Contraditoriamente a Drummond, devo dizer que a vida não parou nem o automóvel, outrossim disparou. Acelerou. Sem rumo. Na contramão. Infração. Infrações graves. Gravíssimas!

Definitivamente, o mundo está do avesso. De cabeça para baixo. Sem drama. Constatação nua e crua. Aliás, dois adjetivos bem oportunos para referenciarem minha perplexidade diante de uma experiência de leitura que acabei de fazer.

Como professora de Língua portuguesa, sempre fui apaixonada por literatura, mas literatura clássica. Literatura que se encaixa em determinado movimento literário, enfim, literatura escolar. Mas incentivada por um aluno que me presenteou com um livro nada convencional para mim (Jogos Vorazes), abri-me, então a essa nova experiência. Que experiência! Que loucura! Tenso! Tenso! Uma mistura de raiva, de desprezo pelo enredo e de encantamento ao mesmo tempo me prendeu até o final da leitura, por mais que muitas vezes tenha me sentido ridícula por ler uma história, aparentemente, tão descabida.

Devo confessar que as metáforas utilizadas pelo autor são muito bem aplicadas e perspicazes. Leitura concluída. Vitória alcançada. Na dualidade de sentimentos e sensações, venci a luta travada comigo mesma. E o melhor, sem sangue, sem precisar eliminar ninguém.

Há uma sequência pela frente, afinal trata-se de uma coleção, mas me sinto esgotada, sem forças para enfrentar uma nova luta. Dou um tempo.

Alguns anos depois, estou eu, mais uma vez, seduzida por outra aluna a ler uma literatura comercial, "Os sete maridos de Evelyn Hugo." Que capa! Linda! Atraente! Sem menos esperar, o livro já está em minhas mãos. Prometo ler, mas no meu tempo, até porque estava lendo um bastante interessante, "Quarto de despejo, diário de uma favelada". Literatura clássica. Que leitura! Andava com o livro pra cima e pra baixo, no intervalo do lanche, aproveitava para degustar cada história ali presente. Ria sozinha… imergia. Às vezes, partilhava em sala um pouco da história, o que despertava em alguns o desejo de lê -la também. Leitura concluída. Lições aprendidas. É hora de mais uma aventura. Simbora. Vamos conhecer a história dessa mulher casamenteira. Risos…

Opa! Antes disso, leio Ana Terra, mais um clássico, de ninguém menos que Érico Veríssimo. É uma obra que faz parte da trilogia de "O tempo e o vento". Que leitura! Quanto realismo presente! Quanta sensibilidade descritiva! Que escolha vocabular! Quanta nudez na realidade apresentada, nas sensações e desejos vividos por Ana, especialmente.

Chocante e intrigante como os valores se sobrepõem a qualquer realidade. Linda obra!

Chegamos então à obra citada antecipadamente, por mim, num descuido quase que proposital.

O que posso dizer de uma obra tão badalada entre as adolescentes? É a obra do momento! Carregar aquele livro cedido por minha aluna era o mesmo que abrir espaço para conversar com qualquer garota. Sem exagero.

"Professora, a senhora está lendo esse livro?" Era a pergunta que se fazia num misto de satisfação e de surpresa. "Estou ansiosa pra ver o que a senhora vai achar do final." Realmente deveria mesmo ser uma obra bem interessante. Estou falando de 350 páginas. Entende?

Sim. O livro é, de fato, surpreendente! Em vários sentidos. Narrativa densa, sedutora, envolvente. A escolha genial pelo narrador-personagem provoca intencionalmente (acredito) no leitor uma confusão quanto à identificação das vozes de Monique e de Evelyn Hugo, revelando em muitos momentos a semelhança entre alguns aspectos da vida de ambas. Tudo muito bem premeditado e arquitetado pela autora para justificar os sentimentos antagônicos de Monique diante da surpreendente e chocante revelação feita pela protagonista.

Mas sem querer subestimar as minhas alunas e o seu nível de leitura, não acredito que tenha sido esse o atrativo da obra e foi essa desconfiança que me incomodou a ponto de me levar a rabiscar essas linhas.

"Os sete maridos de Evelyn Hugo" é de uma transparência reveladora da hipocrisia, do jogo de interesses, da manipulação das pessoas e dos sentimentos que permeiam a vida, em especial, da classe artística, que assusta. Nesse contexto, o tema é o homossexualismo. Detalhe: a narrativa se passa em meados do século XX. Assim, o desafio de viver um relacionamento condenado pela sociedade sem comprometer o sonho de uma carreira meteórica torna a vida de Evelyn Hugo uma montanha-russa.

Me assusta e me incomoda saber e/ou reconhecer que adolescentes tenham acesso a leituras com tamanha exposição dos desejos carnais, da sexualidade, principalmente,entre pessoas do mesmo sexo. Não. A obra não é pornográfica nem vulgar na abordagem do tema, porém defendo a ideia de que cada fase deve ser vivida de acordo com as suas limitações e de que há assuntos que, se não forem bem explorados ou apresentados, podem suscitar sentimentos e pensamentos perturbadores nesse público -leitor.

Alguém que conheça a obra pode achar que eu esteja sendo muito radical ou até ingênua quanto ao tipo de conteúdo acessado por nossos adolescentes. Respeito, porém, não me é confortável me omitir diante de uma realidade como essa, até porque é comum, no colégio onde trabalho, pais, muitas vezes, grosseiramente questionarem e até boicotarem leitura de clássicos como O cortiço, O Ateneu, por acharem impróprios para a "cabecinha de suas crianças".

Entretanto, não raro, vários desses mesmos pais autorizam a compra de obras como "Os sete maridos de Evelyn Hugo". Que paradoxo! Quanta hipocrisia!