O Estado vem de uma ação humanitária inatacável: abrigou pacientes que padeciam pela falta de leitos de Covid-19 na colapsada Manaus, do sofrido (e quase inacessível) Amazonas. Ainda que se pudesse contrapor a crescente onda do vírus no Tocantins (e a previsível possibilidade de aumento de demanda contra oferta limitada) a medida espelha algo muito em falta ultimamente: humanidade nos humanos.

Quando escrevo este artigo, na terça, o Estado se mantinha na liderança do pior índice de isolamento social do país. Apenas 35,6% da população (o equivalente a 560 mil pessoas) acatavam as restrições sanitárias, restando (em termos relativos) mais de um milhão de pessoas nas ruas para o que der e vier.

Era de se esperar dos humanos, com efeito, uma defesa da sua humanidade, diante da inquestionável recomendação científica do distanciamento, contra a desumanidade do vírus em busca de uma colônia para sustento.

Na Capital, no domingo, a decisão da Libertadores transformou bares e empórios em nada diferente dos bailes funk da periferia do Rio e São Paulo. Como não era dia útil, os fiscais da prefeitura deveriam estar no seu sagrado descanso. Para desassossego da vizinhança e daqueles em isolamento.

A aeronave manaura poderia lembrar aos 60% dos tocantinenses que estão nas ruas que as consequências não vem antes e sim depois. Mas não foi isto que se viu, diante da taxa de isolamento registrada ontem: 35,6% contra os 45,4% do domingo quando os pacientes amazonenses deram entrada em hospitais de Palmas. O isolamento caiu mais dez pontos percentuais em dois dias.

A situação é grave. O governo mandou ontem uma mensagem ao Legislativo prestando contas de 2020. É uma obrigação constitucional. Normalmente governos fazem do documento instrumento político para demonstração de seus feitos. O governo sai satisfeito e os deputados (quase unanimidade governista) professam compromissos com a população. E com o governo, claro.

Mas ali, de 15 mil caracteres, cerca de cinco mil caracteres o governo consome com ações da Covid-19. Educação, Saúde, Infraestrutura, Fazenda (arrecadação recorde), Igeprev, Agricultura são citados “en passant”. Um terço da mensagem trata de ações de prevenção e combate ao vírus.

A fila de cinco mil cirurgias nos hospitais públicos sequer foi tratada assim como os pacientes nas macas nos corredores. Encobertos pelas obras físicas (relevantes, que se note) dos hospitais regionais de Gurupi e Araguaína que podem ser destravados pela atual administração.

Destaque para o tópico segurança: na mensagem o governo informa que teria havido uma redução de crimes contra o patrimônio em 35% e outros 8,27% de queda nos crimes de estupro contra vulneráveis. É um dado positivo mas não consegue contrapor-se ao avanço de 7% nos homicídios de 2019 a 2020.

No ano passado foram 112 assassinatos no Estado contra 104 em 2019. Cerca de 30% destas mortes são de pessoas situadas na faixa de 20 a 29 anos. Uma elevação nesta faixa onde em 2019 estavam 28 (26%) das 104 pessoas assassinadas naquele ano. Em larga medida, é a faixa dos bares, empórios e baladas.

Dado relevante para o governo e população: a Covid-19 matou em dez meses no Estado (conforme os registros dos hospitais públicos) 12 vezes mais que a violência. E ainda temos o carnaval e a decisão do campeonato brasileiro de futebol até as águas de março trazerem as vacinas.