Luiz Armando Costa

Em Brasília, onde estou desde o início da semana, clima e temperatura contrastam com as variações de Goiânia no sábado e domingo. Enquanto os áudios da rachadinha da família Bolsonaro pipocavam na capital goiana, reverberando e reforçando as manifestações contra o presidente no sábado na Praça Cívica, na capital da República, fora os corredores do Congresso, o silêncio como que copiava as vergonhas escondidas da cozinha do Alvorada. 

O recorte certo modo reflete diferenças abissais entre Goiânia e Brasília. Ainda que Brasília sedie os poderes do país, Goiânia em larga medida sempre carregou mais densidade ideológica e política. Não só por ter mais história, mas pela formação do Estado, forjado por coronéis que não economizaram em dar às suas gerações educação refinada, elemento fundamental no discernimento político.

Atílio Correa Lima, com efeito, quando projetou Goiânia para Pedro Ludovico com ruas amplificando como ondas do centro para a periferia em forma de espiral talvez não vislumbrasse a contradição que elaborava com aquela curva plana dando voltas em torno de um ponto e cada vez mais dele se afastando. Mesmo que socialmente se pudesse ter outras leituras, na matemática pode ser tomado o polo também como vetor de aproximação. Dependendo do ponto de observação, o que afasta também aproxima.

Brasília, neste aspecto, assemelha-se a Palmas. Não só na forma arquitetônica e urbanística, mas política. A cidade parece ter sido forjada literalmente sob o desenho da Capital da República. Um aglomerado de pessoas atraídas para um lugar no cerrado e para as quais foi-lhes apresentada uma história brasiliana ou brasiliense e não a história do Estado.

Diferente de Goiânia que os goianos tomaram conta, do ponto de vista político, porque seguem a história goiana e não uma plataforma implantada com finalidade precípua de controlar sua história. Uma das principais praças da cidade é vigiada pelo bandeirante Anhanguera, o diabo velho. Outro Bartolomeu Bueno, seu parente, passou pela região tocantinense e é nome de rua em Porto Nacional.

A Praça Cívica que deu quintal a governadores nomeados pela ditadura e que testemunhou a derrubada arbitrária de um governador eleito pelo voto é  hoje o mesmo centro convergente de manifestações democráticas como ocorreu no sábado ali na abertura de uma de suas principais avenidas, a Goiás, encravada entre a Araguaia e a Tocantins e que até a avenida Paranaíba, um quadrilátero hoje mais decadente que a Praça Tiradentes, no Rio, antiga Capital da República, antes da revitalização. Mas que em manifestações ficam mais vivas do que nunca.

Obviamente que o distanciamento político e ideológico hoje presente no Estado do Tocantins decorre da posição de covardia dos líderes separatistas que optaram por uma cadeira de balanço a lutar pela preservação da memória. Elemento que, defendido, legaria a Palmas (e ao Estado) substância política próxima daquela que se tem nos goianos e mais condizente com os matizes tocantinenses que tem mais em comum com Goiás que com Brasília.

Como Brasília nasceu do nada no meio do cerrado, a história irá demonstrar que a similitude entre Palmas, Tocantins e os candangos se deu por força de movimentos contrários à história do próprio Estado que certamente teria ganhado mais se tivessem sido preservadas suas origens. Como os candangos preservam as suas individualmente.

Até lá, a cidade e o Estado continuarão com essa natureza amorfa como se tivessem sido plantados do nada, a exemplo da Capital da República. Um lugar sem esquinas, sem ideologias e sem finalidades. 

Não sem razão, ao invés de termos uma Praça Cívica, temos uma Praça dos Girassóis, planta cuja principal característica é estar sempre de frente para o sol enquanto ele atravessa o céu sem reagir-lhes aos seus movimentos ainda que o calor escaldante possa exterminá-la. Uma praça circundada por monumentos aos militares enquanto a Praça Cívica dos goianos homenageia as três raças.