Ouço falar do Colégio Americano Batista de Pernambuco desde meus tempos de criança. Foi para lá que o filho de um pequeno fazendeiro se dirigiu, saindo, nos anos de 1940, de seu torrão natal (Itacajá, no antigo norte de Goiás, hoje, Tocantins), com o firme propósito de estudar num dos mais tradicionais colégios do Brasil de então: o Americano Batista de Recife. Eis aí um desafio e tanto!

Fico a imaginar o quanto foi difícil para aquele rapazola, mal saído da adolescência, enfrentar mais de 3 mil quilômetros que separam Itacajá da capital pernambucana naqueles tempos, em que o ouro negro do asfalto praticamente inexistia naquele Brasil rural repleto de estradas lamacentas e esburacadas.

A atitude corajosa daquele rapazola desatrelou seu destino do de seu genitor,irmãos, primos e tios, que seguiram naquela vida devagar tão característica do mundo rural, construído pelo uso da enxada e da pecuária de baixa produtividade. O que fez a diferença foi a educação de qualidade construída num centro de excelência como era reconhecido o Colégio Americano Batista. E assim foi que o fazendeiro de então se fez Promotor de Justiça, Juiz de Direito, Desembargador, presidindo, no final da carreira, o Tribunal Eleitoral de Goiás.

Esse homem era meu falecido pai. Foi, a partir dele, que tomei conhecimento das ilustres figuras da intelectualidade brasileira que com ele estudaram no mais tradicional colégio de Pernambuco. O imortal da Academia Brasileira de letras, Ariano Suassuna, foi um deles. O maior de nossos sociólogos, Gilberto Freyre, é outro nome ilustre com quem o desembargador Pedro Soares Correia teve a honra de conviver. E aqui encerro a história de luta de meu saudoso pai e passo a falar do outro objetivo que estes escritos propõem: revelar a importância do intelectual Gilberto Freyre para a cultura mundial. A formação acadêmica dele foi construída em duas das mais respeitadas universidades dos Estados Unidos: as universidades de Baylor e Colúmbia. Na primeira, ele se bacharelou; na outra, Gilberto Freyre concluiu o mestrado e foi orientado por um dos mais respeitados antropólogos do mundo: Franz Boas.

No Brasil da chamada República Velha, imperavam teses da supremacia racial branca que entendiam o país como uma espécie de Europa dos trópicos. Essa forma equivocada de interpretar foi completamente destruída a partir do momento que Gilberto Freyre publicou o mais importante livro dos mais de 60 que esse intelectual pernambucano escreveu. Falo do clássico “Casa Grande e Senzala”. Nesta obra-prima, o sábio de Apipucos demonstrou que a formação racial brasileira passava pelo senhor da Casa Grande e a negrinha da Senzala. Desse cruzamento racial, nasceu uma figura tipicamente brasileira: o mulato.
Gilberto Freyre foi o intelectual mais premiado da história brasileira. Sua extensa obra obteve amplo reconhecimento internacional. Intelectual de múltiplas faces a obra gilbertina produziu estudos originais a respeito da influência inglesa no Brasil. Por essa razão, a rainha da Inglaterra concedeu a ele a Ordem do Império Britânico.  O título de Sir, só o autor de “Casa Grande e Senzala” tem essa honraria no Brasil. 

O prêmio La Modonnina concedido a Gilberto Freyre pelo governo italiano foi outro reconhecimento a universalidade da obra do autor de “Sobrados e Mucambos”.  Nos Estados Unidos, o sábio de Apipucos foi laureado com o prêmio Aspen, que é concedido a “indivíduos notáveis por contribuições excepcionalmente valiosas para a cultura humana”. 

Em âmbito nacional, o autor de “China Tropical” recebeu as mais importantes honrarias do país: o prêmio Excelência Literária, que é concedido pela Academia Brasileira de Letras, o prêmio Jabuti de Literatura e por aí vai.
Gostem ou não gostem os professores da Universidade de São Paulo (USP), Gilberto Freyre se tornou reconhecido mundialmente vivendo na sua Recife a léguas distante de São Paulo. É como bem disse o grande Monteiro Lobato: “O Brasil do futuro não vai ser o que os velhos historiadores disserem e os de hoje repetem. Vai ser o que Gilberto Freyre disser. Freyre é um dos gênios de paleta mais rica e iluminante que estas terras antárticas ainda produziram.”

 Encerro estes escritos com uma provocação: os uspianos afirmam que o nosso ex-presidente Fernando Henrique Cardoso é o Príncipe da Sociologia Brasileira. Se FHC é o príncipe; Gilberto Freyre é o rei.  Além de mais ecléticas, as obras do sábio de Apipucos são verdadeiramente mais reconhecidas internacionalmente. A “Teoria da Dependência”, de FHC, foi rejeitada por gente do calibre do fundador da mais importante agência de desenvolvimento da Organização das Nações Unidas, Rául Prebish. 

Gilberto Freyre construiu um legado intelectual sólido e consistente, que resistiu à luz dos seus críticos do Sul maravilha, alienados por uma Europa completamente desconectada do Brasil, de verdade localizado nas regiões Norte e Nordeste do Brasil. Por essa razão, o sábio de Apipucos é, sem dúvida, o mais importante intérprete do Brasil!

Salatiel Soares Correia é Engenheiro, Bacharel em Administração de Empresas, Mestre em Ciências pela Unicamp. É autor, entre outras obras, de Cheiro de Biblioteca.