Wagner Rodrigues Silva
Doutor em Linguística Aplicada, Docente da Universidade Federal do Tocantins (UFT), Câmpus de Palmas e pesquisador do CNPq.
 
Como se não bastasse a pandemia da Covid-19, os brasileiros estão vivendo momentos difíceis do ponto de vista da civilidade. As dificuldades a que faço referência têm acompanhado o Brasil há algum tempo, são reflexos de inúmeros fatores interconectados, dentre os quais destaco dois – fragilidade da educação formal e uso descuidado das redes sociais. 
 
Sobre tais fatores, tenho me perguntado o que leva inúmeras pessoas a parabenizarem, nas redes sociais, o governo federal pelo anúncio da proposta de redução de investimentos no ensino superior para o próximo ano. Essas mesmas pessoas defendem o redirecionamento de recursos para o ensino básico e não conseguem perceber que não existem escolas fortes com universidades frágeis. 
 
Em outro artigo de opinião, fiz a seguinte pergunta: quem ganhará com o desmonte das universidades? Com o desmonte, os jovens que tentam escapar da exclusão em escolas públicas seriam os mais prejudicados. Inúmeros estudantes são vitoriosos, superam as adversidades com o próprio esforço, com a ajuda de familiares e de outros agentes, num percurso marcado por dribles diversos.
 
Com alterações no acesso de estudantes e fortalecimento de políticas de permanência na universidade, ao longo de mais de uma década, o perfil dos ingressantes nas instituições públicas de ensino superior vem se alterando. Esse fato também se justifica pela expansão desse nível de ensino durante governos de esquerda. Egressos de escolas públicas, pertencentes a famílias de baixa renda, estão chegando, em maior quantidade, à universidade pública. A presença desses jovens, na referida instituição e em cursos mais prestigiados, pode ser ainda maior com o aumento da qualidade do ensino básico.
 
É inconcebível esperar melhora na qualidade desse nível de ensino, retirando investimentos das universidades. Os professores das escolas são formados nas universidades, especialmente as públicas, pois as instituições privadas não enxergam lucro nos cursos de formação inicial, denominados licenciaturas. É para as universidades públicas que os professores retornam, contrariando a desafiadora lógica do local de trabalho, em busca da continuidade do próprio aperfeiçoamento na pós-graduação, vinculando-se a mestrados ou doutorados. 
 
Infelizmente, o magistério não usufrui de glamour e ainda há agentes públicos que contribuem para o enfraquecimento ou para a desqualificação dos profissionais da educação, assim como desejam fragilizar os docentes do ensino superior. As pesquisas científicas que podem apontar caminhos para aprimorar o ensino básico são produzidas nas universidades. Por meio da extensão universitária, professores e alunos podem participar de atividades acadêmicas idealizadas a partir do diálogo entre universidades e escolas. 
 
A melhora do trabalho pedagógico contribui para a formação de pessoas críticas, capazes, por exemplo, de fazer usos mais responsáveis das redes sociais, que, apesar de poderem se constituir como uma ameaça à urbanidade, podem, principalmente, trazer inúmeros benefícios. As atividades universitárias de pesquisa e extensão são essenciais para a interpretação ou a compreensão dos usos das redes sociais, e para a educação digital da sociedade. 
 
Assim, menos recursos para universidades significa corte de investimentos nas escolas. Essa redução é uma ameaça à permanência do egresso da escola pública no ensino superior. Estou dizendo que a escassez de investimento na universidade compromete a formação dos mais diversos profissionais, dentro os quais os professores, ameaça inclusive as políticas de assistência estudantil responsáveis, por exemplo, por tratamento de saúde, moradia e auxílio alimentação dos estudantes carentes. 
 
Não podemos esquecer de que os impostos dos contribuintes também são responsáveis pela manutenção de serviços públicos, portanto, as universidades públicas são de todos os brasileiros. Com a pandemia da Covid-19, a esperança foi depositada nas ciências, mesmo existindo quem as negue. No Brasil, a grande maioria dos cientistas está nas universidades públicas e é responsável ainda pelo magistério no ensino superior.
 
Finalmente, destaco que, certamente, há quem prefira pagar duas vezes por alguma educação para si ou para os próprios filhos, só não podemos esquecer de que essa pessoa não pode impor a mesma escolha a inúmeros outros brasileiros, que resistem para usufruir de um ensino público, gratuito e de qualidade nas nossas universidades.