Um olhar criterioso sobre a biografia do ministro Bilac Pinto nos possibilita distinguir a versatilidade de um homem e os múltiplos papéis por ele desempenhados ao longo de sua existência.

O Bilac político se notabilizou pela luta tenaz com que combateu a corrupção no serviço público. Tal como o sogro, o marido de dona Carminha foi um homem de personalidade forte, tão forte que, mesmo recebendo uma saraivada de críticas de seus correligionários, ousou apoiar causas estranhas ao partido de direita liberal, que liderava, como foi o caso da necessidade de o Brasil ter uma empresa estatal de petróleo.

Uma outra face do político Bilac se fez notar na sua preocupação em dotar o país de um salário mínimo digno para a classe trabalhadora. Mais que um homem de partido, o cunhado de dona Sinhá Moreira cultuava a democracia como reserva de valor. Sobre esse assunto, seu biógrafo revelou a sensibilidade social de seu biografado com a elevação da inflação.

“Percebendo o agravamento dessa situação, Bilac apresentou seu projeto que atendia, em especial, às camadas mais desfavorecidas da população, a grande massa trabalhadora remunerada com salário mínimo.” Mais se parecia essa preocupação do estadista com a bandeira de um partido de esquerda, como o Partido dos Trabalhadores, do que a da velha União Democrática Nacional (UDN). Sim, é isso mesmo que vocês estão pensando: Bilac Pinto humanizou a liberalidade cruel de seu partido, tido como reacionário. Muito dessa postura é explicada pela origem humilde da qual ele provinha. 

A segunda fase do cunhado de dona Sinhá Moreira — a do Bilac acadêmico — notabilizou-o pela inteligência, pelos livros que escreveu, pela aprovação nos mais rigorosos concursos para professor universitário dos quais participou e pela reconhecida cultura propalada por todos aqueles que tiveram o privilégio de serem seus alunos.

Na terceira face, a do Bilac jurista, ele deu seus primeiros passos na universidade, na vida profissional de advogado de prestígio para, enfim, alçar ao patamar de sabedoria ante o brilhantismo dos pareceres de sua autoria quando integrou a mais alta Corte de justiça do país — o Supremo Tribunal Federal.

A quarta fase do marido de dona Carminha, a do Bilac diplomata, foi reconhecida nos quatro anos em que exerceu o cargo de embaixador do Brasil na França. Nos tempos do general de Gaulle, o genro do coronel Chico Moreira brilhou na terra de Voltaire ao lado de auxiliares de gênio, como foi o caso daquele que foi considerado a mente intelectual mais brilhante que a direita brasileira produziu, o diplomata José Guilherme Merquior.

Por fim, a última face do filho do contador de Santa Rita se manifestou em dois momentos distintos da sua vida. O primeiro quando adquiriu a mais importante editora de livros jurídicos do Brasil — a Forense. Para isso, teve como sócio outro mineiro ilustre, o ministro San Tiago Dantas. Bilac Pinto fez da Forense uma referência para profissionais do Direito e juristas.

O segundo momento, de empresário do agronegócio, manifestou-se quando Bilac Pinto percebeu a oportunidade de se tornar um grande produtor de soja. Para isso, ele comprou 10 mil alqueires de terra num município distante 100 quilômetros de Brasília, Unaí, tornando-se assim um dos maiores produtores da região.

As tragédias familiares

O depoimento que a filha de Bilac Pinto, Regina, concedeu a Murilo Badaró, repleto de muita sinceridade, revela o lado das duras tragédias que abateram seu clã familiar. A começar pela frustração paterna do ministro pelo fato de seu único filho homem — Francisco Bilac, mais conhecido como “Chico do Bilac” — não mostrar vontade de assumir a direção da Editora Forense. Mesmo se elegendo deputado federal graças ao prestígio do pai, Francisco Bilac Pinto jamais alcançou o mesmo prestígio de seu progenitor. “O Chico do Bilac”, homem alegre, humilde e generoso que cheguei a conhecer nos meus tempos de Inatel, 

Mais grave ainda foi a morte desse filho, vítima de um desastre na Rodovia Fernão Dias, que liga São Paulo a Belo Horizonte. A morte de seu único filho homem foi, sem dúvida, o mais duro golpe que recebeu o já frágil coração desse velho guerreiro santa-ritense. Mais duas tragédias de fato contribuíram para o falecimento desse grande estadista, quais sejam: coincidência ou não, a morte da nora, esposa do filho Francisco, no mesmo local do desastre que matara o marido dela; e, ainda, a morte da neta, filha de Regina. A morte da neta do ministro se deu de maneira trágica: ela entrou na piscina na busca de sua boneca que flutuava. Não tinha idade para perceber o perigo de entrar numa piscina de grande profundidade.

A bem da verdade a morte repentina do grande estadista não foi tão de repente como aparentou ser naqueles cinco minutos que dona Carminha fora à cozinha beber água. A morte de um dos maiores políticos deste país foi devido a um turbilhão de emoções para aquele coração já cansado de viver.

O temperamento do ministro, Sinhá Moreira e o vale da eletrônica
Não poderia encerrar esta reportagem sem relatar a importância do político Bilac Pinto nos projetos que a benemérita Sinhá Moreira, sua cunhada, implementou na região.

Antes, porém, relato parte de um diálogo que tive, há alguns anos, com um amigo de longa data, desde os tempos que residia na cidade (há mais de 40 anos). Dizia meu amigo que nunca saiu de Santa Rita (hoje ele está com 80 anos) algo interessante que reproduzo no diálogo a seguir.
— O ministro Bilac Pinto foi fundamental nos projetos educacionais de dona Sinhá, - afirmei. 
— Você está equivocado, - disse ele.
— Por quê? - Indaguei.
— Não resta a menor dúvida que dona Sinhá exerceu um papel de extrema importância para o desenvolvimento da cidade. O mesmo não posso dizer do Bilac. Ele viveu a vida inteira fora daqui. Não dava muita bola para Santa Rita.

Meu amigo tinha uma certa razão quanto ao temperamento do genro do coronel Francisco Moreira, mas estava redondamente enganado no que tange à importância dele nos projetos desenvolvidos pela cunhada.

Na biografia que escreveu sobre o estadista de Santa Rita, Murilo Badaró afirma que o marido de dona Carminha era um homem “enclausurado dentro de si mesmo ”. Mais adiante, Murilo Badaró revela o modo de agir do estadista. São suas palavras: “Bilac Pinto não abria mão de certas regras em seu comportamento, fechando-se cada vez mais ao assédio à sua intimidade e limitando-se estritamente às palavras necessárias, quando no trato de algum assunto administrativo ou pretensão de partes.”

Que ninguém duvide: Olavo Bilac Pinto habita o panteão dos grandes estadistas brasileiros. Viveu tão distante e tão próximo de sua terra natal. Foi ele quem articulou, no silêncio, a fundação, em Santa Rita, da primeira Escola de Eletrônica da América Latina — a ETE. Sua enorme influência política ajudou a fundação, na sua Santa Rita, da primeira Faculdade de Engenharia de Telecomunicações do país — o Inatel. E assim Bilac Pinto e dona Sinhá Moreira plantaram as sementes que frutificaram num dos mais importantes polos tecnológicos: o Vale da Eletrônica.


Salatiel Soares Correia
é engenheiro, administrador de empresas, Mestre em energia pela Unicamp. É autor, entre outras obras, de O Capitalismo Mundial e Captura do Setor Elétrico na Periferia.