Além disso, quanto maior o tempo do estudo domiciliar, mais a família precisa se envolver. Por isso que grande parte das famílias preferem que os filhos fiquem mais tempo na escola porque supõe que lá há quem cuide deles enquanto os pais possam trabalhar.
 
E a escola vai fazer o quê? A responsabilidade é do sistema e a escola é a interface do papel do Estado com as famílias dos estudantes. A primeira tentativa na maioria das escolas foi dispor por meio de alguma plataforma os conteúdos para os alunos e não deu certo. Claro que não daria certo! Nossos estudantes não foram educados para terem autonomia. Ao contrário, temos uma cultura da dependência dos estudantes aos professores. Da mesma forma que na educação familiar tradicional os pais mandam os filhos obedecem, na escola espera-se que o professor mande e o aluno execute as tarefas. Nos casos filhos que não atendem ao mando dos pais também não atendem às orientações dos professores. Porém, isso não é autonomia! Ao contrário, essa é uma falha na educação que dificulta a construção da autonomia do estudante. 
 
Já sabemos que não dá para simplesmente colocar textos e vídeos em qualquer plataforma. Nem basta imprimi-los ou distribuir arquivos por meio de qualquer mídia. É preciso entender algumas coisas: organizar as atividades educativas em meio virtual exige outros conhecimentos e habilidades que os professores desconhecem. Por exemplo: uma aula de 50 minutos pode ser ministrada entre 15 e 20 minutos por meio de uma gravação de vídeo. Além disso, essa mesma aula não precisa ser gravada a cada vez que for ministrá-la novamente. 
 
É preciso entender que quase tudo que se ministra em sala de aula pode ser gravado e disponibilizado por meio de vídeo aula. Mas para isso é preciso uma organização curricular adequada e supõe a criação de atividades mais criativas, organização de grupos de estudos, treinamento dos professores para ser empáticos por meio de uma plataforma e assim por diante. Coisas que não eram discutidas, nem se dava créditos agora tornam se importantes. Vamos a outro exemplo: quando o estudante reclama que tal professor não sabe dar aula, a maior parte dos pais não dá atenção. Porém, um vídeo aula mal roteirizada, um professor com dicção ruim, áudio ruim e cenário descuidado, não será apenas o estudante que vai ver e as reclamações dos pais serão mais frequentes. 
 
As escolas precisarão ser um espaço de estudos com laboratórios para as atividades práticas e conexão de internet suficiente para que os estudantes possam conectar na sua rede por quanto tempo precisarem, se não tem disponível em casa. Precisa dispor de computador para os alunos estudarem; os professores terão poucas aulas, mas precisam de mais tempo para preparação de conteúdo e acompanhamento dos estudantes, tanto na plataforma quanto presencialmente. 
 
Obviamente que não precisa que cada escola tenha um estúdio de gravação, basta que a rede estadual e alguns municípios se organizem em conjunto para produzir os conteúdos para toda a rede. Mas o atendimento precisa ser individualizado. Os professores precisam ser treinados em serviço e precisam estudar docência online. Não há escolha, é uma necessidade.