Decotelli e a farsa dos mestrados e doutorados de aluguel
 
Salatiel Soares Correia
é engenheiro, Bacharel em Administração de Empresas, Mestre em Ciências pela Unicamp. É autor, entre outras obras, de A Energia na Região do Agronegócio.
 
A doutora Joana D’arc Felix de Souza começou a aparecer na mídia brasileira, pelos seus méritos pessoais, ao vencer as inúmeras barreiras que a vida lhe impôs. Afrodescendente, filha de uma dona de casa e de um encarregado de curtume, ela conseguiu ser aprovada no dificílimo vestibular de uma das mais prestigiadas universidades do país: a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Nessa instituição, Joana D’arc se graduou em química.
Posteriormente, ela concluiu o mestrado e o doutorado.
 
Após a conclusão dos cursos de pós-graduação, a nova doutora se tornou um símbolo da luta contra a exclusão social no Brasil. Bastante solicitada pela mídia, sua história de vida estava prestes a ir para as telas de cinema quando a pesquisadora cometeu um grave erro que acabou inviabilizando o projeto: apresentou ao jornal Estado de São Paulo um diploma falso de pós-doutorado na Universidade de Harvard.
 
O jornalista encarregado de elaborar a matéria fez aquilo que o bom jornalismo sempre recomenda — checar a informação. A resposta da universidade atingiu em cheio a credibilidade da doutora Joana D’arc. Harvard não só negou, como informou que não emite títulos de pós-doutorado. Ante a veracidade do fato, a pesquisadora confessou a fraude, “não tenho diploma de pós-doutorado”, disse ela. A partir daí, a outrora badalada doutora pela Unicamp vive o amargor do ostracismo. É uma pena, pois conquistar o doutorado numa das melhores universidades da América Latina já seria um grande feito para essa senhora que, de fato, venceu barreiras sociais. A fogueira das vaidades falou mais alto do que a razão. Assim, ela acabou pagando o preço por isso.
 
A história de exclusão dela em torno da maquiadura de currículos vem-se repetindo com certa frequência nos meios políticos e acadêmicos. Quem não se lembra do doutorado em economia pela Unicamp que a ex-presidente Dilma Rousseff declarou ter concluído? Quem não se lembra do curso que o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, informou ter concluído em Harvard? Tudo Fake News, para não dizer mentira.
 
O país, hoje, presencia a mais uma caída de máscaras em torno dos títulos universitários. O farsante da vez é o quase-doutor que quase se tornou ministro da Educação: Carlos Alberto Decotelli. A máscara desse artista caiu quando o reitor da Universidade de Rosário da Argentina desmentiu o doutoramento que Decotelli disse ter concluído naquela instituição.
 
O inferno astral do quase-ministro aumentou mais ainda quando um especialista em fraudes constatou grosseiros plágios na sua dissertação de mestrado apresentada na Fundação Getúlio Vargas. Pasmem: exatas 73 páginas foram, literalmente, copiadas, sem colocar aspas nem citação das fontes.
 
A pá de cal nas pretensões de Carlos Alberto Decotelli de se tornar ministro da Educação se deu ante a revelação de mais uma fraude desse quase-doutor: pós-doutorado que ele declarou ter concluído na universidade alemã de Uppertal foi desmentido pela instituição. Decotelli, hoje, é motivo de memes e chacotas na internet. Posto isso, creio que esse episódio merece algumas considerações. 
 
Primeiramente, quem saiu mal na fita foi a Fundação Getúlio Vargas, que vê seu prestígio ser, de certa forma, abalado. Nesse contexto, certamente, insere-se o orientador e a banca examinadora que julgou a qualidade da dissertação. Se o orientador e a banca desse quase–doutor, que nem mestre é, tivessem tido o mínimo de rigor, Decotelli jamais seria aprovado no mestrado.
 
Em segundo lugar, cabe, ainda, à Fundação Getúlio Vargas esclarecer por que manteve Carlos Alberto Decotelli no seu quadro de professores dando aulas, inclusive, para o mestrado profissional da instituição. Por último, não restam dúvidas de que falharam os órgãos de informação do governo, pois cabe a eles checar as informações da vida dos futuros ministros.
 
Concluo estes escritos com algumas observações pessoais. Quem conhece os meandros do meio acadêmico bem sabe que, se há um negócio que se tornou altamente rentável, foi este: o comércio de dissertações e teses de mestrado e doutorado, respectivamente. Quem joga o jogo dessa hipocrisia são professores do miolo mole, sem fôlego nenhum para enfrentar o desafio dos cursos de mestrado e doutorado. Agem assim porque necessitam dos títulos acadêmicos para se legitimar num ambiente que exige deles produção. Gente que com mais de 40 anos de cátedra e sem nunca ter escrito artigos para revistas de prestígio, tampouco publicado livros de expressão. Tempos atrás, li uma “dissertação”, de um desses artistas, repleta de equações matemáticas nada condizentes com o perfil do autor. Não tenham dúvidas de que nessa fogueira de vaidades de muitas pseudoacademias existentes por aí, torna-se cada vez mais comum a presença de inúmeros Decotellis ocupando espaço de gente mais nova e sedenta por renovação. Afinal de contas é como nos diz o escritor francês Paul Valery: “que somos nós senão uma fantasia organizada?”