Estamos no mês da campanha “Agosto Lilás”, mês de conscientização sobre a violência doméstica. 

Todos os meses de agosto desde a promulgação da Lei 11340/06 vemos textos, matérias informativas e eventos públicos ressaltando a importância da proteção e segurança da mulher no ambiente doméstico. 

Nada obstante os legítimos esforços realizados ao longo desse tempo, vemos os números de casos crescerem, assim como as estimativas de situações de violências que não chegam a público. Isso significa que a norma e as campanhas institucionais não têm sido suficientemente efetivas para a contenção da violência no âmbito familiar. 

Essa conclusão leva a uma pergunta: por quê?

Para responder a essa questão me parece adequado refletir sobre como nós, homens e mulheres, pessoas que compõem os núcleos familiares, as organizações sociais, grupos de amigos, contribuímos com a perpetuação da violência doméstica (e da violência contra a mulher de uma forma geral)?

Essa questão nasce da compreensão de que atos de violência nascidas dentro do ambiente doméstico são fruto de crenças sociais e familiares que levam à naturalização das agressões, sejam elas físicas, psicológicas, patrimoniais ou sexuais.

Mesmo que pensemos que não compactuamos com a violência, que acreditemos na necessidade da punição para essas questões, mesmo que nos indignemos com os casos noticiados, ainda assim poderemos nos surpreender com a conclusão de que também contribuímos com a violência doméstica. Como?

As relações familiares são laços permeados por experiências da vida de todos os que compõem aquele núcleo. Isso quer dizer que todos os padrões de criação dos pais, mães, somados às dos filhos, netos vão condicionando as formas de essas pessoas se relacionarem nas experiências cotidianas. Aí talvez haja uma chave para compreender o problema e encontrar uma forma de reduzi-lo.

A violência contra a mulher durante muito tempo foi tida como uma questão de família, algo que contava com a proteção sob o manto da privacidade das relações. Tal fato somado à pressão social para que a mulher se case, constitua família, bem como para que esta desempenhe como papel principal “ser o esteio afetivo e emocional do lar”, fazia com que as violências fossem tidas como parte do pacote casamento, como algo secundário e desimportante se comparado aos diversos “ganhos” sociais e familiares que a família constituída por ela representava..

Em razão disso jargões como “em briga de marido e mulher não se mete a colher” ganharam espaço nas narrativas populares e, ainda hoje são reconhecidamente eficazes como justificações para o silenciamento das violências percebidas.

Mas, há mais. Além das omissões, também nossos padrões de crenças familiares condicionam julgamentos à mulher vítima de violência, rotulando-a de diversas formas, culpabilizando-a por ser vítima, porque “escolheu mal” o seu parceiro.

Nesse sentido não é incomum ouvirmos (e por que não, dizermos) julgamentos de que a mulher é culpada quando ela denuncia as violências (afinal, estragou a vida do homem agressor e destruiu a família) e também é culpada quando não denuncia (porque gosta de apanhar). É relativamente comum vermos pais, filhos, netos adultos exigindo da mulher vítima da violência que mantenham o casamento ou que não denunciem o agressor porque isso resultaria em um grande problema familiar.

Toda essa gama de opiniões e juízos é resultante dos padrões que naturalizam o menosprezo pela mulher ao longo de décadas e que acabam por isolar aquela que diariamente convive com o medo e a insegurança dentro de casa.

Por falar em isolamento, há diversas mulheres vítimas de violência que relatam que a parte mais difícil em colocar fim à relação com o agressor é suportar o isolamento familiar e social, já que a mulher que deixa de ser casada perde o convívio com pessoas com quem tinham laços de afeto, mas que deixam de recebê-la. 

Essas reflexões vão muito além da perspectiva do direito penal com a qual limitamos a questão da violência doméstica. Talvez sejam as mais necessárias considerando as limitações evidentes da seara penal para a contenção desses casos. 

Por isso, nesse “Agosto Lilás”, convido os leitores a refletirem se em seus comportamentos, opiniões, falas e relações há algo que reforce essa estrutura de opressão que reforça ou naturaliza as violências contra a mulher no ambiente familiar. 

Refletir sobre essas contribuições nos ajudará a mudar padrões, qualificar relações e, talvez, contribuir para a mudança social capaz de efetivamente reduzir os casos de violência doméstica.